O Brilho Morto das Estrelas

O vento era tão frio que parecia ser soprado pelas asas de um corvo cujas plumas cobriam o céu da noite.

As asas ERAM a noite.

Lá em cima, as estrelas gritavam em seu último suspiro gélido antes do fim do mundo. E, mesmo depois de mortas, continuariam a mandar seu brilho morto para a terra, numa triste e bela esperança de serem lembradas.

E o rapaz corria no labirinto, com uma mão no rosto. Ele estava segurando o rosto. Para que não caísse.

Seu rosto estava se desprendendo da carne, e ele não podia soltá-lo.

No labirinto, algo o perseguia, algo que ele tinha certeza de que era muito lento, mas que conseguia inexplicavelmente acompanhar a sua fuga desesperada, dobrando a cada curva que ele fazia, mordendo seu calcanhar.

E o rosto do rapaz caia. Sempre que olhava para trás, o rosto escorregava de seus dedos trêmulos e por pouco não caia no chão. Enfiou os dedos nos buracos dos olhos para segurar melhor.

A coisa que o seguia não emitia som algum, exceto por um repentino grito de choro que saia de sua garganta em intervalos irregulares de tempo. E a cada grito desses o rapaz sentia uma faca de gelo rasgando-lhe a espinha de cima a baixo.

O labirinto era de cerca viva. Com todos os tipos de vida. Plantas, animais e pessoas compunham as paredes do labirinto.

Ele não sabia como chegara ali, mas sabia que tinha que chegar ao centro do labirinto. Sempre era assim nos filmes. Em sua mente, se não fizesse isso, morreria, e as estrelas guiariam o seu caminho sem volta.

Grito.

Aquilo gritou, ou chorou alto, um som que fazia até mesmo as sombras da noite se encolherem. Fazia as pessoas vivas na cerca viva chorarem.

Aquilo gritou, e foi só. Nenhum som de passos corridos, nem respiração ofegante, somente a sua silenciosa presença. O silêncio após um grito daqueles era mais assustador do que muita coisa.

O rapaz nem conseguia retorcer o rosto para expressar seu medo. Ele já estava praticamente solto da carne, preso apenas por uma fina pele na ponta do queixo. As lágrimas do rapaz eram da cor de fogo, e queimavam seus olhos.

De repente, pela primeira vez, o rapaz ouviu uma voz que parecia vir da cerca viva. Uma voz feminina.

O rapaz segui a voz, que vinha do outro lado da cerca. A voz era terrivelmente familiar.

Ele chegou lá, e viu de quem era a voz.

-Meu bebê... Meu menino.-disse a voz- Deixe. Você está tão lindo. Deixe seu rosto, eu sempre odiei o seu rosto. Você está tão lindo.

E chorou. Secou as lágrimas com seus longos cabelos vermelhos. E, depois, disse:

-Meu bebê... Meu menino. Eu sempre vou te odiar.

Sem ter tempo para quaisquer reações, o rapaz sentiu uma mão gelada em seu ombro. Ele sabia que era aquilo, e tentou fugir.

Sua mãe segurava seu braço com a força de uma raiz.

Aquilo gritou. O rapaz não queria olhar para trás.

A mãe gritou, muito alto e sorrindo:

-Olhe para ele!!!

Mas não foi preciso. Aquilo se moveu para a sua frente, e o rapaz finalmente viu.

Aquilo era sem forma. Tinha a forma de um pesadelo.

No lugar do rosto daquilo havia um espelho.

Ao olhar para ele, o rapaz ficou paralisado. Soltou o rosto, que escorregou lentamente, e demorou mais do que o normal para tocar o chão, caindo como uma folha solitária de outono.

O corpo do rapaz se dissolveu e se misturou à terra, seu cheiro se misturou à música do ar gélido da noite. Somente o rosto restara, inteiro, como uma triste e bela esperança de ser lembrado.

O brilho morto das estrelas.

Aquilo pegou o rosto e o vestiu. Deixou que o vento secasse as lágrimas vermelhas do rapaz.

Aquilo começou a andar pelo labirinto, agora com medo. Algo muito lento o perseguia.

Ele fugiu, segurando o rosto, o vento açoitando a pele com força.

O vento era tão frio que parecia ser soprado pelas asas de um corvo cujas plumas cobriam o céu da noite.

Lucas Montenegro

Lumontes (Lucas Montenegro)
Enviado por Lumontes (Lucas Montenegro) em 02/11/2016
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