Transformação

Minha mãe faz sinal para que eu fique quietinha, enquanto um sangue suga maldito está em seu pescoço, me escondi debaixo da cama, e observei eles matarem meus pais.

Ela me olha, implorando para que não saia dali, eles não haviam me visto, simplesmente entraram no meio da noite famintos por sangue.

Choro em silêncio, sentindo o gosto salgado de minhas próprias lágrimas. Mamãe havia fechado os olhos, sua face mais branca que a neve. Ele a esvaziara.

Papai ainda lutava, mas fraco caiu. O homem o rendeu e o secou diante de mim. Quando terminam sua refeição, vão embora, como se aquilo fosse algo comum, como se não tivessem acabado com três vidas, a de meus pais e a minha. Mas afinal eles não sentiam nada, seus corações a tempos não batiam, estavam mortos. Sem almas, criaturas da noite, aqueles eram demônios na terra.

Eu os odeio, mesmo agora crescida. Moro com minha tia e tio, cuidaram de mim como uma filha, mas ainda tenho pesadelos todas as noites. Que ele entram e destroem minha segunda família.

- Amber - minha tia chama.

Vou em sua direção, ela me entrega uma lista de ingredientes e pede que eu os compre para a janta, pego o dinheiro e me dirijo a feira.

As ruas estavam desertas, o sol já estava sumindo, vivíamos bem longe de onde todo mundo ficava, no meio dos matos, como costumava dizer.

Coloco o dinheiro no bolso e ando atenta, olhando em todas as direções.

- N-não... - escuto alguém murmurar.

Olho para os lados, e não encontro de onde vem a voz.

- tem alguém ai? - pergunto assustada.

Escuto mais gemidos, olho em direção as matas que estavam próximas a mim, vendo um corpo estirado e contorcido no chão. Me aproximo. Vendo um garoto que aparentava ter minha idade, gemendo de dor e sujo de sangue.

- o que aconteceu? - pergunto preocupada.

- vá embora - ele aconselha.

Ignoro por completo o que acabara de dizer. Me agacho, toco seu rosto, que estava completamente quente e suado.

- vá embora garota! - ele diz firme.

- quero te ajudar, e em suas condições não negaria ajuda.

- acabaram de levar tudo o que eu tinha, e ainda me deram uma surra, ainda podem está por aqui, vá embora antes que voltem. - ele diz, se contorcendo no chão.

Me aproximo ainda mais, e indico que segure meus braços.

- o que está fazendo? - ele indaga, com uma carranca no rosto.

- te ajudar, não vou te deixar machucado nesse fim de mundo. - respondo.

- eu poderia ser perigoso - diz, com uma expressão sombria no olhar.

O olho firmemente,analisando-o, sorrio e digo:

- sinceramente, você não assusta nem um inseto.

Ele revira os olhos, mas acaba rindo, se segura em meus braços e eu o ajudo a levantar. E vamos caminhando até minha casa, que não estava muito longe.

E enquanto se firmava em meus braços, conta-me alguns detalhes do que aconteceu.

Descobri que seu nome era Josh, tinha pele clara e cabelos escuros, um pouco compridos, o suficiente para cobrir seu pescoço. Tinha uma aparência terna e juvenil, era um garoto muito bonito.

Estava chegando de viagem, quando alguns marginais o pararam no meio da estrada, o agrediram e levaram tudo o que tinha.

- se minha tia permitir, você ficará em minha casa até ficar bom. - informo.

- eu não quero atrapalhar ninguém.

- e nem vai, fique quieto e aceite a ajuda. - digo mandona.

Ele sorrir, e parece sentir dor com este ato.

- pronto, chegamos. - informo.

Chamo minha tia, que se espanta ao ver o garoto machucado ao meu lado. Quando lhe explico a situação, ela me ajuda com ele. O deitamos em uma cama e ela busca alguns panos quentes.

- porque está fazendo isso? - ele indaga.

- você estava machucado, faria isso por qualquer um.

Ele sorrir, e percebo agora que ele tinha covinhas, que deixavam seu sorriso ainda mais lindo.

- você é uma garota curiosa Amber. - diz isso, olhando me fixamente.

Retribuo seu olhar e um clima tenso nasce entre nós. Quando minha tia chega, desvio meus olhos dos dele, me levanto e a ajudo com os panos e os remédios que trouxe.

- vocês não sabem como estou grato. - diz, docemente.

- me agradeça ficando bom e forte outra vez. - minha tia responde.

***

Já fazia uma semana que Josh estava em minha casa, mas ele não melhorava, a febre aumentara e ele não parava de suar, se recusava a comer e quando dormia, delirava. Certa vez, tentei enfiar comida em sua boca, mas ele colocará tudo para fora logo em seguida. Não sabíamos mais o que fazer, e ele se recusava a vinda de um médico.

- você tem que comer. - informo, pela milésima vez.

