MORTO VIVO (Cap. 3)
Quatro meses antes
A bruxa caminhava pelas ruas da cidadezinha com suas ervas e líquidos mágicos. Tudo vinha dentro do seu carrinho de compras e ela o puxava devagar, mesmo com todas as suas dores nas costas por causa da idade.
Era uma mulher velha e ninguém sabia o seu nome. Morava em uma casinha de madeira desde sempre e muita gente ia visitá–la escondido esperando encontrar uma solução para seus males ou previsões para dias melhores.
O carrinho vinha balançando entre as pedras da rua. A bruxa vestia roupas simples e um chapelão. Não que não quisesse ser vista. Mas o sol era muito forte e lhe castigava a pele morena. A senhora vinha distraída, pensando nas suas poções e magias, e não viu quando o caminhão dobrou a rua na esquina. Faltava ainda um tanto para ela chegar em casa, o suor escorria pelas costas. Ansiava tanto por um copo de água! Ela se esqueceu de olhar para os lados quando decidiu que era hora de atravessar. Seus pezinhos inchados chegaram a tocar nas pedras quando uma buzina horrível tocou estridente quase sobre ela.
A bruxa arregalou os olhos e ficou paralisada. Ah, então era assim que seria a sua morte? Mas alguém a puxou para trás com força e ela caiu sentada no meio fio da calçada. O carrinho tombou junto, mas as mesmas mãos que a salvaram o colocaram na posição certa. Ela assistiu o caminhão subir a rua, respirando fundo. O susto lhe causou um princípio de vertigem.
– A senhora está bem?
Ela olhou para o lado e se deparou com uma jovem de aproximadamente 20 anos, cujos cabelos negros caiam displicentes pelo rosto. Seus olhos estavam tão preocupados que a bruxa sentiu um princípio de afeição por ela. Talvez já a tivesse visto pela cidade já que seu rosto não era tão desconhecido assim.
– Sim, minha querida. Só um pouco assustada.
A moça estendeu para ela uma garrafinha de água.
– Talvez a senhora esteja precisando. Pode beber tudo.
A velha tomou toda a água e suspirou:
– Esta foi por pouco. Acho que não era minha hora.
Auxiliada pela moça, a bruxa ficou de pé, tirou o pó da roupa, ajeitou os óculos e sentiu uma dorzinha na lateral da perna. Mas nada que uma poção não curasse. Agradeceu:
– Muito obrigada pela sua gentileza. Estou me sentindo bem agora.
– Eu posso acompanhá–la, se a senhora quiser.
A mulher colocou a mão no puxador do carrinho. Precisava ir para casa. Já estava anoitecendo e tinha algumas coisas ainda para fazer.
– Não, não há necessidade, minha querida. Consigo ir sozinha – ela fixou os olhos na moça e disse colocando a mão fria e enrugada no braço dela. – Você sabe quem eu sou. Se um dia precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode ir me procurar.
A jovem levantou a sobrancelha, quase imperceptivelmente. A princípio não falou nada. Mas depois de alguns segundos, retrucou:
– Vou sim, obrigada.
A bruxa já estava indo embora com seu carrinho cheio, quando voltou o pescoço para trás e comentou:
– Você não me disse seu nome.
– Micaela.