O Homem Sem Nome
Sentado na mesa de uma lanchonete, Vladimir lia o jornal daquele dia, estava com as mesmas notícias de sempre: tragédias, assassinatos, corrupção, filas em hospitais, alguns colégios estavam ocupados pelos alunos, por causa de algumas mudanças que o governo estava fazendo com a grade de ensino e com a verba se me lembro bem, e é claro, as novidades da última rodada do campeonato brasileiro,parece que anularam o resultado de algum jogo polêmico.
Era uma tarde quente, típica do verão carioca, e Vladimir estava derretendo em sua mesa, as gotas de suor escorriam por sua testa como se estivessem apostando uma corrida para ver qual chegava primeiro até o chão. As mesas da parte de dentro da lanchonete estavam lotadas, o que significa que o ar-condicionado ficava só para os sortudos que chegaram primeiro, obrigando-o a sentar-se no calor infernal do lado de fora, nem mesmo a limonada que estava tomando ajudava a diminuir os 50° de sensação térmica.
Desistindo completamente de ler, culpa da falta de atenção que aquela temperatura proporcionava, Vladimir resolveu dar uma olhada no que acontecia ao seu redor. O trânsito não tinha nada de diferente, estava lotado de motoristas estressados, caminhoneiros mal-educados e rudes, motoqueiros folgados achando que podiam fazer o que quisessem e pedestres desatentos mexendo em seus aparelhos celulares, incapazes de prestarem atenção no que acontecia ao seu redor, nem mesmo para a própria segurança, ou seja, uma tarde normal no centro da Cidade Maravilhosa. Ao longo da rua viam-se moradores de rua pedindo esmolas, tentando ganhar pelo menos um pouco para terem uma refeição naquele dia, mesmo que indecente.
Abandonados pela vida e esquecidos por todos que conheciam, lá estavam, sobrevivendo todo dia, um atrás do outro, sem vontade de desistir de tudo, mas também sem tentar voltar a ser alguém na vida ou conseguir um emprego, compreensível, quem iria contratá-los? Não têm roupas, banho tomado, nem mesmo uma tesoura para cortar os cabelos e a barba, seriam escorraçados de todo lugar que tentassem entrar, expulsos por pessoas que dizem ser a favor dos direitos humanos e da inclusão social, mas na hora de fazer a diferença não movem um dedo sequer.Até mesmo as pessoas passando, apressadas e atrasadas para os seus compromissos não tinham tempo de pegar uma moeda ou uma nota de suas bolsas e bolsos para ajudar quem precisava, sempre vêm com aquela velha desculpa de que não sabem o que o pedinte fará com trocado recebido.Tem também os que falam que preferem pagar um lanche, porque assim é capaz de ver o que é feito com seu precioso dinheiro. Pois bem, vá pagar o tão aclamado lanche para o infeliz, aposto minha vida com você que esse tal mendigo, que você julga de bebum, vai aceitar uma refeição de bom grado.
Tudo isso passou pela mente de Vladimir naqueles poucos segundos em que olhava a calçada, se tinha uma coisa que indignava-o era a hipocrisia e a falta de amor pela a vida, os tempos estavam mudados, pessoas faziam de tudo para se dar bem, escalavam os outros como se fossem lixo e depois descartavam, não existia mais aquele respeito e honra de antigamente. Mas quando? Quando, na história da humanidade não houve alguém que se aproveitasse dos outros. Nos tempos de Adão e Eva? Acho que não, até nessa época as cobras assombravam as vidas alheias.
Vindo pela calçada havia um homem se aproximando rapidamente, era corpulento, aparentava ter uns sessenta anos, tinha pouco cabelo e o que restava estava branco, algumas rugas, andava curvado como se carregasse o peso do mundo em seus ombros, maxilar duro, pronto para levar um soco, e os olhos azuis, mas aquele azul apagado, sem vida nem emoção, era muito alto, coisa que somada com seu peso, dava ao sujeito um aspecto de montanha. Mesmo com essa aparência de velho, ele tinha trinta e cinco anos de idade, fora amigo de Vladimir na faculdade. Mas qual era o nome mesmo? Impossível de lembrar.
