30 Dias
Era uma segunda comum para todos, não para Felipe, que adentra na sala de aula e grita eufórico:
– EU VOU FAZER AS COISAS MAIS LOUCAS DENTRO DE TRINTA DIAS, QUEM TA DENTRO?
A sala assustada mediante sua ação, nada responde, Felipe sempre foi um aluno comportado, que ficava na sua, junto com Lívia e Tomás, seus melhores amigos.
Eles mesmos não sabiam o porque de Felipe está agindo assim.
– Ue, cadê as pessoas corajosas dessa sala? – ele diz arrogante, incitando os alunos a entrarem em sua doidera.
O primeiro a levantar a mão foi Lucas, o bagunceiro, e junto a ele toda sua turminha.
– e o que você pretende fazer? Seu nerd! – ele debocha.
– o tipo de coisa que você vive dizendo que vai fazer e não faz, porque é assim que você é, ladra mas não morde! – Felipe retruca.
O que está acontecendo com ele, sera que ele quer morrer?, seus amigos pensam.
Lucas nada responde, apenas passa a ver Felipe com outros olhos.
Felipe passa a sentar com Lucas e sua turma, lado contrário no qual ele sempre fica.
DIA 1
Vai dá tudo certo, já dei o primeiro passo, por mais difícil que seja, me afastei de meus melhores amigos.
Me infiltrei na gangue de Lucas, sempre os detestei, mas isso é necessário, por mais que tenha que agir como eles, como um babaca,
só assim para me aceitarem em seu grupinho de merda.
Agora eu vou fazer coisas que nunca fiz, antes que seja tarde demais.
DIA 2
Lívia e Tomás tentam falar comigo desde ontem, desde o momento que anunciei meu convite em sala de aula.
Os evitei, fugi, mas não sei por quanto tempo vou conseguir.
Quando a aula termina aquele dia, não vou para casa como sempre, vou para uma festa.
Chegando lá, com a companhia da pequena gangue, ouvimos os gritos eufóricos das pessoas que dançavam lá dentro.
Quando estávamos prestes a entrar, Lucas me segura pelo pulso e diz:
– sua mãe não vai se importar se o bebê não chegar em casa antes da meia noite? – ele tenta me afetar.
– não – respondo rispidamente, puxo meu braço de seu aperto e passo na sua frente.
Pago o valor devido para o segurança e entro deixando-os para trás.
Estava quase tudo escuro, iluminado apenas por um globo que refletia as mais variadas luzes na multidão, era caótico tudo aquilo, diferente de tudo que ele fazia em sua rotina diária, mas era bom, pois era diferente e era isso que ele precisava.
Ele então examina mais a fundo aquele ambiente, além da multidão dançante que era composta por uma mistura de estilos, haviam os que ficavam sozinhos nos bares bebendo, fumando, chorando, havia todo tipo de coisa ali, desde drogas a sexo barato.
Se a uma semana seus pais descobrissem que ele estava nesse tipo de ambiente, o matariam, o enterrariam vivo, mas agora nada mais importava, só aqueles trinta dias.
Sento na cadeira de um bar e peço uma bebida, tenho apenas dezessete anos, mas aqui dentro a lei não importa, apenas o dinheiro.
A garçonete me joga uma piscadela e passa a mão pelos cabelos, ela devia fazer esse tipo de charme para todos, Penso.
Minha bebida chega, e tomo de um só gole, peço mais, tomo, peço outra e então outra e outra.
Fico tão bêbado que tudo passou a ficar embaçado, os objetos dançavam em minha visão, em algum momento vejo Lucas se agarrando com uma garota, ele passa por mim e rir, estava tão bêbado que tudo pareceu engraçado, rio que nem um louco e peço mais outra bebida.
Sinto braços agarrando meus braços e então apago.
DIA 3
Onde diabos eu estou?
Olho para os lados atordoado e sinto algo quente ser derramando sobre mim...urina.
– vejo que o bebezão acordou – Lucas zomba e fecha o zíper de sua calça.
– seu filho da...
Meu xingamento é interrompido, pois Lívia surge e diz:
– ele entrou em contato comigo, você estava muito bêbado.
– porque você deixou ele fazer isso então? – digo, me referindo a urina.
– você mereceu – ela diz me fuzilando com o olhar.
Talvez ela tivesse razão, mas eu tinha um bom motivo para evita-los, eu sei que tinha.
Olho-a, Lívia era minha melhor amiga, amava-a como tal, Tomás que era apaixonado por ela, mas nunca teve coragem de assumir, eu sempre prometi a mim mesmo que ainda daria um empurrãozinho em sua relação inexistente, mas agora eu temia não ter tempo para isso.
