FELÍCIA (cap. 2)
Ela acordou de repente e olhou para o relógio na cabeceira. 2h50min. Mabel sofria de insônia e levantou sem fazer barulho para preparar um chá.Com a xícara quente nas mãos, se dirigiu até a sala. Tudo era silêncio, tanto em casa como lá fora.Mabel se aproximou da janela e afastou a cortina enquanto tomava um gole da bebida.O chá queimou seus lábios e um grito ficou preso na garganta.
Felícia a encarava do outro lado da rua.
Era falta de sono, concluiu, piscando os olhos para afastar aquela imagem. Não adiantou, Felícia continuava no mesmo lugar, encarando Mabel com ódio. A xícara se espatifou no chão. Ela deu meia volta e retornou para o quarto.
- Tadeu! – sacudiu o marido com força. - Felícia está lá fora!
Ao ouvir o nome da ex, Tadeu acordou na mesma hora.
- O quê?
- A Felícia! Ela está na frente da casa!
Tadeu saiu da cama, sonolento, e foi arrastado até a janela da sala. Mal afastou as cortinas e constatou que não havia nada do lado de fora.
- Não tem ninguém aqui.
Mabel arriscou olhar também. Realmente não havia nada ali. Tudo parecia muito normal.
- Mas eu…
- Amor, vamos para a cama. Deve ser alguma alucinação provocada pela morte violenta de Felícia. Preciso acordar cedo amanhã.
Mabel não dormiu mais aquela noite.
*
O dia todo Mabel passou de mau humor, sem ter coragem sequer de abrir a cortina e espiar o dia ensolarado. As horas não dormidas durante a madrugada cobraram seu preço. Depois do jantar Mabel anunciou a Tadeu que iria dormir. O sono veio forte e pesado e a mulher dormiu precisamente até faltar um minuto para às três horas da manhã.
Ela praguejou quando viu que horas eram. Precisava levantar. Tinha que provar para si mesma que a visão de Felícia havia sido uma loucura sua. As pernas bambas a levaram até a porta de entrada da casa. Respirou fundo e então a abriu.
Felícia estava parada a poucos metros dali e Mabel decidiu enfrentar a situação. Quem era a defunta para vir afrontá-la? De camisola e pés descalços, ela saiu da casa. Um vento soprou e Felícia desapareceu entre as sombras da noite deixando Mabel ainda mais irada. Percorreu alguns metros a procura da outra, sem sucesso. Um empurrão nas costas desequilibrou Mabel que se enroscou nos próprios pés. O resultado foi uma batida forte com a cabeça no calçamento de pedras. E por lá Mabel ficou.
Tadeu foi acordado às seis horas da manhã com alguém batendo na porta. Prevendo o pior ao não ver Mabel na cama, correu para ver quem era.
- Tadeu, me acompanhe! – havia urgência na voz do Padre Chico. - Sua esposa foi encontrada desacordada próximo à praça.
Tenso, descabelado e de pijama, Tadeu correu até onde Mabel estaria. Encontrou-a sentada no meio fio, amparada pelo leiteiro. Ela parecia um pouco estonteada.
- Mabel! Como você veio parar aqui?
A mulher não respondeu. Despontava na testa um galo na testa acusando a queda.
- Me leve embora – gemeu ela.
Tadeu amparou a esposa até em casa, onde a pôs sentada no sofá. Em seguida apareceu com uma xícara de café bem forte.
- O que deu em você?
- Felícia – ela tomou um gole. - Ela apareceu de novo.
- Meu anjo, você está me deixando preocupado.
- É verdade, Tadeu! – Mabel segurou as mãos dele com força. - Ela voltou do mundo dos mortos para me assombrar!
- Talvez seja melhor você procurar um médico.
- Ela me empurrou e bati com a cabeça no chão!
Mabel estava assustada e Tadeu, exasperado.
- Tire o dia para descansar. Você está precisando muito de um repouso.
Ela fechou os olhos. Tadeu não acreditara nela. Porém, estava cansada demais para discutir.Deixou-se levar para a cama onde ficou praticamente o dia inteiro, enquanto o marido ia trabalhar. Mas Felícia era uma constante em sua mente. Fechava os olhos e ela lhe aparecia. Nas vezes em que precisou se levantar para comer ou ir ao banheiro, Mabel evitou chegar próximo à janela. Ansiava para o marido voltar logo.