O HÓSPEDE

O HÓSPEDE

Rangia quando abria. Aquele portão não tinha jeito. Não havia óleo que calasse aquele gemido enferrujado. Ninguém deveria saber quando ela chegava ou quando saía. Mas o portão a denunciava com a maior cara de pau. “Um dia ainda acabo de quebrar essa coisa e aí quero ver”. Rosilene dizia a mesma lenga-lenga todos os dias.

Eram quase oito horas de uma noite turrona que não escurecia de tudo. Que ficava brincando de esconde-esconde atrás de nuvens carregadas de tempestade. E nem chover deixava. Era de uma noite assim que Rosilene, se pudesse, jamais se esqueceria.

Abriu a geladeira só por vício. Não queria comer nada. E aquele hamburguer seco no almoço, ainda não descera direito. Seu estômago dava sinais estranhos. Parecia vazio. Parecia empanturrado. Tomou água e foi para o quarto.

Apertou várias vezes o interruptor e nada de luz. Foi até a cozinha à procura das velas e fósforos. A caixinha estava vazia. Lembrou que usara todos os palitos para acender o forno quando fez seu bolo de aniversário.

“Esta droga de casa velha, sempre queimando lâmpadas!” Rosilene andava apalpando as paredes rústicas do corredor em direção ao banheiro. Apertou o interruptor e nada. Não era possível que fosse apenas lâmpadas queimadas. Talvez um curto-circuito.

Fiação antiga. Seu avô nunca trocara nada. Nunca reformara nada. A casa estava como fora construída há muito tempo.

Tivera sorte de ser a única herdeira. Não precisava pagar aluguel. Com as economias podia se dar ao luxo de viajar nas férias. Gostava de visitar lugares distantes das cidades grandes. Preferia paragens simples. Comidinha caseira. Nada de gastos supérfluos.

Talvez fosse melhor ir dormir de uma vez. Amanhã resolveria o que fazer para sanar o problema.

Rosilene tirou as roupas, peça por peça. E as colocou estendidas na cadeira perto do armário de cedro. “As roupas precisam respirar antes de guardar”. Sua mãe sempre dizia, quando ela ainda era uma criança.

Gostava de dormir nua. Para o corpo respirar.

Afastou a colcha branca de crochê. E percebeu que algo impedia que puxasse o lençol.

Estava escuro. A noite resolveu escurecer. A tempestade deixou de ser nuvem. Chovia.

Trovões abafaram os gritos de Rosilene. Ninguém jamais saberia quando ela chegaria. Quando ela sairia. O portão nunca mais rangeu.

Mírian Cerqueira Leite

Mileite
Enviado por Mileite em 26/06/2017
Código do texto: T6038245
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