A lápis

Estávamos tendo uma conversa que pareceria rotineira, não estivéssemos nós sentados em poltronas opostas, e não lado a lado, e se ela não estivesse com uma pistola com silenciador apontada para o meu coração (o que, de certo modo, era acertado e poético). Olhei para aquele rosto oval que eu conhecia tão bem, a pele morena, o cabelo negro caindo sobre os ombros, os lábios cheios. Se eu fechasse os olhos, conseguiria até sentir o gosto do batom Rouge Dior.

- Como se sente, agora que sabe a verdade? - Perguntou-me num tom tranquilo.

Passei a língua pelos lábios. Precisava ganhar tempo.

- Meus sentimentos por você não mudaram. Eles não foram escritos a lápis, creio ter lhe dito isso uma vez.

Ela arqueou as sobrancelhas, ar incrédulo.

- O que sente por mim não mudou, mesmo perante a perspectiva da sua morte nas minhas mãos?

Analisando por esse ângulo, tudo aquilo soava extremamente irreal. Não íamos nos reconciliar com um abraço e sair para tomar champanhe. Um de nós - eu, mais provavelmente - estava com os minutos de vida contados. Tensionei os músculos, mas as cordas com as quais ela havia me amarrado à poltrona eram bem resistentes. Não tivesse sido eu drogado na noite anterior, a conversa agora seria outra...

- Estou ciente do seu crime... agindo como agente dupla para os russos... mas nem isso muda o fato de que é a mulher que mais amei em toda a minha vida.

E, para dar mais ênfase:

- E a última, provavelmente.

Ela sorriu. Um sorriso vitorioso. Certamente, sobre aquilo eu não estava mentindo.

- Não sabe como é bom ouvir isso... meu amor.

E posicionou a pistola para dar o disparo fatal.

- Espere - disse eu.

- Não acha que me convenceu a não matá-lo, acha?

- Longe de mim. Só que há um pequeno problema se fizer isso exatamente no nosso apartamento...

Ela arqueou as sobrancelhas.

- Se você se refere ao barulho... por que acha que estou usando silenciador?

- Oh, não, não é o barulho... são os meus batimentos cardíacos. Nunca imaginei que fosse justamente você quem fosse me submeter a uma situação tão incômoda... mas tomei as minhas precauções para o caso de alguém ter essa ideia infeliz. Digo, me matar aqui dentro.

Como ela havia baixado a arma, prossegui.

- Coloquei cargas de C4 no isolamento térmico das paredes. Há o bastante aqui para mandar eu e você para o inferno umas dez vezes.

Ela empalideceu.

- E o que isso tem a ver com os seus batimentos cardíacos?

- Sabe esse sensor de frequência cardíaca que eu nunca tiro do pulso quando estou em casa? Você acaba de descobrir para o que ele realmente serve. Se eu o retirar do pulso sem desarmar o circuito de segurança... bum!

Mordeu os lábios. Imaginei o que estaria passando pela cabeça dela: me torturar para que eu dissesse como desativar o detonador, tirar o sensor do meu pulso rápido o suficiente para não interromper o monitoramento... tudo arriscado demais.

- Você está blefando - decidiu-se. E, com ar determinado, ergueu-se da poltrona, deixou a pistola sobre ela e curvou-se sobre mim. Pude sentir, pela última vez, o delicado perfume Dior Addict. No instante seguinte, ela pegou meu pulso e abriu a fivela do monitor cardíaco.

Como havia sido ajustado, o dispositivo disparou uma pequena agulha, espetando a mão que o segurava e liberando uma dose de toxina de vespa-marinha suficiente para matar um cavalo - quanto mais uma mulher de 63 kg. Ela arregalou os olhos, deu um grito, e caiu no carpete, se debatendo em convulsões.

- Sim, eu estava blefando - comentei em voz alta. - Menos sobre a parte dos meus sentimentos não serem escritos a lápis. Infelizmente, creio que a recíproca não foi verdadeira.

Ver alguém que você ama agonizar na sua frente, é horrível. Mas o que poderia eu fazer, amarrado do jeito que estava? As pessoas deveriam pensar melhor nas consequências dos seus atos.

- [27-08-2017]