A PISCINA

Otto parou a caminhonete na entrada lateral da chacara; veio apressado assim que recebeu a ligação da cunhada. Passando pelo acesso que dá para os fundos da casa não pode deixar de observar a piscina como incólume testemunha e palco do que poderia ter sido outra tragédia.

Quando ouviu o barulho do carro rangendo na estrada de cascalho, Isadora saiu da casa indo de encontro do filho:

_Você viu o que essa mulher fez? Dessa vez ela passou de todos os limites.

_Agora, não! – disse ele desvencilhando-se da mulher e entrando na casa.

Ela seguiu o homem e continuou:

_Mas meu filho! Essa mulher... Eu sempre disse pra você se separar. Ela não é pra você.

_Mãe! Por favor! Chega! Ele estava farto das implicâncias da mãe com a nora. Sabia que ela nunca perdoou Luna pelo ocorrido há quatro anos.

Isadora deu-se por vencida. Era inútil argumentar. Otto estava nervoso.

Entrou no quarto. A esposa estava sentada na poltrona que outrora era usada para a amamentação. Percebeu atônito que ela vestia um roupão e seus cabelos ainda úmidos evidenciavam que tudo aquilo que tinha ouvido ao telefone era realmente verdade. Depois notou a presença da cunhada também no quarto. Está trajava um moletom cinza que pertencia a Luna.

Clara fez menção de sair do quarto, ciente de que a irmã e o cunhado precisavam conversar. Passou pelo homem e falou que "qualquer coisa estaria no quarto da sobrinha”. Ao sair pousou a mão sobre o ombro do cunhado e esse gesto deixou subentendido tudo o que não precisava ser dito: “Seja complacente”, “Vá com calma”, “Minha irmã não fez por mal”.

Assim que se viu a sós com a esposa, Otto começou a andar de um lado a outro no pequeno aposento. Não sabia o que dizer. Depois de longo e pesado silencio parou seu corpanzil diante da esposa, coçou a espessa barba como costuma fazer quando está acanhado. Falou apenas:

_Luna, por quê?

A mulher de cabeça baixa continuou calada. Como explicar o inexplicável? Ela própria não entendia direito o que tinha acontecido . Ficou em silencio.

O marido ajoelhou-se diante dela e declarou a sua impotência:

_ Luna, pelo amor de Deus! Diga porque você não está feliz. Eu faço tudo o que posso por nós três, mas não posso lutar contra um inimigo que não conheço. Eu preciso entender: Porque você está tão infeliz?

_ Otto, eu não posso – nesse instante ela começou a chorar.

Ele sabia o que ela queria dizer. Por mais que fizesse a culpa sempre foi um peso na relação do casal. A esposa não se achava no direito de ser feliz, mesmo depois de quatro anos e de praticamente refazer a vida.

Embora a gravidez não tivesse sido planejada, pois a esposa dizia não querer mais ter filhos, quando souberam da gravidez Otto acreditou que tudo voltaria a ficar bem. Durante toda a gestação Luna teve um humor instável. Ele imaginou que era parte de uma fase e que logo ela se adaptaria. A situação piorou quando ela saiu do emprego. Passou a se queixar de que era uma gorda inútil que não tinha controle sobre a própria vida e a dizer que não tinha aptidão para ser mãe.

Branca nasceu prematura e houve uma melhora passageira na situação, a esposa passou a dedicar-se à bebê e parecia realizada com a maternidade. Em dois meses começaram as mudanças. Primeiro pequenas negligências; em seguida queixas de cansaço, insônia, choros frequentes sem causa especifica, perda de peso, da vaidade, dos cuidados com a casa. Foi quando Otto colocou a mãe para ajudar a esposa, mesmo sabendo que elas não se davam bem. Precisava fazer algo, mas ele não tinha condições de deixar o emprego pra assumir essa tarefa. Nesse período Luna parou de amamentar a bebê, disse que o leite secou.

Segundo Clara, que é médica, tudo indicava um aparente quadro de depressão pós-parto. Já tinham marcado consulta com o especialista para avaliar a esposa. O auge da depressão foi aquele dia. Nunca imaginou que Luna seria capaz de fazer mal a própria filha. Estava enganado.

O homem secou as lagrimas do rosto da esposa, pousou a mão em sua face e pediu:

_ Explica o que aconteceu aqui hoje.

_Não adianta você não vai acreditar – ela falou com a voz cansada.

_Pelo menos tenta – ele insistiu.

Luna começou a falar quase num sussurro:

_Eu estava no quarto trocando a fralda da menina... - a mulher fez uma longa pausa.

O marido percebeu que ela sempre se referia à bebê como “a menina”, nunca como “minha/nossa filha”

_A nossa filha, Otto. Ela estava lá fora, na piscina, me chamando.

_Querida, é impossível. Você deve ter tido outro pesadelo.

_Não amor, era ela. Eu estava acordada. Eu ouvi.

O marido tentou novamente dissuadi-la:

_Amor, presta atenção! Você se confundiu...

Nesse momento a mulher se levantou da poltrona. Ela tinha certeza do que ouviu, falou com veemência:

_Otto, eu sei o que ouvi. Você acha que eu estou louca? Era a minha filha.

_Luna, para! A nossa filha está morta – o homem falou com firmeza.

Continuou:

_Você precisar aceitar isso. Você não teve culpa. Foi um acidente. Deus quis assim...

A mulher meio confusa, falou:

_Mas eu ouvi. Solar estava na piscina chamando por mim. Ela queria conhecer a irmã. Eu precisava salva-la. Ela precisava de mim...

Depois dessas palavras Luna explodiu num choro convulsivo. O marido se aproximou e a abraçou. A mulher disse entre soluços:

_Deus não pode ser tão cruel. Ele não pode querer me punir. Eu amava a nossa filha...

Nada mais precisava ser dito. Otto compreendeu. A esposa teve uma alucinação e num momento de confusão mental pulou na piscina com Branca no colo. Na ânsia para salvar a filha imaginaria colocou em risco a filha real. Luna jamais se perdoou pelo acidente. No passado, devido ao descuido de alguns minutos a pequena Solar, de 3 anos, caiu na piscina e se afogou.

Otto percebeu agora a sua insensibilidade ou simples negligencia por não se desfazer da piscina e continuar morando na mesma casa. Certamente era demais para a esposa, especialmente agora que tinham outra filha. Ele nem queria imaginar o que poderia ter acontecido se Clara, sua cunhada, não tivesse a intuição e passado ali na hora do almoço para ver a irmã e por instinto ter se atirado na piscina assim que percebeu o que estava acontecendo.

Depois soube através de conversas com o psiquiatra que o quadro de depressão de Luna tinha evoluído para uma psicose pós-parto. Ela foi encaminhada para uma clinica e iniciado tratamento.

Ao marido resta a esperança de que no futuro próximo poderão finalmente ser uma família feliz.