- Conde Vlad! – gritou o homem a uma distância considerável, alto o suficiente para todos que estavam passando levantarem a cabeça para ver que tipo de animal tinha dado aquele urro, tinha a voz grossa e enrolada, se você não prestasse atenção a sua fala não entenderia nada. Vinha se aproximando com um sorriso largo no rosto, porém seus olhos não demonstravam nenhum tipo de emoção, isso não passou despercebido pelo Conde.
- Por Deus, quanto tempo não ouço esse nome, já tinha até me esquecido que existia – disse Vladimir com falsa emoção, o sujeito até era um conhecido dele, mas não era o tipo de homem que gostaria de se relacionar no momento de vida em que estava, não entenda mal, o homem era uma boa pessoa, mas era amigo de outro Vladimir, um do passado, não desse agora. O Vlad do presente nunca faria amizade com alguém espalhafatoso e sem respeito pelo silêncio, isso ia contra tudo o que ele presava.
- Quanto tempo,não é mesmo? Quase uma década que não nos vemos, e pensar que eu estava lembrando daquela época nesses dias – agora o homem já tinha se sentado à mesa por conta própria, sem nem mesmo pedir por isso, confesso que Vlad ficou um pouco incomodado com o fato, pessoas folgadas eram a piores na sua opinião, e ainda tinha o detalhe de que ele ainda não tinha lembrado o nome daquele indivíduo.
- Realmente, muitos anos. Nessa semana estava pensando em ligar para a antiga turma e marcar um encontro em algum lugar da Lapa – mentiu, nunca que ele marcaria um encontro com a galera da faculdade, para ele o tempo tinha passado, as coisas que ficaram para trás não precisavam voltar, era uma lei básica que Vlad obedecia.
- Não ficou sabendo? – perguntou o homem espantado. -Claro que não, alienado do jeito que é, sem seu contato fica impossível de se comunicar com você, o fato é, faleceram todos, Marcos, Alexandre, Vitor, até mesmo o simpático Dante. Foram assassinados, esfaqueados todos eles, trágico, muito trágico.
Por essa Vlad não esperava. Como assim mortos? Assassinados ainda por cima. Quem faria uma coisa dessas? A notícia abalou o Conde, mesmo sem falar com eles desde que saiu da faculdade, saber que estavam mortos entristecia-o. Saber que aqueles garotos cheios e vida e sonhos estavam mortos foi o suficiente para fazê-lo repensar o modo que via a vida e se a sua lei básica valia mesmo a pena ser seguida, e se eles tivessem se encontrado antes? O sentimento de culpa seria menor? Mas por que ele sentia culpa? Não tinha nada a ver com as mortes, nem mesmo sabia que tinham acontecido. Talvez seja isso, a ignorância perante a notícia fazia-o sentir-se culpado, apenas pelo fato de nem mesmo saber como estava a vida daqueles homens depois da faculdade.
- Santo Deus! – exclamou, dessa vez com uma emoção na voz, mesmo que mínima. – Não é possível, que tipo de monstro faria uma coisa dessas?
- Um bem perverso, para deixar vários filhos órfãos e esposas viúvas, só pode ser alguém desumano – Vlad balançou a cabeça em apoio ao que ele dizia, pelo visto não saia apenas merda daquela boca. - A polícia não faz ideia de quem seja o assassino. Fui falar com o delegado e ele disse que as mortes não têm conexão, são casos separados. Um monte de besteira na minha opinião, eram todos amigos, estudaram na mesma faculdade, foram mortos da mesma maneira. Como isso não está conectado, diga-me, como?
- Não faço ideia, a polícia não faz nada que preste, são um bando e babuínos que passam o dia coçando a bunda – Vladimir achou melhor concordar com o homem, não queria começar uma discussão. Para ele a polícia fazia um bom trabalho na maioria dos casos, se falavam alguma coisa é porque tinham fatos que os fizeram chegar nessa conclusão.
- Exato! É o que eu falo para minha esposa, se quem morre não for importante eles nem se esforçam em solucionar o mistério – nesse ponto não tinha como discordar. - Eu me casei, sabe – disse, mudando completamente de assunto. - Adivinha com quem. A Renata! Da pra imaginar que um dia eu me casaria com a garota mais rodada da nossa época de faculdade? – mais uma vez Vladimir ficava incomodado. Em que mundo um homem falava assim de uma mulher? Pior ainda, de sua própria esposa. Eram coisas impossíveis de entender.
