Quem fez isso,Roboão?

O homem estava estirado no chão.

O pouco de força que restava, provocava os espasmos que apontavam para os minutos finais de uma existência que não deixaria saudade.

Era estranho olhar. Um homem se acabar daquela maneira, sem tempo para reação. Acuado. Covarde.

- Quem fez isso, Roboão?-Perguntou alguém, no meio da aglomeração que se formava.

Ele não respondeu , da boca trêmula escorria uma baba avermelhada, saliva misturada com sangue.

- Quem fez isso?-Tornaram a perguntar.

A resposta não faria muita diferença para aqueles que ficavam ou para quem estava partindo.

Era consenso que Roboão não poderia fugir daquele fim.

Sabíamos que diante de tudo o que disseminara ao longo da vida, morria tarde.

A polícia e a ambulância foram chamadas.

Certeza de que se o infeliz tivesse alguma chance de sobrevivência, morreria pela demora no socorro.

Em lugares como o nosso quase nada chega e quando chega demora, refleti.

Água, luz, asfalto, escola, esgoto, ambulância, polícia. Tudo.

Procurei nos olhos de Roboão sinais de medo ou dor.

Será que a morte doía? Será que ele tinha medo do que seria dali para adiante?

Prestar contas para Deus, queimar no fogo do inferno...

Zombei de meus pensamentos bobos. Gente igual Roboão não acreditava em Deus, céu, inferno, vida após a morte.

Talvez se acreditasse não passaria os dias aterrorizando tanto a vida dos outros.

Em seus olhos vi a expressão de espanto.

Parecia incrédulo diante de tudo o que acontecia.

A morte, a arma, o instrumento.

Sete tiros.

Dava para contar os buracos na camisa ensanguentada.

-Quem fez isso,Roboão?

Os homens de “rabo preso” não esperaram a polícia.

Simplício saiu de fininho.

Preto até os dentes, valente por natureza, carregava na pele e na personalidade a prova de qualquer crime.

Geraldo, que tivera desavenças com o moribundo por conta de dívidas de jogo, também se afastou, jurando inocência.

- Pode ter sido uma mulher. Uma voz cogitou.

Podia e uma lista de nomes começou a ser mencionada.

Marilda.Cristina. Benedita. Lucélia.Outras.

Mulheres que ele tinha enganado, explorado e maltratado.

Sete tiros.

Foram elas que trouxeram velas e colocaram ao lado do corpo que como uma chama fraca, estava prestes a se apagar.

Olhei o rosto dele mais uma vez.

Procurei os olhos e a expressão de espanto ainda estava lá.

Os grandes também caem, pensei.

Um homem forte. Cheio de saúde.

Poderia ter formado uma família .

Em lugares como o nosso só a família dá sentido ao existir.

Justifica cada dia de trabalho honesto e o valor a um mínimo de dignidade.

Agradeço todos os dias pela família que tenho .

Roboão deu enfim, o último suspiro.

Mais um defunto sem choro em nossa periferia.

Ouvimos a sirene da viatura se aproximando.

Iam chegar antes da ambulância.

Deixei o local.

Entrei em casa de mansinho.

A mulher e as crianças já estavam dormindo.

Decerto nem tinham tomado conhecimento da tragédia.

Dei sinal de que havia chegado. Beijei as crianças no rosto. Fui para a cozinha, depois rumei para o quartinho do fundo.

Antes de esconder a arma fiz a reposição das sete balas que estavam faltando.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 01/03/2017
Reeditado em 06/03/2017
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