TUDO TEM SEU TEMPO

— Meritíssimo, eu sou totalmente inocente, foi tudo uma armação...

— Calma, Sr. Ferraz, não se comprometa, deixa que eu falo.

— Roberto, eu sei que és um bom advogado, mas esse clima está muito tenso, estou com muito medo.

— Senhor Ferraz, tudo tem seu tempo.

Ferraz tinha 59 anos e estava sendo acusado de roubar e matar seu chefe e dono da empresa onde trabalhava a 18 anos, seus filhos cresceram e também trabalhavam lá. O mais velho já estava a 5 anos na empresa. Ferraz começou como office boy e foi passando por todos os setores, o Sr. Pedro Paiva adquiriu muita confiança e percebia o quanto era competente. No último ano, Ferraz estava na seleção para o cargo de vice-presidente, disputava com seu atual advogado, o Dr. Roberto Cruz. Na sexta-feira que antecedeu o trágico assassinato, o Sr. Pedro Paiva decidiu que a vaga de vice-presidente seria do Dr. Roberto. Ferraz ficou muito decepcionado e triste, passara a vida se preparando para esse momento.

A partir do dia da escolha até o dia do assassinato passou-se duas semanas, todos esperavam ver Ferraz como vice-presidente, mas não foi dessa vez.

Com a morte do Sr. Pedro e a escolha de Roberto para ser promovido, os olhos da polícia voltaram-se para Ferraz. O que a polícia conseguiu coletar contra Ferraz foram apenas testemunhos de colegas. Alguns diziam que ele se tornara mais nervoso, outros diziam que o escutaram dizendo coisas sem sentido, e outro disse que com a decisão do Sr. Pedro ele pediria demissão, mas nada palpável. Era apenas isso que havia nas mãos do júri e do juiz.

— Senhor Ferraz, mantenha-se calado, fale apenas quando eu autorizar – bradou o juiz.

— Ok — Disse Ferraz.

— Tudo tem seu tempo – completou Dr. Roberto.

Passaram as horas e mais testemunhas chegavam para dar depoimentos, e todos pareciam contrários a Ferraz. As esperanças do réu estavam diminuindo.

— Sr. Ferraz, nada que foi dito pode condená-lo – Falou Dr. Roberto.

— Assim espero. – Respondeu Ferraz.

— Sr. Ferraz, por favor – Chamou o Juiz.

Ferraz sentou-se na enorme cadeira de couro no meio da sala, fixou seus olhos no júri e depois no juiz e começou sua defesa.

— Senhoras e senhores do Júri, Sr. meritíssimo. Quem me conhece sabe que eu nunca mataria ninguém, nem uma mosca, imagina eu matar um dos meus melhores amigos. O Sr. Pedro foi um pai para mim, tudo que eu conquistei foi com a ajuda dele, meus filhos cresceram e estudaram com o dinheiro que eu ganhava na empresa dele e hoje inclusive trabalham no mesmo ramo. Não faria nenhum mal a ele. Inclusive percebi que a escolha dele foi o melhor para a empresa, como todas as outras que ele fez, o Dr. Roberto está mais preparado para assumir o cargo, ele estudou muito para chegar onde chegou. Aproveito também a oportunidade para o agradecer publicamente, porque mesmo com toda a turbulência na empresa, ele achou um tempo para tentar me defender. Muito obrigado Dr. Roberto Cruz, aconteça o que acontecer. E concluindo, peço que escutem o que eu digo agora: eu Aroldo Ferraz Junior, não matei o Sr. Pedro Paiva.

Muitas pessoas testemunharam, mas não havia provas concretas, não havia digitais ou imagens. O texto de Ferraz, dirigido ao júri, sensibilizou aquelas pessoas que por unanimidade absolveram-no e o juiz arquivou o processo.

Ferraz deu um abraço em Roberto e saiu em direção a sua família, beijou sua esposa e seus filhos e saíram juntos do tribunal.

No dia seguinte, Ferraz voltou para sua empresa no intuito de dar continuidade na sua vida. Foi recebido com festa, todos o admiravam, até as pessoas que testemunharam contra o esperavam para se desculpar, falaram o que viram ou ouviram, mas nunca acreditaram que o colega de anos seria culpado. Após a recepção calorosa, Ferraz foi chamado na sala do Dr. Roberto Cruz, seu advogado e atual vice-presidente da empresa. Com um grande sorriso e sem falar nada, apertaram as mãos e abraçaram-se. Depois disso, Roberto o parabenizou dizendo:

— Eu disse Ferraz, tudo tem seu tempo.

— É muito complicado doutor, eu nunca havia ficado na frente de um juiz e de um júri, ainda mais sendo o réu, mas obrigado mais uma vez, serei eternamente grato, realmente tudo tem seu tempo.

Nesse momento eles foram interrompidos pela secretária que trazia duas xícaras de café. Os dois agradeceram, beberam e o Dr. Roberto continuou:

— Então agora é bola para frente, vamos trabalhar.

Ferraz completou:

— Dr. Roberto Cruz, muito obrigado por me salvar da condenação, não sei o que seria de mim se fosse preso. Hoje acredito que tudo tem seu tempo realmente, e nesse momento termina o seu e começa o meu. O que corre agora nas suas veias é o mesmo que o Sr. Pedro Paiva bebeu naquela tarde triste. E mais um detalhe, por coincidência esta é a mesma xícara. Não precisa responder, sei que está ficando fraco. Obrigado por tudo.