Pensou no sol se pondo atrás das asas de uma gaivota, no voo rasante de uma  águia...   e permitiu que sua mente abrisse as portas para a grande aventura de viajar na imaginação. Estendeu a mão para alcançar as engrenagens do relógio, adiantou  o tempo em  cinco anos e  situou o calendário em 1999, quando teria 20 completos. Simultaneamente, retrocedeu o tempo para reviver a conversa que tivera com o pai, quando tinha dezessete anos: “Devemos ler  muitos livros para escrever um.  Não vês Machado? Era um homem sábio, adquiriu conhecimento de mundo, buscando o saber na leitura e na meditação, ou aprendeu com Marília de Dirceu?...  Nunca se sabe!”
O homem tem dentro de si uma  gaivota buscando romper os limites de sua espécie, ou uma águia que se renova, afiando as garras, arrancando as penas e fortalecendo as asas para alçar novos  voos. Ele mesmo, Jeremias, fazia voos literários  e vestia sua filha com vestes que não cabiam nele: ‘Literatura não dá pão para quem não cuida bem do trigal... Todos os dias, enfrentamos novos desafios, minha filha. A partir do momento que nascemos, lutamos pela vida até à morte. Coragem! Não tenha medo de inovar, muitos construíram grandes obras, porque não temiam dar asas a seus sonhos. Voe sem medo do paredão do mundo! Voe,  e logo verás, no enfrentar de teus medos, que eles derreterão como cera. Creia, não haverá nova aurora, novo sol,  e novo dia, se não houver um homem novo a sonhar com novo céu e nova terra.  Somos o geógrafo de Exupéry: cercamo-nos e vivemos no mundo que criamos em torno de nós mesmos. Se abrirmos as portas da mente, exploramos  mundos desconhecidos. Os pessimistas carregam o pesado fardo de seus medos, e trazem notícias assustadoras àquele que lhe confiou uma missão; os valentes, porém, enxergam a vitória, mesmo antes de darem início à luta.  És ainda muito jovem! Nesse frescor da idade, a imaginação voa tanto!... Simplesmente, voa. Toma, pois, caneta e papel e descreve o voo de uma águia ou despertar de uma gaivota. As biografias não mentem, muita gente famosa fez literatura antes dos quinze. Tens  o exemplo de Coralina que,  aos quatorze anos publicou “Tragédia na Roça”. Ganhou o carinho do público, e alguns vinténs de cobre fazendo doces. Não temas! com uma pedrinha apanhada   no alforje, o menino Davi lançou por terra a ira do gigante Golias.  Livro é uma pedra. Tosca  ou polida, é uma pedra em movimento.    Se olhares o mundo com os olhos de quem viaja no deserto, verás na miragem um poço, e num monte de pedras uma catedral. Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra, mas  se andares pelos caminhos retos, não temerás os terrores noturnos, nem a flecha que voa à luz do dia.

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Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou
Imagem: Internet pabloduarte