Sob as Sombras da Dor (Pagina 04)
Uma fresta de sol atravessava os galhos tortos das arvores instalando-se em um dos olhos de dona Geralda que coberta por folhas e temor, virou-se calmamente para um lado onde folhas maiores foram sobrepostas no intuito de proteger-se. Uma das galhas que se desequilibravam do meio dos arbustos saia com sua folhagem cor de terra e abrigava um lindo Chorozinho-de-bico-comprido, seu topete cor de ferrugem as vez confundia-se com as folhas, mas sua inquietude sobre a rama logo mostrava seu abdômen rechonchudo de um preto quase azulado e algumas riscas brancas. Ela sutilmente observava aquele pássaro que há muito assistia seu espetáculo de beleza no quintal da casa, os olhos ardiam, as vezes manchas esbranquiçadas encurtavam as imagens. De repente nos arredores ouve-se o canto de um Sabiá e a aterrisagem brusca de um Gavião-de-rabo-branco sobre o galho onde o Chorozinho se deleitava, mas para a felicidade daqueles olhos e do próprio pássaro não foi daquela vez que o predador matou sua fome. O Sabiá provavelmente sentiu que deveria procurar outro rumo, já que depois do movimento do Gavião seu canto não foi mais ouvido. Mas lhe restava saborear o som das árvores, a brisa fina que trazia um ruído leve de folhas despencando e galhos se tocando, aquela paz lhe trouxe um pouco de sono, embalo de criança despida de preocupações, no sono ela andava sobre pedras suspensas e buscava por água que lhe matasse a sede, o Chorozinho-de-bico-comprido tinha o poder de fala, pois dizia e apontava o melhor caminho para o rio, mas algo a incomodava quando ele adiantava a sua frente, sua cabeça cor de ferrugem sangrava e estava a ponto de soltar-se do corpo, ela pediu em prantos que ele parasse, pois o sangue poderia atrair a Onça Pintada que também matava a sede naquele rio. O passarinho tinha lágrimas nos olhos e respondeu que só poderia viver no sonho, já que a sua vida havia sido ceifada pelo Gavião. Sem entender o que acontecia o dia perdeu sua luz e uma grande escuridão fechou todo o seu caminho, as árvores amistosas que antes lhe afagava com seus galhos, fizeram estes de garras e precipitaram-se para cima dela em forma de ataque. Dona Geralda não quis mais procurar pelo amigo passarinho, pavorosa preferiu apenas se debandar dali, mas sentia que era sufocada pelos galhos e as folhas secas... acordou extenuada procurando a luz do sol que havia se perdido atrás da escuridão da mata, respirou fundo desfez-se das folhagens e olhou rumo ao indefinido buscando o clarão da lua cheia. À medida que andava o luar a seguia, em alguns momentos vazava os arbustos e mostrava sombras que junto à do seu corpo esticavam na estrada, mas as vistas não estavam ajudando e as imagens as vezes iam e voltavam. Passou pela sua cabeça uma das histórias que o pai repetia sempre na época de lua cheia, era ainda uma mocinha. Ele se orgulhava das suas caçadas de longas noites guiadas pela luz da lua cheia pois facilitava a comunicação do olhar. Mas alertava que podia ser perigoso já que melhorava também a visão dos predadores. Os curiangos são pássaros que dependem da visão para encontrar sua presa. Por essa razão, eles enxergam melhor em noites de lua cheia, repetiu no pensamento as palavras do tio Vicente que adorava fritar os pássaros com azeite e fazer de aperitivo. (CONTINUA)