As Sombras e o novo Amigo
Uma história com final parcialmente feliz em dois capítulos...
AS SOMBRAS
As coisas não iam bem...alias...nunca foram bem.
Desde muito cedo ele aprendeu que se resignar aos caprichos de seu desafortunado destino não era simplesmente uma opção.
Seu trabalho e sua vida miserável subjulgavam o homem que ele tinha sido um dia...um homem doce e sonhador.
Não era fácil se conformar com a condição de perdedor...e o que esperar da vida após os 50 anos???
Era um sujeito de poucas palavras, nenhum sorriso e um olhar profundo e amargo sob olhos de urso panda manchados de noites e mais noites mal dormidas.
E sempre, naqueles instantes antes de adormecer , ao abrir lentamente os olhos ainda no escuro de seu quarto para pensar na própria vida ....ele via algumas sombras negras sobrevoando o teto .
E não eram coisas da sua imaginação..eram sombras mesmo...e circulavam o espaço do seu quarto sem uma aproximação mais enfática,as sombras o cercavam .
Ele não chegava a ouvir vozes ou sons, ele só via aquelas coisas e sentia a presença lúgubre do mal , porém achava aquilo normal considerando a vida infausta que levava.
“Ele” estava ali...a “coisa ruim”....e misturava-se com as sombras que o seu ventilador de teto estragado tambem fazia nas paredes encardidas do quarto...
Ele se tornara um cara taciturno ....sem emoções.
Sua vida nunca fora um mar de rosas....ele lutava incansavelmente contra monstros rotineiros e irreais....e quando finalmente pensava ter abatido um...surgiam outros tantos no lugar daquele...e até as coisas mais ordinarias tomavam proporções assustadoramente grandes...
Acordar sozinho e sozinho ir dormir...pensava...mas ele sabia que não estava sozinho, era ele e as sombras no seu quarto.
Nenhum dia amanhecia bonito para esse homem, seu era café requentado..seu pão endurecido e seco eram sempre o prenuncio fadigoso do seu dia...
Caminhava anônimo no meio da multidão também anônima...e tinha medo...medo do olhar das pessoas....medo de ver a felicidade no rosto das pessoas...
O NOVO AMIGO
Numa manhã de chuva calçou seu único par de sapatos, vestiu suas roupas surradas e amassadas ,bebeu em pé seu café morno e saiu...
Caminhava tão lentamente rumo ao trabalho e era tudo tão calmo naquela hora que ele conseguia ouvir o barulho dos respingos da chuva nas possas dágua onde passava.
O céu ainda cinza chumbo daquela madrugada chuvosa o escondia e assim ele se sentia um pouco mais confiante nos seus passos,e por alguns instantes ele conseguia se sentir bem...
Atento, ouviu um barulho diferente vindo de dentro de uma caixa de papelão molhada pela chuva. Aproximou-se desconfiado e com a ponta dos dedos abriu uma das partes que fechavam parcialmente aquela caixa de papelão.
Era um filhote...animalzinho abandonado e jogado ao seu próprio destino...que sacudiu a ainda minúscula cola ao ver aquele homem fita-lo friamente nos olhos...
Um pouco de ternura envolveu a cena....e um sentimento de emoção que há muito não sentia tomou conta do seu gélido coração...tomou o filhote nas mãos e sorriu...finalmente sorriu.
Apressado , voltou até sua casa com o filhote...acomodou-o e aquilo tudo parecia perfeito....
O dia já não se tornara tão feio apesar da chuva que insistia em cair...e num único dia ele já não pensava em nada....ele pensava somente no pequeno cão...distraia-se enquanto trabalhava e o trabalho naquele dia nem lhe parecia pesar.
Pensava em como a vida poderia ser tão generosa com um cara tão desmerecedor..tão frio...tão ruim.
Ele não via a hora de chegar em casa e preparar algo bem especial...
Aquele filhotinho, pensou, ia ficar delicioso com as sobras do jantar do dia anterior .