- É mesmo? Impressionante. Quem diria, logo você se casando, realmente a vida é uma caixinha de surpresas – a falsidade reinava nessa frase, agora o nível de desconforto estava extremo, pior do que quando você tenta conversar com uma garota e o assunto teima em não durar.
- Não é? Logo eu que aprontava tanto na juventude, mas não era o único, você também não era um exemplo de bom moço. Traçando todas as moças que visse pela frente, bebendo todo o álcool desse mundo, e as drogas? Por Deus, como você chapava com facilidade – agora as mortes já tinham sido esquecidas.
- Claro que lembro disso – respondeu Vlad, rindo, desejando que não lembrar dessa época louca de sua vida. – Eu era jovem, irresponsável, não me importava muito com minha saúde, vivia apenas na festa.
- Igual a todos nessa idade, não é mesmo? Como sinto saudades dessa época. Mesmo na faculdade, tendo que estudar muito para conseguir passar nas provas, eu não tinha responsabilidades. Lembro dos nossos jogos de pôquer no bar. Dante era o primeiro a ficar sem dinheiro, sempre pedia emprestado. Alexandre então? Ficava bêbado antes de todo mundo e tinha que ir pro dormitório, Marcos o levava pro quarto e aproveitava pra ir dormir também, ele nunca gostou muito das nossas noites de jogos, era muito responsável, mais que todos os outros, o único sóbrio pra cuidar de nós.
- Sim, sim. Eu sempre perdia no pôquer, ainda bem que me controlava na hora de apostar. Sabe o que fizeram antes de morrer? Como foi a vida deles? – pode parecer estranho querer saber disso agora, porém Vlad estava muito mal por não saber nada da vida dos antigos amigos, essa era a melhor oportunidade para descobrir alguma coisa.
- Marcos, Dante e Vitor casaram. Marquinhos foi o primeiro a fazê-lo, foi numa igreja pequena na Zona Oeste. Não teve filhos, a mulher era estéril pelo que parece.Não quiseram adotar. Dante encontrou uma milionária para ele, ela era uns trinta anos mais velha, viúva e sem filhos ou parentes que se importassem com ela, se me lembro bem tinha um tumor no coração, acho que o homem cansou de ficar sem dinheiro e deu um jeito de não ser pobre pelo resto da vida. Azar o dele, morreu antes da velha, nem chegou a sentir o gosto do dinheiro apenas para ele – isso era jeito de falar sobre um falecido? - Vitor casou no cartório com outro homem. Isso mesmo, parece que nosso amigo jogava no outro time e ninguém desconfiou. Mas se me lembro bem, ele sempre te olhou de uma outra forma hein.
E riu alto. O modo espalhafatoso desse homem era o suficiente para todos que estavam em volta olharem e deixarem Vladimir morto de vergonha, parece que essa criatura na frente dele não se importava muito com o silêncio, nem com a paz de outras pessoas.
- Muitas saudades mesmo – continuou -, me lembro da época de provas, Alexandre sempre nos ajudava, a capacidade que aquele homem tinha de decorar a matéria era impressionante, falando nele, você acredita que não casou? Estava sozinho e morava com a mãe. Coitada da dona, além de ter que se sustentar ainda tinha que cuidar de um filho vagabundo e desempregado dentro de casa. A vida é uma caixinha de surpresas, logo o Alê que sempre pareceu que iria ser o primeiro a arranjar um emprego e uma casa própria, morreu sem nunca nem sentir o gosto de morar sozinho.
