Lágrimas em um beco
15 de maio de 1973, estou de pé em um beco, a noite é escura e a chuva cai, o velho terno sujo me aquece do frio, a luz amarelada de um poste plana sobre minhas costas, e nas paredes vejo manchas de um vermelho escuro, no chão, um corpo, um corpo quase não identificável, seu rosto contra o chão me impede de vê-lo, a água da chuva se mistura a poça de sangue agora já mais rala, nada de arma do crime. Já não me espanto mais em ver isso, a muito me acostumei com aquele tipo de cenário, agacho-me e viro o corpo, sinto em minhas mãos o gelado de sua roupa molhada. Seu rosto está em frente ao meu, encaro-o durante alguns segundos, segundos esses que duraram como horas, aquela figura estava lá, figura essa que me acompanhou por anos, que sabia dos meus medos e segredos, por quê? Como aquilo poderia acontecer, tivera eu feito tudo para as coisas saírem diferentes, mas nada, absolutamente nada mudou o trágico destino fadado à aquele homem, estava na hora de terminar a estória, aquela pequena estória, mais um vez, levantei meu braço empunhando aquele meu precioso castiçal, durante um segundo pude ouvir o gotejar da chuva em seu metal brilhante, não me opus, era o que deveria ser feito, e com um certeiro golpe, dei-o no rosto da vítima, uma, duas, três ... Tantas vezes que mal posso lembrar, até tudo estar acabado e aquele perigoso rosto estar irreconhecível, o sangue espirrava em mim, e por pouco não entrava em meus olhos, nada era capaz de me parar, nada era capaz de parar aquele ato, e com um duro lance, finquei por uma última vez aquela, agora então, arma, entre os olhos e o nariz, terminando com o trabalho. Cansado e ofegante, paro por estantes e me recomponho, friamente, levanto-me e olho para os céus, Deus, seria aquele o meu fatídico momento de declínio? ... Não importa mais, estava feito, fechei-me os olhos e lembrei dos momentos felizes que tive, sorrisos e brincadeiras, e em todos, aquele homem estava lá, mas nada mudaria o que eu acabara de fazer, e de uma forma ou outra uma frase não saía-me da cabeça, '’Perdoe-me, meu irmão’’.