Nada será como antes

Voltei a Londrina apenas para ver minha mãe. O táxi me deixou na casa de meus pais, no Jardim Semíramis, paguei a corrida, entrei com minha própria chave, sentia uma fome desgraçada; abria a geladeira para ver se tinha algo para se comer quando ouvi um gritinho de surpresa às minhas costas, voltei-me e vi uma morena jovem, dezenove ou vinte anos, a mão na boca para impedir novo grito – não havia como ela não me reconhecer, já que pela casa espalhavam-se molduras com fotos minhas de todas as épocas e em todas as poses – e depois eu trabalhava como modelo, minha cara frequentemente estampava-se em revistas, sites de fofocas, essa zorra toda. A garota usava um vestidinho azul que deixava desnudo um formidável par de coxas e os fundilhos da calcinha de malha cor-de-rosa. Na cabeça trazia uma boina xadrez. Abri-lhe um sorriso, ela alvoroçou-se, deslumbrada.

– Me segura que vou ter um treco! Plínio do céu, você aqui?!

– Oi, boneca. Quem é você?

Informou-me que atendia a um pedido de meu pai.

– Pra dar uma geral na casa, tá sabendo? – Estendeu-me a mão: – Meu nome é Sandra, mas todo mundo me chama de Sandy.

Fiquei olhando-a, boquiaberto, enquanto apertava-lhe a mão – o desgraçado do meu pai tivera o topete de trazer uma de suas amantes para o seio do lar, era inacreditável. Desde que me conhecia por gente, lembrava-me de minha mãe chorando pelos cantos, arrasada com as cuecas do marido fedendo a perfume ordinário, as camisas com os colarinhos manchados de batons, no entanto ele sempre tivera a decência de negar suas aventuras sexuais. Mas agora o filho da mãe passava dos limites. Há duas semanas atrás falei com a minha mãe ao telefone, informando-a de minha visita. Perguntei qual seria o dia adequado, não queria me encontrar cara a cara com o velho, era capaz de sairmos no braço, como geralmente acontecia, um espumando de ódio pelo outro. Minha mãe disse que ele quase não saía mais à rua, estava caseiro que só, nós dois teríamos que nos suportar, relevar as mágoas e as ofensas mútuas, tínhamos que “criar juízo”, foi essa a expressão que ela usara: criar juízo. Agora eu entendia a razão de ele estar tão caseiro: com um pasto daqueles, por que o Sr. Alberto iria procurar capim em outras paragens? Mas que velho mais desgraçado!

– E minha mãe? – perguntei.

– No salão Dom Bosco.

– Ah!

O salão Dom Bosco pertencia à paróquia São Judas Tadeu. Prestava-se a tudo, reuniões da Congregação Mariana, jogos de bingo para arrecadar dinheiro para as obras assistenciais, bailes da juventude católica, velórios, conclaves políticos, feiras artesanais, e o que mais pudesse ser convertido em grana. Minha mãe era uma das Filhas de Maria que cuidavam da parte administrativa do estabelecimento.

Continuei mexendo na geladeira, a moça se aproximou.

– Você tá procurando alguma coisa pra comer? – perguntou. Ah, eu estava, estava sim, naquele momento resolvi que ela, a moça, seria o meu lanche.

– Deixa pra lá, mexer na geladeira é só um velho hábito. Escuta, você por acaso não encontrou uma medalhinha de Santa Godofreda aí pelos cantos? – perguntei. Não sei de onde fui tirar aquela ideia, era tão esdrúxula que quase caí na risada. Santa Godofreda! Ela pareceu não estranhar a pergunta, certamente por que conhecia os pendores religiosos da minha mãe.

– Estou nesta casa há coisa de duas horas, Plínio, não sei de nada – ela disse.

– Será que você me ajuda a procurar a medalhinha por aí?

Claro que ela iria me ajudar. Fomos ao quarto que me pertenceu até os dezoito anos, época em que meu pai me expulsou de casa, e começamos a procurar a fictícia santinha de metal nas gavetas do guarda-roupa, ambos de cócoras, o contato de nossos corpos era intencionalmente inevitável, ela tinha a respiração entrecortada e começou a exalar o cheiro de sexo por todos os poros. Coloquei a mão em cima de uma de suas coxas desnudas, ela enrijeceu o corpo por um breve instante – deslizei os dedos na pele macia, quente e arrepiada, alcancei o vértice das coxas, senti a calcinha empapada de caldos íntimos, ela deu um longo suspiro e me olhou com uns olhos melados de desejo.

– Espera um pouco – ela disse –, vou trancar a porta do quarto.

Levantou-se, foi à porta, girou a chave na fechadura – “hoje esta casa tá uma loucura” – comentou. Não prestei atenção em suas palavras, concentrado no seu andar rebolativo enquanto se dirigia à minha cama de solteiro; deitou-se na cama, afastou a barra do vestido até a cintura, ergueu as ancas, tirou a calcinha e separou as pernas bem separadas, os joelhos flexionados – ali estava a tal Sandy, toda arreganhada. Baixei as calças, deitei em cima dela e a possui com selvageria. Ela parecia estar gostando de minha truculência, correspondeu maravilhosamente, nós dois ali, eu de calças arriadas, ela com o vestido erguido até a cintura. Foi um sexo brutal, eu expelindo toda a raiva que sentia pelo meu pai no corpo vibrante de sua amante, ela tendo orgasmos seguidos, adorando, suplicando baixinho pra que eu a beijasse para impedir que seus gritos assustassem os vizinhos ou açulassem todos os cães do bairro.

Após plantar um belo par de chifres na testa do meu pai, senti-me reconfortado, menos raivoso, saí de cima do corpo inerme da garota, fiquei de pé ao lado da cama, subi as calças, fechei o zíper; ela permanecia deitada, as pernas arreganhadas, os pelos do sexo brilhando de sêmen, os olhos me fitando com adoração.

– Quando eu contar que transei com você, minhas amigas não vão acreditar. Escuta, e essa história de que você vai atuar na novela das nove da Rede Globo, é verdade?

– Fofocas, só fofocas, garota – eu disse. Depois do sexo, o corpo da garota já não me fascinava, seu entusiasmo juvenil me era enfadonho, seu cérebro de minhoca me irritava. Ela continuava falando do quanto eu era famoso, charmoso, desejado – que saco! Ela não tinha a menor ideia do quanto eu odiava tudo aquilo.

– A que hora minha mãe volta do salão Dom Bosco? – perguntei.

– Como? – exclamou Sandy, sentando-se, as costas apoiadas na cabeceira da cama.

– Minha mãe, garota. Quando acha que ela volta pra casa?

– Meu Deus, você não sabe! – bradou Sandy, colocando em seguida a mão aberta sobre a boca.

– O que é que eu não sei?!

– Sua mãe, Plínio. Sua mãe tá sendo velada no Salão Dom Bosco!

Joao Athayde Paula
Enviado por Joao Athayde Paula em 15/08/2016
Reeditado em 15/08/2016
Código do texto: T5728830
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