Mais uma coisa que Vlad foi obrigado a concordar, não adianta quantos planos você faça para o seu futuro ou o quanto você sonhe com alguma coisa, ele é uma grande incógnita, ninguém sabe como será, é impossível, e é isso que da graça a vida, esse grande suspense que nos ronda durante todos os nossos dias nesse lugar. Queremos responder uma das grandes perguntas que nos fazemos com bastante frequência: O que vai acontecer? Alcançarei meus sonhos? Conseguirei aquele emprego tão esperado? Casarei com aquela pessoa que sempre amei? Viajarei o mundo como sempre quis? Terei filhos? Deixarei um legado nesse mundo? Conquistarei tudo aquilo pelo qual batalhei tão arduamente, todos os dias da minha via, incessantemente? Ou alguma coisa vai acontecer para impedir que meus sonhos virem realidade? A vaga para aquele emprego será preenchida por alguém com mais sorte? A pessoa que sempre amei vai encontrar outra ou outro e terá uma vida feliz ao lado dele ou dela? Minha condição financeira me impedirá de sair do país? Vai acontecer algum acidente que não me deixará ter filhos, como uma doença ou algo do tipo? Vou passar despercebido por este mundo sem que ninguém nunca saiba meu nome? Tudo pelo qual sempre batalhei é algo inalcançável e pertence a outra pessoa? Porque, bem ou mal, existem pessoas com os mesmos sonhos que você, a mesma pessoa amada, a mesma vontade de conseguir aquele emprego. E aí, como fica? Você tem mais direitos de conseguir essas coisas? Tudo tem que pertencer a você porque senão a tristeza vai te invadir? Mas já parou para pensar que a tristeza pode invadir outra pessoa? Já pensou que quando você ganha alguma coisa alguém perde? Enquanto você está feliz alguém pode estar triste por não ter conseguido aquilo que você está comemorando por ter conquistado. São coisas a serem refletidas.
Depois desse desvio, vamos voltar para a trama, onde eu estava mesmo? Ah sim, lembrei.Saber da vida dos amigos falecidos deixava Vladimir meio triste, ele não sabia de nenhuma dessas coisas, ninguém o tinha convidado para nenhum casamento. Parece que o tempo passou e aqueles amigos simplesmente esqueceram dele. Agora é um bom momento para pensar se todas aquelas promessas de uma amizade inseparável e eterna eram verdade ou se tinha uma brecha nesse “contrato”, como: “somos amigos para sempre, menos o Vladimir, quando a faculdade acabar não teremos mais desculpa para mantê-lo por perto”. Eu sei que por um lado ele que se afastou e tudo mais, contudo isso deixava-o triste.
- Mas me diz você – continuou o homem, por Deus ele não para de falar nunca, – o que está fazendo da vida? Casou? Teve filhos?
- Uma vez, casei com uma mulher que conheci no trabalho, ela morreu dois meses depois do casamento, depois disso perdi meu emprego, carro, pai, tudo. Nunca tivemos filhos, ela era estéril, não deu tempo de adotar.
- Jesus! Meu Deus, homem, porque você não me procurou? Sempre tivemos esse tipo de relação.
A ideia de se abrir emocionalmente para aquele homem fez Vladimir dar gargalhadas por dentro
- Pois é, foi uma época difícil, mas agora está tudo bem, já faz quase três anos que aconteceu.
- Sei. Bem, qualquer coisa, pode contar comigo.
- Obrigado. Então, eu vou ali pagar a conta e ir embora, estou à procura de um trabalho e você sabe como é difícil encontrar um decente aqui nessa cidade.
- Sei muito bem. Não precisa pagar a conta, deixa essa comigo, pelos velhos tempos.
- Jura? Vou ser obrigado a aceitar, tenho uma entrevista daqui a uma hora e se não sair agora vou me atrasar. Prometo que um dia pago uma cerveja para compensar. Adeus, meu amigo
- Até logo – disse o homem, rindo e acenando, tinha alguma coisa naquela risada que incomodava o Conde, talvez a falta de coerência entre ela e os olhos. Deus, como aqueles olhos eram frios, superavam qualquer nevasca, totalmente diferente do homem brincalhão e espalhafatoso que os carregavam, Vlad sonharia com eles por semanas.
Não durou muito tempo até o carro, ele estava estacionado em um prédio-garagem ali perto, foi uma fortuna para colocá-lo lá, porém, era isso ou rodar por duas horas até achar um lugar na rua.
O prédio era novo, possuía seis andares, muitas vagas, uma boa escapatória para quem não tinha paciência de procurar lugares para estacionar no centro da cidade. Esse tipo de espaço estava cada vez mais presente no Rio de Janeiro.
O carro estava no sexto andar, como o elevador estava em manutenção, a saída era subir pelas escadas.
