Poente

Silenciei-me ao ver o pôr do sol por trás dos prédios altos. Muito, mas muito longe do litoral vadio e assombroso.

No meu quarto, apenas o resto podre de uma vidinha vazia e cheia de lembranças babacas daqueles que um dia me chamaram de amigo.

Voltei meu olhar ao crepúsculo cor de brasa enferrujando o céu azul acetinado daquela tarde.

Ela ainda cisma em rodear meus pensamentos em busca de um porquê; — tantas explicações para dar, tantos puxões de orelha —, surgimentos e renascimentos dentro de mim. Pura balela! Não iria dar certo mesmo. Se bem que... Não! Não iria dar certo mesmo. O pior é o gosto da língua macia, cheia de lascívia, ainda aparecendo de vez em quando dentro da minha boca, transformando o que resta de mim em um maníaco, um ser descomunal em busca de prazer comigo mesmo. Por isso continuo aqui sozinho: nada me falta.

Ontem, fui te visitar. Estava colhendo os primeiros frutos de todas aquelas videiras que cresciam sobre ti. E não é que o fruto estava doce?! Talvez o amargor da tua alma já tivesse sido consumido por todos aqueles seres microscópicos dos quais havia falado no dia em que tudo escureceu.

Foi muito bom ter a satisfação de ver a última lágrima escorrendo do teu olho esquerdo. Ela se tornou prateada quando entrou em contato com o silver tape preso em tua boca para abafar os gritos.

Por que gritavas? Eu não disse que não te faria mal? Mas tu sempre com teus não me toques, tuas desconfianças sobre minha pessoa!

Agora estou aqui, sozinho novamente, ouvindo os ruídos desta cidade imunda onde vivo, tentando encontrar algum tipo de sentido nessa minha vidinha de homem de meia-idade cheio de saúde. Puta que pariu! Será que essa tal saúde nunca vai me abandonar?

A noite começou a cair. Tu poderias estar aqui comigo agora vendo esta maravilha da natureza, a única que a cidade grande ainda não conseguiu usurpar de minha vida.

Vou até à mesa de cabeceira. Abro com muita dificuldade a gaveta emperrada. Lá dentro está a sobra de nossas vidas. Aquele anel de compromissos que eu te dei. Lembras? Acredito que não.

Tu nunca gostastes daquela porra de anel démodé. Custou-me os olhos da cara, mas, para ti, importava apenas ter algo para mostrar a tuas amigas invejosas, essas aspirantes de meretrizes que vendiam seus corpos ao primeiro vagabundo que lhes ofereciam uma carona barata.

Tu, não! Pois sempre fostes a melhor. Talvez por isso eu ainda a tenha aqui, bem pertinho de minhas vistas. Bem próxima ao meu corpo. E se eu sentir saudades...?

Minha geladeira está repleta de uvas doces. As mesmas uvas que cismam em aparecer naqueles troncos retorcidos com galhos flexíveis bem acima de você, ali no quintal.

É bom ouvir o estalar do fruto desprendendo-se do caule entre meus dedos e colocar a pequena esfera verde nos lábios; sentir a textura de sua fina casca rompendo-se entre meus dentes e saber que o que restou de ti foi apenas a doçura que um dia me deras.

Agora isso vai ficar para sempre. Até que a minha morte nos separe.

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Paulo Costa Lima
Enviado por Paulo Costa Lima em 22/09/2016
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