– você não vai nem ao menos pedir desculpas? – ela diz um tanto frustrada perante meu silêncio.
Aceno que não, pois era mais fácil ela ter raiva de mim, me odiar.
Ela me olha uma última vez e diz friamente:
– é bom saber o quanto nossa amizade significa pra você.
Então se retira, deixando- me deitado em um chão desconhecido, coberto de urina e com a companhia de Lucas.
– Cara, você é tão babaca. – Lucas diz entre risos.
Se alguém como ele estava dizendo isso, eu estava fazendo um bom trabalho.
DIA 15
Noites regadas a bebida, fumo e corridas em alta velocidade.
Estava agindo como um típico adolescente, minha companhia continuava a mesma, Lucas e sua gangue.
Ao menos eles conheciam bons lugares.
Aquele noite seria algo mais pacífico, iriamos a um parque.
Entramos então no carro de Juca, o mais velho, que repetirá quatro vezes o terceiro ano.
Os cinco já colocados em seus devidos assentos, as rodas então disparam em alta velocidade.
– o que você sente quando ele faz isso?, Eu sinto que posso morrer a qualquer momento. – um deles pergunta a mim.
– eu sinto que se eu morresse assim seria mais fácil.
– como assim? – ele pergunta confuso.
– um acidente de carro poderia ser fatal, rápido, seria uma boa morte.
Ele me olha estranho como se eu fosse um louco, e talvez ele tivesse razão, vira o rosto e passa a conversar com o cara ao lado.
Olho então pela janela, pelos edifícios que passavam rapidamente devido a velocidade do carro.
Tantas pessoas, cada uma com seus problemas, cada uma vivendo seus trinta dias como se fossem apenas mais um mês, para mim esse era essencial, seria o último.
DIA 20
Estava exausto da noite de ontem, a combinação de duas garotas e um cara poderia ser dita como um sonho, mas também altamente cansativa.
Encosto minha cabeça na mochila sobre a mesa da sala de aula e acabo adormecendo.
– Felipe De Sousa. – alguém me chama.
Decido continuar dormindo.
– FELIPE – alguém grita.
Levanto minha cabeça em disparada e vejo nada mais nada menos que uma sala vazia, e os olhos esbugalhados do professor a me encarar.
– o que aconteceu? – digo um tanto desorientado.
– o sinal já tocou, os alunos já foram embora pra suas casas e você tem baba escorrendo de sua boca – ele diz bruscamente.
Esfrego a blusa em minha boca, pego minha mochila e me direciono a saída.
– Espere – o professor André diz.
Viro-me e fico de frente a ele.
– você está diferente – ele comenta.
– me dizem isso todo dia – digo e me volto a saída.
– as vezes não conseguimos desabafar com a família, nem mesmo com nossos amigos, por acharem que eles não vão entender, mas eu sou uma pessoa de fora, se quiser falar eu vou está aqui, para escutar e não julgar.
Admiro seu gesto, ele fez algo que nem mesmo minha família se prontificou a fazer.
Viro-me novamente para ele e faço um gesto que não fazia a dias, desde o dia que descobri... Eu sorrio.
DIA 25
Só faltavam cinco dias para o fim, quando o sinal soa, Lucas nos avisa que hoje não irá a lugar algum, pois não se sentia bem, acho estranho, ele parecia uma maquina de bebida ambulante, mas aproveito essa oportunidade para um descanso também, as ressacas diárias não me faziam bem, mas tudo bem, logo não teria importância.
Na saída, vejo Lívia e Tomás, eles me encaram e eu não consigo evitar, não tiro os olhos deles, meus melhores amigos, ainda os considerava assim, é obvio, mas duvidava que eles tivessem o mesmo pensamento, e eu não poderia julga-los, dei todos os motivos para terem tal opinião.
Desvio o olhar, e sigo em frente, escuto então passos, e uma mão tão conhecida segurar meus ombros bruscamente, ele me vira e me olha fixamente.
– porque está fazendo isso? – Tomás pergunta com o semblante confuso.
Nada respondo, me solto de seus braços e tento seguir meu caminho.
– PARE DE AGIR COMO O BABACA QUE SEMPRE JULGOU – ele eleva a voz entristecido.
– não posso... – é tudo que digo, ainda de costas para ele.
– tudo estava normal em uma semana e na outra você se tornou ISSO – ele solta a última palavra como um veneno.
– apenas me esqueçam. – digo.
O silêncio reina depois dessas palavras, penso que ele desistiu, então sigo meu caminho.
– seja lá o que você estiver escondendo, eu vou descobrir.
