A Punição

- Diga a verdade, mentir só irá complicar as coisas.

- Dizer a verdade pode complicar muito mais.

A situação de fato não era simples, como explicar ao capitão da guarda que o maldito prisioneiro escapou? Ele seria punido com certeza, não havia solução.

A rua estava movimentada naquela tarde quente de verão, uma nuvem de poeira preenchia cada beco, dificultando a visão. Carroças carregadas de mercadorias levantavam o fino pó do chão, tornado o ar ainda mais pesado.

O colete de couro parecia colar no corpo, gotas de suor brotavam em sua testa, mas as mãos calejadas e cheias de cicatrizes estavam frias. Em sua mente tentava encontrar uma saída para aquela situação, mas infelizmente as idéias haviam sumido, assim como o prisioneiro.

A ordem era simples, transportar o prisioneiro das celas norte para o barco, onde seria levado para algum lugar. Não era algo complicado, alias, era algo corriqueiro na vida dos guardas da cidade. Uma vez por semana prisioneiros eram transportados para outros lugares, em sua maioria barcos, onde seriam levados para o comércio de escravos ou para seu reino de origem.

- O que irá fazer? – Questiona o outro guarda a frente.

Secando a testa com um pedaço de pano, o guarda se mostrava perdido em meio à situação. O que fazer? O que falar? As questões surgiam uma atrás da outra, mas o maldito preso não iria surgir.

- Mais que merda, como ele foi escapar? Eu estava segurando as cordas, foi olhar para o lado que de repente a corda se afrouxou e ele simplesmente sumiu. Não foi culpa minha. – Fala o guarda com a voz tensa, revelando o seu desespero.

O amigo acreditava nele, mas o capitão talvez não. Como uma pessoa pode simplesmente sumir? O mais provável é que ele não o tenha amarrado direito e que ao ver uma oportunidade, escapou sem ser percebido. A falha era grave e a preocupação do amigo fazia sentido.

- Vou dizer que ele foi transportado. – Fala o guarda de forma exaltada. – É isso, o barco já estava pronto para sair, o capitão não irá saber de nada.

- Não faça isso, a mentira pode ter conseqüências muito piores. – Fala o amigo com a voz seria. – Você é um homem com honra, não deixe um erro transformar você em uma pessoa menor.

- É fácil falar, queria ver se estivesse em meu lugar. – Fala o guarda se afastando do amigo e caminhando até uma pequena fonte, onde enfia as mãos na água e em seguida molha o rosto.

Nunca era fácil dizer a verdade, mas era preciso, todos os guardas do reino tinham o dever de zelar pela verdade, mesmo que está venha prejudicar. A mentira era considerar uma grande desonra, capaz de provocar punições maiores do que o fato ao qual a pessoa tentou mascarar.

- Compreendo meu amigo, infelizmente não posso me colocar em sua agonia, mas posso compreender seu pesar. Lembre-se que mentira pode nos aliviar momentaneamente, mas no futuro ela pode nós cobrar caro.

- Que seja.

- Boa sorte lá dentro.

Se virando o guarda vê o amigo sumir em meio a multidão e a nevoa de poeira. Em seu coração ele sabia que as palavras dele eram verdadeiras, mas a realidade atual colocava uma pedra tão grande, que ele não sabia mais o que fazer.

Sem poder mais esperar ele caminha para o prédio da guarda. Em sua mente as palavras do amigo se repetem talvez a verdade fosse à única saída. Sua honra como guarda exigia isso, mas após dizer o que houve ele se questiona se ainda seria guarda.

A sala do capitão era simples, as paredes feitas de pedra aliviam um pouco o calor do lado de fora. Alguns estandes de livros se encontravam espalhadas por alguns cantos e uma mesa de mogno tomava grande parte do ambiente. Sentado sobre a cadeira o capitão preenchia alguns papeis com sua pena, provavelmente despachos de prisioneiros ou solicitação de armamento, uma verdadeira chatice, como o próprio capitão falava, mas que era necessário.

- É você. – Fala o capitão erguendo os olhos para ver quem havia entrado em sua sala. – Já mandou o prisioneiro para o barco?

As mãos do guarda começam a tremer, um frio toma conta de seu corpo e a voz parecia ter sumido. Tudo que conseguia ver era o capitão aguardando a resposta correta, mas que ele sabia que não tinha.

- E então? Levou o maldito ou não? – Pergunta o capitão de forma mais severa.

- Sim, eu......., bem, o prisioneiro....... ele........

- O que é isso agora? Aconteceu alguma coisa guarda? – Fala o capitão soltando a pena e se levantando.

O capitão era um homem forte e conhecido por ter um temperamento explosivo. Todos sabiam que ele não aturava falhas, apesar de ninguém saber o que acontecia aos homens que erravam com ele.

