Lua Perfeita - A matinha - parte II
O brilho da lua cheia naquela noite era algo quase sobrenatural. A fina camada de água que as ondas deixavam sobre a areia branca funcionava como um enorme espelho, onde o revérbero esplendoroso do satélite dava a impressão de que havia dois céus. A paisagem era tão fascinante que levou Jack a pensar em qual seria a razão de homens, animais e até elementos da natureza nutrirem aquela insana atração pela Lua. Era algo inexplicável, quase místico!
_Venha me pegar, amor! – a voz doce de Carrie Ann quase desaparecia no silvo da brisa.
_Querida... Vamos voltar pro resort! Nosso peixe já deve ter chegado e também preciso abastecer meu copo! – disse Jack, já de volta de seus devaneios lunáticos.
Mas Carrie Ann parecia hipnotizada e não ouvia os apelos de Jack. Continuava a correr. Sem opção, ele continuou atrás dela até chegar a uma espécie de vestíbulo de uma pequena mata cerrada. Um metro e meio separavam as duas arvoretas unidas na parte de cima por cipós e trepadeiras que as entrelaçavam, formando um portal natural. Jack viu uma trilha de areia branca que se embrenhava mata adentro até desaparecer. Começou a caminhar lentamente pela trilha. A escuridão ia aumentando a cada passo até se tornar plena. Jack chamou:
_Meu bem, você está aí? Não acredito que você queira brincar de esconde-esconde bem agora!
O silêncio era quase absoluto, não fosse pelo guizalhar dos grilos. Então, ele continuou:
_Sei o que você está querendo, mas vamos voltar! Eu adoro esse seu espírito aventureiro, mas...
Jack se calou. “Como assim, espírito aventureiro? Ela jamais entraria sozinha nessa mata!” Um desespero tomou conta de si, então começou a gritar:
_Annie, está aí? Apareça, amor! - e, de repente, ouviu um ruído de folhas secas sendo pisadas. Sem enxergar quase nada, correu na direção do barulho. Percebeu algo que pareciam vultos por entre os galhos.
-É você, amor? – nesse instante, Jack é atingido na cabeça. Ele sentiu o sangue quente jorrar de sua têmpora antes de cair desacordado.
-Nããão! – um grito feminino ecoou no meio do mato
-Cala a boca, vadia! Essa vaca mordeu a minha mão! Ah, ela escapou, Tom!
Tom e Mickey eram dois criminosos foragidos que se escondiam na favela próxima ao resort à beira-mar, onde Jack e Carrie Ann passavam a lua de mel. Começaram no crime ainda crianças, servindo de “avião” para os traficantes da área e praticando pequenos delitos. Agora, já possuíam vários crimes no currículo, como assalto, sequestro, estupro, até assassinato. Na verdade, apenas Tom havia matado. Mickey estava ansioso para o seu batismo funesto, mas nunca tivera uma chance. Talvez esta noite.
_Vá atrás dela, Mick! E leve isto! Só use em último caso! – ordenou Tom, entregando-lhe uma pistola 9 mm. que havia comprado de um policial corrupto.
Carrie Ann corria como uma louca, sem enxergar nada e sem nenhuma direção. Mickey a perseguia de perto, mas a disputa era injusta, pois, além da arma, ele tinha uma lanterna.
Enquanto isso, Tom observava o corpo de Jack estirado no chão com uma pequena poça de sangue ao lado de sua cabeça. “Será que o homem morreu?” Mas logo percebeu que ele respirava e ficou aliviado. Não pela vida de Jack, mas porque, se estivesse morto, não haveria como extorqui-lo. “Que sorte a nossa hoje!"-pensou Tom." Bendita a hora em que Mick me convidou pra ir à matinha queimar um baseado, dizendo que a Lua estava perfeita para uma curtição. Bendita Lua!" Ele e Mickey jamais pensariam, quando saíram da favela para a divagação notívaga, que topariam com aquela improvável oportunidade de descolar uma grana. Um casal de turistas ricos brincando de se esconder bem ao lado deles. “Isso foi demais!”
De repente, um estampido fez-se ouvir na mata. “Mas que porra foi essa”-Tom se jogou para trás de algumas árvores para se proteger. Após alguns segundos, Mickey apareceu correndo, pálido e ofegante:
_Vamos Tom, temos que sair daqui! Matei a mulher, matei a mulher! Não foi culpa minha! A vaca me derrubou e se jogou pra cima de mim, tentando tomar a porra da arma! Não teve jeito!
_Seu burro! Agora, não tem mais dinheiro! A polícia vai por a favela abaixo se descobrirem um corpo aqui! E nós seremos pegos! – argumentou Tom, que era o mais esperto dos dois.
_Relaxa, brother! Somos foragidos, esqueceu? Não sabem que estamos aqui! – replicou Mickey, tentando acalmá-lo.
_Foragido também morre, Mick! Foragido também morre! – e antes que Mickey pudesse dizer algo, Tom emendou:
_Já sei! Me dê a pistola! Ainda está de luvas, né?
_Sim, estou! – respondeu Mickey.
Tom sempre andava com alguns pares de luvas descartáveis em seu bolso. Nunca se sabe quando teria de usar uma arma e cometer um crime. As luvas seriam sempre úteis para que não deixasse rastros. Aprendera isso num filme. Naquela noite, antes de atacarem o casal, Tom calçou suas luvas e deu um par a Mickey.
Tom pegou a pistola, colocou-a na mão direita de Jack, encaixou seu dedo no gatilho, apontou para o alto e disparou. Mickey se assustou:
_Mas o que...que está fazendo?
Ignorando o que ele disse, Tom deitou o braço de Jack no chão com a arma devidamente inserida em sua mão. Depois, pegou pedra que havia acertado a cabeça de Jack e ordenou a Mickey que a esfregasse não mão da morta e a trouxesse de volta. Mesmo sem entender, Mickey obedeceu. Quando ele retornou com a pedra, Tom então a pegou, passou na poça de sangue ao lado da cabeça de Jack e fez com que Mickey a deixasse próxima ao corpo da mulher.
_Pronto, Mick! Cena do crime montada! O casal tem uma briga na praia e a moça corre para a mata. O marido vem atrás e é atingido com uma pedra na cabeça por ela. Então, ele atira nela e corre desesperado pela mata, caindo desmaiado poucos metros depois, devido à forte pancada na cabeça.
_Você é um gênio, Tom! Um maldito de uma merda de um gênio! – exclama Mick, às gargalhadas.
Tom assente com a cabeça meio de lado, como quem diz “exatamente” e ordena:
_Vamos embora! E certifique-se que não ficou nenhum rastro nosso pelo caminho! Precisamos chamar a polícia antes que o idiota acorde!
Continua em: Lua Perfeita - "O Pescador" - parte III