O céu de Carlos

Amanhece mais um dia. Na orla da praia, o sol volta raiar. Rasgando as nuvens com sua luz, o sol translucida os ares da poluída cidade que, tomam para si uma cor. Colorido como a paleta de cores de Picasso.

Me chamo Carlos. Tenho 10 anos.

Visto minha calça jeans desbotada, minha camiseta listrada, minha bota esfolada e minha boina remendada, dou um beijo em minha mãe Cilene, e partindo vou. Puxando as lonas que, erroneamente, imitam uma porta, saio para fora de minha casa. O dia está maravilhoso. Como de costume, uma pequena erosão no asfalto cria uma poça de água. Me aproveitando dela, ali lavo meu rosto, minhas mãos, meus pés e molho meus cabelos. Seguindo adiante da movimentada rua, encontro uma senhora que, aparentemente, era muito rica. Hora de começar os negócios.

- A senhorita teria 1 real para ajudar um jovem rapaz? – digo, como de praxe.

- Vá trabalhar, seu cara de pau! – diz a senhora, como de praxe.

Acostumado com a situação, sigo andando pela rua esburacada.

Pedindo de pedestre em pedestre, carro em carro, olhar em olhar, consigo o meu ganha pão diário que, por menor que seja, ainda consegue cobrir o buraco de nossos dentes. Pelo menos, por enquanto.

São 13:01. Estou exatamente 1 minuto atrasado para o início do conserto musical que meu amigo Charles faz diariamente na Avenida Sapopemba. Sentado em uma caixa de feira, ali me acomodo para ouvir clássicos como Tempo Perdido, Ideologia, Monte Castelo e Faroeste Caboclo.

Depois do espetáculo, volto para a casa. Chegando, percebo que minha mãe estava disposta, revigorada e com seu olhar brilhante e penetrante, ela me abraça com os olhos, de cima a baixo. Ela acabara de ganhar duas marmitas. Nosso dia estava ganho. Ela estava linda, com sua pele mulata, seus cabelos encaracolados, seus lábios carnudos, seu nariz achatado. Na falta de meu pai, uma leve gota de lágrima rolava sobre sua pele, entregando a sua fragilidade.

Sobre meu pai, ninguém sabe o paradeiro dele. Quando eu ainda era um bebê, ele desapareceu. Durante uma noite fria e densa, ele sumiu em meio a névoa. Eu nunca o vi.

Depois do delicioso almoço que conseguimos, chacoalho a terra e areia de minhas botas, e sigo a rotina. O tempo não para e, muito menos, perdoa.

Sem minha mãe saber – pois elas não queria que eu me envolvesse com isso – parto para o bar do Sr. Antunes, um antigo amigo de meu pai. Lá, o Sr. Antunes guarda todas recordações de meu pai, impressas em papel, ou gravadas na memória. Sentado na rústica cadeira, ouço as diversas histórias hilárias sobre ele, e tento imaginar como era seu rosto. Sr. Antunes guarda com clareza os momentos em que eles viveram juntos. Ele diz que meu pai era um homem viril, robusto, mulato, porém, debaixo de tanta masculinidade, havia um coração tão grande quanto o universo. No bar do Sr. Antunes, são um dos poucos momentos que ainda me alegro.

Depois de muito prosear, sigo para a minha procura diária. Vou procurar meu pai.

De rua em rua, viela em viela, beco em beco, procurando-o vou.

Sem sucesso.

Depois de algumas horas, percebo que já está tarde, e tenho que voltar para casa antes que minha mãe se desespere. Dando meia volta, retrocedo meu caminho. Pelas ruas escuras e desertas da cidade, caminhando vou. Comtemplando a imensidão do vazio, olho para o céu estrelado. Ensurdecendo-me com o silêncio, ouço a sinfonia reproduzida pelos meus pensamentos. Fechando os olhos, admiro as pinturas que minhas pupilas fizera e, por alguns segundos, fico em paz. Como queria te encontrar, papai.

Me deparo com uma rua estranha. Eu nunca passara por ali. Em meio do silêncio, um alto e irritante ronco de motor, aos poucos vem se aproximando. Cortando a escuridão e o silêncio da noite, um carro desgovernado em minha direção vem. Paraliso-me. Moendo minhas costelas, o para-choque do carro se encontra ao meu corpo. Como namorados em seu beijo de despedida, o carro açoita meu corpo. Sinto minha alma ausentando-se de mim.

Aos poucos, vou caindo. Durante a queda, tento arduamente imaginar o rosto de meu pai, para aproveitar os poucos segundos que ainda me restam de vida. Colido com o áspero solo que estivera sob meus pés. Esvaziando-me de meu sangue, afogando-me em angústia e desespero, ali morro, mas porém, realizei meu sonho, encontrei meu pai.

Por: Lucas Gabriel Fernandes