Pelo menos Vlad teria um tempo para digerir todas as informações que recebera. Quatro de seus amigos de faculdade estavam mortos, como isso foi acontecer? O pior de tudo é que ele não falava com nenhum dos falecidos há muito tempo, foi como se depois daqueles quatro anos ele tivesse se isolado de todos e não quisesse saber o que acontecia em suas vidas. É uma sensação horrível e indescritível, saber que você se afastou tanto de alguém que nem sabe a data de sua morte.
Outra parte de sua mente se preocupava com a própria segurança. Era impossível não desconfiar da presença de um padrão entre as mortes. Todos homens adultos, cursaram a mesma faculdade e foram assassinados da mesma forma. A qualquer momento o culpado poderia vir atrás dele querendo completar o serviço. Ainda tinha o homem, ele também era uma possível vítima, se houvesse mesmo um padrão, ambos estavam com as sentenças de morte assinadas.
O último andar chegou mais rápido que o esperado, quando Vladimir se perdia em seus pensamentos o tempo não passava da maneira usual. Era o mesmo efeito de quando você está em uma conversa muito profunda com alguém e o tempo passa despercebido, as conversas de Vlad com sua mente eram mais interessantes e cativantes do que qualquer outra.
Não foi difícil encontrar o carro no meio dos outros, não haviam muitos Mavericks V8 1974 naquele estacionamento, era fácil achar o único. Aquele carro era a única coisa que importava para o Conde, muitos chamavam de lata-velha, mas ele pertencera a seu pai, era tudo que ainda restava dele, Vlad não iria se desfazer daquela banheira tão facilmente.
A porta se abriu com facilidade, o que era uma coisa nova. Por dentro o ar quente estava derretendo cada pedaço de pele de seu corpo, para você ter uma ideia de como estava quente lá dentro.
- Finalmente você chegou, não aguentava mais te esperar nesse forno – o susto foi tão grande que Vladimir bateu com a cabeça no teto o carro. Uma voz tinha dito aquelas palavras, ela foi reconhecida imediatamente, era o homem da lanchonete.
- O que você está fazendo aqui? – perguntou Vlad tentando manter a calma, olhando para frente.
- Eu queria apenas conversar, sabe, bater um papo. Sei que falamos bastante naquele lugar mas eu sinto que você não foi completamente sincero comigo, isso me deixou muito magoado.
- Então vamos falar agora, o que gostaria de saber?
- To te achando muito apressado, relaxa um pouco, vamos aliviar essa tensão, eu realmente gosto de um bom papo, tranquilo, sem pressa. É uma sensação boa, não acha? Conversas calmas, em qualquer hora do dia, são o que faltam para esse mundo, se as pessoas conversassem mais, muitas coisas seriam evitadas.
- Eu vou morrer, não vou? É você. Você que os matou, agora veio completar o trabalho.
- Meu Deus, homem! Não é capaz nem mesmo de criar um clima de suspense. Sabe o que eu queria? Sabe?! Responde, caramba!
- Não sei! Não sei, não sei. – sua voz foi diminuindo a cada fala, ele sabia eu iria morrer, toda tranquilidade tinha ido embora.
- Eu queria dialogar com você, não queria que pensasse que sou um assassino a sangue frio que está aqui só pra te matar e ir. Não, claro que não, eu quero que saiba meus motivos, o que está me levando a fazer isso, quando você morrer vai saber o porquê disso.
O momento de medo e choque tinham passado, agora Vladimir procurava alguma forma de sair, se fosse rápido o bastante poderia correr até o térreo e pedir ajuda. Pela forma que os outros foram mortos aquele homem tinha uma faca em suas mãos, poderia ter uma arma de fogo só por precaução, talvez o fator surpresa o paralisasse por um tempo. Daria tempo o suficiente para sair da mira da arma e conseguir escapar. Era isso, bastava apenas esperar pelo momento certo.
- Desde a época da faculdade eu pensava em fazer isso, meu pai dizia que eu era doente, um psicopata, ele não disse mais nada depois de morrer – a expressão de espanto no rosto e Vlad não passou despercebida, e o homem apenas riu, deu uma gargalhada alta como se tivesse ouvido a melhor piada do mundo. – O que? Acha que eu o matei? Não, homem, meu Deus, que tipo de mostro você acha que eu sou? Foi um acidente de carro que levou a vida o meu velho. Você tinha que ver a sua cara, aposto que tá todo mijado, não é mesmo? Hein, fala pra mim.