Acho que essas seriam as últimas palavras que ouviria de meu amigo, pois não pretendia ir para escola nos dias restantes.
DIA 28
– falta só dois dias pra farra acabar – Lucas comenta me deixando em casa aquela noite.
Por mais que eu deteste admitir, ele ficou menos detestável com a convivência.
– sim... – digo, evasivamente.
– como você acha que será depois que acabar os trinta dias? – Lucas pergunta reflexivo.
– pra você eu não sei, mas pra mim haverá morte.
Lucas rir como se eu tivesse feito uma piada, bem que eu gostaria que fosse.
DIA 29
Penúltimo dia, o que se fazer no penúltimo dia de sua vida?
Acho que quando não sabemos que sua morte será no dia seguinte, vivemos como se ele fosse qualquer outro.
E quando se pergunta: e se... Você descobrisse que o último dia da sua vida seria amanhã, o que você faria?
Todos respondemos: faria coisas que não faria no normal, ou... Passaria o resto do meu tempo com quem amo.
Comigo foi diferente, eu tive um mês... Mas especificamente, trinta últimos dias de vida.
Fui diagnosticado com uma doença terminal, os médicos falaram que podiam me internar e aumentar as chances de minha vida de um mês para talvez dois, mas eu me recusei, disse para todos que não passaria os últimos dias de minha vida enfiado em um hospital.
E foi assim que venho vivendo, experimentando o que achei que nunca ia fazer, e me distanciando das pessoas que amo para que elas não sofram quando eu partir.
ÚLTIMO DIA
Viva cada dia como se fosse o último...
Esse na verdade era, meus pais ainda não sabiam de minha decisão, eles ainda tinham esperanças que eu resolvesse me internar.
Mas não, eu não esperaria a morte bater em minha porta, eu bateria na dela.
No trigésimo dia, eu me jogaria de um prédio como naqueles filmes clichés.
Sem despedidas, sem dor, uma morte rápida e espero indolor.
***
– Alô? – falo atendendo a um numero desconhecido.
– Quem é? – pergunto, quando ninguém responde e eu escuto apenas chiados.
Desligo, não havia tempo para isso.
Subo o elevador de um renomado e alto prédio, o seu topo era muito usado por turistas que queriam conhecer a cidade do alto, já lá em cima vejo apenas um casal aos amassos, iria espera-los sair, não queria estragar a noite de ninguém.
Me encosto na beirada e observo a bela cidade que seria palco de minha morte.
Mesmo tendo um mês para me acostumar a idéia, tudo ainda parecia complexo.
O que aconteceria depois? O que iriam pensar de mim?
Escuto passos de mais pessoas chegando, viro-me e vejo duas pessoas encapuzadas.
O casal se retira, e eu penso: será agora?
Penso em minha família, em meus amigos e quando reflito, até considero Lucas um.
Então subo na beirada que protegia as pessoas de possíveis acidentes e me equilibro, não sei o que os encapuzados iam pensar, não me importo afinal, coloco as mãos no peito, fecho os olhos e me entrego ao abismo.
***
Mas eu não sinto o baque do chão que faria cada parte do meu ser se despedaçar.
E sim duas mãos, uma em cada braço meu, segurando- me fortemente e me impedindo de cair.
Esses braços me puxam para a segurança do chão e abaixam seus capuzes, revelando Tomás e Lívia.
Seus olhares assustados e suas respirações entrecortadas.
– o que diabos você pensa que está fazendo? – Lívia pergunta visivelmente assustada.
– é bem óbvio – digo irritado e ao mesmo tempo... Aliviado.
– explica já essa história do começo – Tomás ordena.
– primeiramente me diga, como me acharam? – peço.
– eu disse que ia descobrir o que você está escondendo, então andamos lhe espionando e graças a Deus que fizemos isso. – ele diz aliviado.
Olho-os, um misto de adoração e descrença.
O celular toca outra vez, mostrando um numero desconhecido, peço para que eles esperem um momento e atendo.
– alô? – digo
– Boa noite, quem fala é o Felipe?
– sim, quem é? – digo confuso.
– tentamos lhe contatar mais cedo, mas a ligação estava ruim, primeiramente aqui é do hospital no qual você fez seus exames, e queremos lhe pedir mil perdões, pois constatamos que o laudo dado a você foi errado, na correria daquele dia trocaram os papeis, você está perfeitamente bem de saúde, para mais informações venha amanhã no hospital, desculpe-nos pelo transtorno.
Ela desliga, durante a notícia não emitir som algum, apenas escutei, agora o celular cai em um baque surdo no chão, e eu me jogo euforicamente nos braços de meus amigos.