- não quero Amber. - diz, de olhos fechados.

Estávamos sozinhos, meu tio estava no trabalho e minha tia comprava mais remédios.

- se não comer, não vai ficar bom.

Ele fica calado, aperta os olhos com força e vejo uma lágrima solitária escorrer de seus olhos, pelo menos neste momento, ele não se contorcia de dor, mas sua temperatura continuava a mesma.

- porque você esta chorando? - pergunto preocupada.

- porque nada dá certo Amber. Nunca deu certo e nunca mais dará. - diz, ainda de olhos fechados e com a dor presente em cada uma das palavras que saiam de sua boca.

Me deito ao seu lado na cama, lhe dando um abraço apertado.

- nunca diga isso, nunca desista, não sei ao que você se refere, mas não perca a esperança.

Ele se vira, e fica de frente a mim, ambos deitados, olhando para o outro.

- gosto muito de você. - ele diz, descendo seus olhos aos meus lábios.

- também gosto muito de você.

Dirige sua mão ao meu rosto e desliza-a serenamente em minha bochecha. Me puxa ainda mais para perto e me abraça forte, encosto minha cabeça em seu peito e ficamos assim, ao que pareceram horas.

***

No dia seguinte, quando vou a procura de Josh, vejo-o bem melhor, como se tivesse encontrado uma cura milagrosa da noite para o dia. A febre havia indo embora e ele não mais sentia dor.

- o que aconteceu? - pergunto animada.

- acho que seu abraço me curou. - diz galanteador.

Sorrio e me jogo em seus braços, nos rimos e conversamos, seus olhos estavam mais vivos e ele não parecia faminto. conto lhe tudo sobre meu passado e ele escuta atentamente sem me interromper, no fim, diz que nunca permitiria que estes demônios se aproximem de mim ou de minha família.

Peço a minha tia que o deixe ficar mais alguns dias, até termos certeza que ele ia ficar bem. Ela vendo que eu tinha interesse no garoto, finge acreditar que era apenas por sua saúde e o deixa ficar. Dou pulinhos de alegria e a abraço. Amava minha tia.

Os dias vão passando, Josh ficava ainda melhor e mais próximo de mim. Sua presença me fazia tão bem que apenas de ver suas doces covinhas deixavam meu dia mais feliz.

Certa noite, enquanto andávamos de mãos dadas no jardim, ele me puxa e me beija, assim de surpresa, me deixando sem reação.

- o que foi isso? - pergunto, com um sorriso bobo nos lábios, sorriso esse que também se encontrava nos dele.

- um beijo - ele diz, e me puxa para mais um. - e esse foi outro beijo.

Sorrio, nunca achei que meu primeiro beijo seria assim sem um aviso prévio, achei menos ainda que iria gostar, mas eu gostei e como gostei.

- gosto muito de você Amber.

- gosto muito de você Josh.

Nos beijamos varias e várias vezes, sua lingua passeava em minha boca e suas mãos em minha cintura. Seus lábios se aproximam de meu pescoço, ele diz palavras carinhosas e deposita beijos ali. Derrepente sinto uma pequena dor.

- ai! - escapa de meus lábios.

Josh se afasta de mim e me olha em espanto, sua boca sangrava e meu pescoço doía.

- o que aconteceu? - pergunto confusa.

Levo minha mão ao pescoço, vendo a está suja de sangue. Não entendia o que estava acontecendo nem porque Josh estava estagnado sem emitir som algum.

Entro em casa e procuro um espelho, quando verifico meu pescoço vejo um pequeno furo nele, e dele um filete de sangue escorrer.

- me desculpa. - Josh diz, surgindo atrás de mim.

Não olho para trás.

- eu juro que não queria e nem quero te machucar, foi apenas um instinto maldito, mas eu posso controla-lo, eu prometo. - ele implora.

- por favor fala alguma coisa. - ele diz em meu ouvido, diante meu silêncio.

Coloca sua mão em meu ombro e tenta fazer com que eu olhe para ele. retiro sua mão e tento fazer com que meu cérebro processasse algo impossível. Quando crio coragem, o olho nos olhos.

- o que realmente aconteceu naquela estrada? - indago, sem nenhuma emoção na voz.

Ele me olha, implorando silenciosamente para que eu o entenda.

- fui mordido. - ele responde.

Tudo começa a fazer sentido, sua doença na verdade era a transformação.

- eu sei que você os odeia, mas eu não sou como eles. Não sou como os que mataram seus pais.

Olho-o com fúria e digo:

- não ouse falar de meus pais criatura imunda, saia da minha casa e da minha vida.

- Amber... - ele tenta dizer.

Tapo meus ouvidos e me escondo debaixo da cama, como fiz a muitos anos. Tinha de me proteger, mas não meu corpo ou minha alma, e sim meu coração, que insistia em amar algo que sempre odiei.

Cristinyy
Enviado por Cristinyy em 21/01/2017
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