- Desculpe capitão.

- Desculpe pelo que guarda, fale de uma vez. – O capitão já estava sua frente, o encarando diretamente nos olhos.

Mentalmente o guarda dizia que precisa dizer a verdade, a voz do amigo também se repetia constantemente, mas quando finalmente tomou a coragem de dizer, ele falou:

- O prisioneiro foi transferido, o barco já partiu.

O capitão ficou encarando o guarda por mais algum tempo, analisando seu rosto e os olhos, até que finalmente falou:

- Espero que sim. Você está dispensado por hoje.

Um alivio tomou conta do seu corpo, era como se um saco de pedras fosse tirado das costas. Se virando ele sai pela porta esquecendo completamente da mentira. Tudo parecia resolvido e para reafirmar isso ele diz para si mesmo:

- Qual a chance deste prisioneiro causar algum problema? Ele deve está muito distante daqui.

Com um sorriso ele pensa em ir para algum lugar beber um pouco. Na saída não percebe seu amigo encostado na parede, que desconfia de sua postura animada e descontraída.

Em sua sala o capitão ouve alguém bater na porta. Com raiva, ele fala:

- Estou enterrado nestas porcarias de papeis e ainda ficam me incomodando. Quem é afinal?

Entrando na sala o amigo do guarda olha um pouco assustado para o capitão, em seguida fala:

- Lamento interromper senhor, só vim aqui agradecer.

- Agradecer pelo que rapaz?

- Por não ter punido meu amigo, fico feliz que tenha entendo o que houve.

Confuso o capitão larga novamente a pena e se levanto fala:

- O que você está falando? Por que iria punir, a final ele levou o prisioneiro.

Espantando pelo fato do amigo ter realmente mentido o guarda fica sem reação diante do capitão. Ele tinha achado que o fato de dizer a verdade e assumido seu erro, fez com que o capitão o perdoa-se, mas aquela alegria presencia a pouco era pelo fato de ter se livrado de uma punição.

Com tristeza o guarda olha para o capitão e fala:

- Não gostaria de dizer isso e sei que não devo, mas pela honra guarda da cidade preciso dizer. O prisioneiro fugiu, ele não o levou para o barco senhor.

O capitão ficou vermelho imediatamente, seus olhos se arregalaram e os músculos enriqueceram, como se fosse socar alguém naquele momento, porém, ele se afasta e fala:

- Aquele idiota está correndo perigo, chame todos os guardas, precisamos localizar o prisioneiro o quanto antes.

- O que está havendo? – Pergunta o guarda espantado com a informação. – Por que ele corre perigo?

- O prisioneiro é conhecido por matar guardas que o vigiam. A transferência era para uma prisão isolada, onde ele morreria enfiado em um buraco. Se aquele idiota tivesse falado que o prisioneiro tinha escapado, eu teria mantido ele aqui e enviado os guardas para procurar por ele.

A situação era mais complicada do que o guarda havia imaginado, ele sabia que a mentira iria render algo ruim, mas nunca poderia imaginar que seria algo assim.

- Eu sei para onde ele foi. – Fala o guarda saindo da sala, sendo seguido pelo capitão que chamava os demais homens a segui-los.

Saindo do grande prédio os homens correm direto para uma rua empoeirada á esquerda. As carroças atrapalhavam a corrida mais rápida, o que deixa o guarda ainda mais tenso com a situação.

Um grito é escutado em uma loja à frente, pessoas começam a correr. O capitão aponta para todos seguirem para o local imediatamente.

O coração do guarda batia forte, tudo que ele desejava era que seu amigo estivesse bem. Uma ponta de culpa atinge seu coração, ele se puni por não ter insistido mais para ele dizer a verdade.

Uma multidão bloqueava o caminho a frente, o capitão com a voz nervosa grita:

- SAIAM AGORA!!!

Assustados pelo grito do capitão, as pessoas saem da frente imediatamente. Os homens terminam de empurrar as pessoas, afastando elas de perto da cena que olhavam com tanta atenção.

O guarda caminha lentamente ao ver um corpo caído no chão, em seu interior ele pede aos deuses para não ser seu amigo, mas ao se aproximar toda a esperança e esvai. O sangue fazia uma grande possa no chão, na garganta o corte havia sido profundo e mortal.

- Que merda. – Fala o capitão ao reconhecer seu guarda.

O amigo cai de joelhos no chão, não acreditando no que via. Está era a punição pra aqueles que não fazem a opção para a verdade. Com tristeza o guarda fecha os olhos do amigo e se despede, lamentando por não ter insistido mais.

Tiago Guedes Moraes
Enviado por Tiago Guedes Moraes em 15/03/2017
Código do texto: T5942192
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