Lua Cheia

Rosa estava inquieta, tinha a sensação de que algo aconteceria a qualquer momento, ligou o rádio, deu voltas entorno do quintal, verificou o telefone, premonição, talvez.

Passava duas horas após a notícia que seu irmão viajará a negócios para a cidade de Sorocaba, mas não era novidade, pois seu cargo é representação comercial de uma multinacional farmacêutica. Viagens eram rotineiras, todavia algo de peculiar havia neste dia.

Rosa sonhará que estava em um quarto verde, pequeno, quente e úmido. Ouvia vozes que lhe diziam: Pula, pula, pula. Acordou com o despertador, sentiu seu corpo aterrizando subitamente no colchão.

Preparou um chá de camomila, tomou o primeiro gole com um calmante, contudo até o horário do almoço, o remédio não havia surtido efeito, a sensação de que algo ruim, seria um presságio?

Resolveu correr no parque, assim acalmara a mente e cansara o corpo, entretanto o efeito do remédio começou e não conseguiu terminar de colocar a meia no seu pé e deitara no sofá, inspirou profundamente e dormiu.

O telefone toca e Rosa desperta ofegante:

“Alô? Sim é a Rosa, não obrigada”. Desligou o telefone, era de uma operadora de telefonia oferecendo planos.

Ligou a TV para distrair-se, porém seus dedos trabalhavam com a mesma velocidade que as batidas do seu coração, nada prendia a sua atenção.

Decidiu ligar para seu irmão, caixa postal, ligou para sua amiga Clarice, caixa postal e pela terceira tentativa para Lourdes, sua vizinha e caixa postal. Desistiu das ligações.

Foi para o quarto, sentou-se á beira da cama, olhou para o criado-mudo, abriu a gaveta e pegou a Bíblia, abriu e na página marcada estava o Salmo 23, atentou-se na frase grifada:

O Senhor é meu Pastor e nada me faltará

Refletiu na palavra “faltará”, concluiu que a sensação que permeava durante aquele dia era a ausência de algo, um vazio, após alguns minutos de concentração neste sentimento, percebeu o que faltara-lhe era sua alma! Em um grito apavorante, soltou: “Onde está a minha alma?” Aterrorizada correu para a sala, pegou o telefone e discou apressadamente o número do seu irmão, porém, caixa postal.

Caiu em prantos, chorava, soluçava, seu desespero era tão forte que caiu no chão, percebeu uma luz irradiando, preenchendo todo o ambiente que cegou-lhe.

João chegou em casa, tirou o paletó, a calça e fora direto para o banheiro, ligou o chuveiro, sentia que as gotas da água se misturaram com as lágrimas de seu olho. Acabará de chegar do velório de irmã, não se conformava que uma mulher tão jovem pudesse tirar sua vida.

Sentia-se culpado, pois a única pessoa que amará realmente era Rosa. Lembrava do seu cheiro, seus cabelos, seu gosto.

Atordoado com as palavras que ecoavam em sua mente, a carta de Rosa que encontrará em cima do criado-mudo:

Sinto o ar, o vento, a brisa, o sopro. Sou um canal de sensações, tato, olfato e paladar.

O gosto da saliva dele é como um gole de suco de uva com doce de leite, que prazer.

O pescoço, sua nuca, o seu perfume natural.

Quero lamber-te inteiro, unir-me ao teu corpo até formarmos um só, que delírio, palavras com sensações, me leve, me traga para dentro de mim.

Divino devo ser só sua? Será que é o mesmo prazer que você sente quando inspiro o seu ar?

O vento que se espalha, não sabe onde inicia-se e para que lado irá, toca em meus cabelos, minha nuca.

Que inveja, pois tu podes sentir todas as nuances das nucas dos seres humanos, onipresente, onisciente e onipotente.

A gostosura de viver, o amor de Deus nos faz respirar. Prazer ao ouvir um som, a audição que envolve os cantos dos pássaros, os galhos do coqueiro, balançar das folhas.

A visão, como és bela as cores do entardecer.