Lua Perfeita - O início
Os primeiros raios de sol do dia surgiam timidamente, desarraigando a floresta do breu gélido, e atravessavam as frestas da janela da cabana até encontrarem os olhos do rapaz, ainda adormecido, fazendo-o exprimir uma feição de incômodo. Primeiro, ele os bloqueou com as mãos e depois, na medida em que iam abrenhando-se à cabana, arremessava seu corpo para o lado a fim de esquivar-se do brilho cálido. Quando o ínfimo e prazeroso espaço sombrio foi finalmente vencido pela luz, e seu corpo ficou inteiramente acossado contra a parede de toras da cabana, despertou. Estava trêmulo e confuso. A claridade matutina atacava as suas pupilas dilatadas, assim como as ondas do mar agridem as encostas de pedra, deixando seu rosto semelhante ao de um míope tentando enxergar sem óculos. Com muita agrura, pôs-se de pé e aproximou-se da janela. Sentia um cansaço descomunal e muita sede. A cabeça estava inchada e muito dolorida. A impressão era a de que o crânio estava comprimindo o cérebro. Com os dedos, pode sentir um talho profundo um pouco acima da têmpora esquerda. Estava descalço e vestindo apenas uma bermuda. Viu sua camiseta no chão, toda manchada de sangue. Seu corpo estava dolorido, maculado, quase que totalmente, por uma miscelânea de areia e sangue. Suas pernas vacilaram e ele quase caiu, mas teve o ímpeto de se escorar no peitoril da janela.
A paisagem lá fora era magnífica! Um oceano verde e denso, formado por copas de árvores das mais variadas espécies e salpicado por aves multicoloridas, e o céu de um azul esturdiamente pronunciado, traziam uma efêmera sensação de paz, quase paradisíaca. Voltou seu olhar para o interior da cabana. Havia dois compartimentos. Um menor, que parecia ser um quarto, onde estava quando acordou e outro, um pouco maior, com uma mesa e duas cadeiras de madeira, um sofá de bambu bem rústico, um fogão de lenha e algumas prateleiras de madeira presas à parede. Nelas, repousavam algumas panelas de ferro, pratos de vidro, talheres, caixas de fósforos e outros apetrechos culinários. Havia quatro janelas, uma no quarto e outras três, no cômodo maior. Não possuíam ventanas, ficando sempre abertas, protegidas apenas por uma tela verde, dessas de barrar insetos. Bem no centro, havia uma espécie de alçapão fechado. Sobre a mesa, havia um pacote de plástico, uma espécie de lamparina e uma garrafa de água mineral. Ele a descerrou com os dentes, vertendo o líquido em sua boca para o deleite de sua língua seca.
Mas o que ele fazia ali? Naquela cabana de madeira na copa de uma árvore no meio de uma floresta? A última coisa de que se lembrava era o rosto lindo e sedutor de Carrie Ann o convidando para uma caminhada na areia.
_Venha Jack! A lua está esplêndida! Perfeita pra um passeio na areia! Te vejo lá! – disse ela, correndo em direção ao corredor que ligava o chalé à praia.
A cena estava meio confusa na sua mente. Tipo em câmara lenta. Empenhou-se mais um pouco em lembrar, franzindo o cenho e se viu correndo atrás dela com um copo de uísque na mão.
_Espere por mim, Carrie Ann! – mas ela já estava bem longe.
Agora, a cena havia mudado. Ele já estava na praia. A beleza do que via era inexpressível. Carrie Ann caminhava logo a sua frente na areia prateada, a espuma das ondas beijando seus pés e a brisa oscilando seus cabelos e o peignoir de seda. Um pouco mais ao fundo, brilhava a lua, bem maior que o habitual, responsável por todo aquele ambiente argírico. Não havia ninguém lá além deles. Jack foi se aproximando e ela começou a correr.
_Venha me pegar, amor! – disse sorrindo, e Jack correu atrás. De repente, era só escuridão. Não havia mais nada. Era como se desligassem a TV em uma sala escura. E, quando ligaram novamente, ele já estava ali, naquela cabana de toras no alto de uma árvore. Mas o que havia acontecido? Por que estava ali, todo sujo e ferido? Onde estaria Carrie Ann?
Um ruído vindo do alçapão dissipou seus pensamentos. O barulho parecia cada vez mais intenso. Alguém estava subindo. Jack estremeceu. Não havia nada ali para se defender. Com um último instinto de sobrevivência, pegou uma cadeira e a posicionou na sua frente. O ruído cessou. A respiração de Jack estava quase tão rápida quanto seu ritmo cardíaco. Os olhos, arregalados. A portinhola começou a se abrir...
Continua em: Lua Perfeita - "A matinha" - parte II