A GAROTA DO VESTIDO AZUL
Quando eu era criança, uma das minhas brincadeiras preferidas era brincar de cientista. No fundo do quintal da minha casa eu montei o meu laboratório cientifico. Era uma espécie de cabana feita de madeira e coberta de latão. Os tubos de ensaio eram pequenos frascos de remédio, nos quais havia mercúrio cromo, álcool, iodo, mertiolato, fermento, sal de cozinha, bicarbonato de sódio, vinagre, aliás, tudo que eu encontrava em casa e achava que era químico eu levava um pouco para o meu pequeno laboratório. Essas traquinagens eram feitas às escondidas.
Quase todos os dias eu adentrava o bosque a procura de insetos e flores rasteiras. Após a coleta eu os levava para o laboratório e em nome da ciência eu cometia verdadeiras atrocidades. Pobres insetos...
Dentro do bosque havia um bangalô abandonado. Era bonito e assustador ao mesmo tempo.
Numa manha ensolarada, lembro que eu caçava borboletas quando ouvi um farfalhar de folhas secas. Assustada, pensando que fosse algum animal selvagem fiz menção de correr, mas uma linda menina apareceu do nada e se aproximou de mim:
- Nossa! Você me assustou e assustou a borboleta! – falei espantada.
- Por favor, me desculpe, não era a minha intenção - falou tímida e educadamente.
- Você está perdida?
- Oh, não! Eu moro naquela casa. – apontou para o bangalô.
- Pensei que lá não morasse ninguém. Você vai a algum baile? – me referi ao lindo vestido de festa azul que ela usava.
- Não, não vou a nenhum baile, só quero brincar um pouco com você.
Então a convidei a me ajudar a caçar borboletas. Ela ficou muito feliz. Chamava-se Sofia, ela era uma menina doce, meiga, gentil e muito inteligente. Falou-me que seus pais haviam viajado para a Europa e que ela havia ficado sob os cuidados de uma criada. Ela chorava quando falava dos pais e falou que não sabia quando eles viram buscá-la.
Um dia ela me convidou a entrar em sua casa para conhecer suas bonecas. Fiquei um pouco apreensiva, pois aquela casa me causava arrepios. Mas, para minha surpresa, o interior do bangalô era claro e arejado. Os móveis eram rústicos, porém elegantes, mas estavam muito empoeirados e desgastados pelo tempo. Num canto da sala, perto da lareira, havia uma cadeira de balanço que se movia sozinha. Não dei muita atenção, achei que fosse o vento. Aquele lugar era fascinante, senti-me num filme antigo. A Sofia pediu que eu a aguardasse na sala, em seguida trouxe a sua boneca preferida. Fiquei desapontada, era uma boneca estilo francesa muito velha e desbotada. Ela ninava como se fosse um bebê.
- Pode ficar um pouco com ela eu não tenho ciúmes.
Segurei a boneca sem graça. De repente, uma voz áspera estronda o ambiente:
- Sofia eu já lhe falei que eu não quero estranhos aqui dentro!
Com o susto larguei a boneca e abracei Sofia. Notei que ela era fria e cheirava a mofo.
- É a minha criada, não lhe dê importância.
Mas a voz estrondou novamente:
- Você sabe o que vai acontecer se não cumprir as minhas ordens...!
- Eu sinto muito – disse-me Sofia com os olhos marejados de
lágrimas.
Saí correndo sem olhar para trás e desde aquele dia evitei passar perto do bangalô.
O tempo passou e quando eu estava com quinze anos soube que estavam construindo um condomínio residencial dentro do bosque e que após demolirem o bangalô encontraram nos escombros uma mala intacta contendo roupas e utensílios de uma criança. Na mala, dentro de uma sacola de seda, estava um lindo vestido azul. Imediatamente lembrei-me de Sofia. Contaram que aquela casa foi construída na década de vinte e que pertencia a um casal de botânicos. Contaram, ainda, que na época o casal havia viajado para o norte do país a trabalho e que deixaram a filhinha de oito anos sob o cuidado de uma criada de confiança, mas ao retornarem as duas haviam sumido. Vasculharam toda a região e ninguém soube do paradeiro delas. Desgostosos eles abandonaram a casa e viajaram para a Europa.
Embora eu já tivesse passado da fase de ter amiguinhos imaginários a Sofia foi a melhor amiga que eu tive na infância. Até hoje eu me pergunto se de fato aquela criança foi apenas um fruto da minha fértil imaginação. Só sei que, quando passo em frente ao condomínio e vejo crianças brincando no pátio, eu tenho a nítida impressão de ver uma linda menininha vestida de azul entre elas.