É agora, fazer ou morrer. Em um movimento rápido Vlad abriu a porta e a empurrou com força, em um piscar de olhos já estava fora do carro quase correndo, porém, lento demais. Ele nem viu o soco chegando, só percebeu quando estava caído no chão levando pontapés na barriga. Foi posto de pé pelo homem, que era mais forte do que parecia, e em menos de três minutos estava de volta ao banco do motorista, com o sujeito sentado atrás, dessa vez as portas estavam trancadas.
- Sério? – perguntou, ofegante – O que você achou? Que eu ficaria paralisado pela surpresa? Por você de repente ter criado culhões e ter feito alguma coisa? Isso não é um filme onde você, o mocinho, sobrevive, essa, meu amigo, é a vida real, e de uma coisa tenha certeza, você vai morrer nesse carro.
Toda esperança de uma fuga tinha morrido, o que restava era apenas aceitar o fato de que o sua vida estava por um fio.
- Continuando. Não ache que eu quis matar vocês no primeiro momento em que os conheci, não, foi mais ou menos na época que viraram meus amigos, tudo o que mais importava para mim, só aí eu quis vê-los fora desse mundo. Quando eu era criança ganhei um coelho, me apeguei a ele muito rápido, era uma criatura muito fofa e inocente. Quatro meses depois de ter ganhado aquele animal eu o matei, quebrei seu pescoço, minha mãe ficou horrorizada. Aconteceu a mesma coisa com todas as minhas coisas, brinquedos, animais de estimação, tudo o que eu me apegava era destruído por mim. Minha psicóloga disse que eu tenho um problema de que quando eu gosto muito de uma coisa faço de tudo para tê-la só pra mim. Não queria dividir meus brinquedos com as outras crianças, então eu os destruía, não queria que meu animalzinho fosse cuidado por outra pessoa, eu o matava para ninguém tocar nele, acho que você entendeu aonde isso vai parar, certo?
- Você é doente, um lunático psicopata que não tem apreço pela vida. Você não tem sentimentos.
- Vlad, Vlad, Vlad, meu querido, o problema é esse, eu tenho sentimentos demais. Agora, aposto que está se perguntando por que fazer isso só agora, depois desse tempo todo. Pois bem, eu te digo, mesmo que eu seja doente, o sadismo faz parte do meu ser, pensa comigo, o que é melhor, matar um jovem cheio de planos para a vida mas que não está vivendo em uma época boa, ou, matar um homem feito que está vivendo seus melhores anos, os mais felizes e bem sucedidos de sua existência?
- Se esperou esse tempo todo para me matar quando eu estivesse vivendo meus melhores anos, acho melhor você aguardar mais um pouco, eu to completamente na merda.
- Mesmo? Pelo que eu saiba, depois de perder a primeira esposa você se casou de novo, com uma linda mulher que te ama, teve dois filhos, Caio e Davi, se não me engano. Nunca perdeu o emprego, é advogado de uma das melhores firmas do pais, você está com muito dinheiro, meu amigo. Fez viagens pelo mundo todo, conheceu várias culturas, tudo o que sempre quis, e seu pai, está vivo e bem, morando numa casa em Miami.Você parece estar numa boa na minha opinião.
Tudo. Ele sabia de tudo. Parece que passou um bom tempo observando antes de atacar.
- Me mata logo e acaba com toda essa tortura. Só deixa minha família em paz, eles não merecem sofrer.
- Mas eu não quero matá-los, isso nem passou pela minha cabeça, eu não mato mulheres e crianças, tenho o mínimo de respeito. Antes de te matar, quero que saiba que sempre te considerei meu melhor amigo. Alguma última declaração a fazer?
- Vai pro inferno.
- Te encontro lá.
O homem pegou um garrote e começou a sufocá-lo, Vlad sentiu seu olhos pulando de suas orbitas, a falta de ar excruciante, o rosto ficando vermelho e depois roxo, a vontade de respirar, a necessidade por oxigênio, era uma tortura completa. Pelo visto ele não iria matá-lo da mesma forma que fez com os outros, não, o último merecia uma morte diferente. A única coisa que ele queria saber antes de partir era o nome do sujeito que estava tirando sua vida.