Reunião de emergência Nº 699

1 - Boa noite senhores.

2 - Boa noite.

3 - Boa noite.

4 - Boa noite.

1 - Obrigado por terem atendido ao chamado tão prontamente. Dada a urgência da situação, acredito que podemos dispensar as demais formalidades. Como bem sabem, mais uma vez a situação tornou-se perigosa, e por isso estamos reunidos. Dois: há relatório?

2 - Senhor, novas ameaças trouxeram problemas totalmente novos. Fomos atacados por um lado desprotegido, pois é conhecidamente pacato. Por isso, estamos desprevenidos…

1 - Deixe que isso não é matéria pro relatório. Três! Resistência?

3 - Senhor, não estamos tão desprevenidos que se faz pensar aqui. Estamos sempre em alerta. As experiências passadas nos fizeram ficar vigilantes, seja onde for. A totalidade do perímetro está sempre em patrulha.

1 - E por que ficamos mais uma vez sob risco?

3 - Senhor… Nossos meios, embora eficazes…

1 - Eficazes? Tem certeza do que está falando, Três?

3 - S… sim senhor. Digo, não. Não totalmente eficazes, mas abrangentes. Por isso conseguimos ficar de pé…

(Não muito longe, um estrondo faz o chão tremer e os vidros tilintarem. Um vaso cai. Todos se seguram em seus lugares).

1 (Veia da testa saltada, olhos fechados, tenta recompor-se) - Quatro… Contra-medidas? Eficazes, pelo menos?

4 - Senhor! Estamos dando tudo de nós. Porém desta vez a situação emergiu muito rápido. A Seção de Resistência foi pega facilmente, então precisamos entrar na ação imediatamente. Empregamos o que temos de melhor, mas ainda falta algo. O que foi citado antes, sobre a nova situação…

1 - Faz sentido?

4 - Claramente, senhor! Desta vez a onda veio tremendamente… séria.

1 - …

2 - Senhor…

1 - Dois? Diga.

2 - Mais uma vez… Teremos de empregar…

1 - O Paliativo?

2 - …

4 - Sim, senhor. Creio que sim.

1 (Esmurrando a mesa, cujo som confunde-se com nova explosão, agora mais perto, que faz pedaços esfarelados do forro caírem ruidosamente sobre a grande mesa de reuniões) - MAIS UMA VEZ?! Mais uma vez O PALIATIVO? O Paliativo deixa de sê-lo, pois é um recurso de qualquer-hora! Talvez devêssemos mudar sua nomenclatura para A SOLUÇÃO!

(Tenso e constrangedor silêncio cai na sala como uma bomba, apenas entrecortado por gritos humanos misturados com lamúrias ininteligíveis vindas de fora.

Ele está chegando)

3 - S… senhor. O chão está esquentando.

1 - EU SEI QUE O MALDITO CHÃO QUE VOCÊ ESTÁ PISANDO ESTÁ ESQUENTANDO, NÚMERO TRÊS!

2 - Senhores, não adianta nos exaltarmos. Temos de colocar a cabeça no lugar e… encararmos a realidade, sobre o que temos. Os dados preliminares apontam que não há outra saída…

3 - Nós estamos o segurando!

2 - Não, não estão. Ele está perto, sentem isso?

3 - …

2 - Está cada vez mais forte. Meus olhos estão turvados, precisamos agir logo.

1 - Número Dois: quem decide nessa PO… cilga aqui?

2 - O… o senhor.

1 - Então, calados. Estou pensando.

(Todos se calam. Abanam-se, pois o calor está subindo rapidamente; agora o chão treme ininterruptamente, enchendo o ambiente com um som trepidante de metais, vidros e madeiras em vibração contínua. Aquele odor familiar invade o ar, deixando os presentes em visível desconforto. Menos o Um. Ele fecha os olhos e mantém a cabeça baixa, vasculhando a imensidão de seus pensamentos na busca por uma solução).

4 - Chega. Eu vou lá.

1 - Quatro! Sente-se.

3 - Q… Quatro...!

2 - Senhores, por favor, acalmem-se, não briguem agora…!

4 - Me… me larguem. ME LARGUEM. Este é meu papel.

1 - NÃO! É UMA... ORDEM…!

(Quatro desvencilha-se dos demais e impetuosamente abre a porta. Antes de sair, todos podem vê-lo retirando o Paliativo do interior de seu belo casaco verde. Pela porta aberta, urros e uivos de uma multidão irreconhecível de homens e animais adentram, tornando o ambiente surreal. Ninguém ousa seguir o Número Quatro; sabem do risco ao qual ele se expôs. Se alguém ali sofrer as consequências, o equilíbrio cai por terra. Rezam por ele).

- Ele tem que conseguir.

- Canalha teimoso e impulsivo.

- Ele tem… que conseguir.

(Do corredor, evidenciando a quase iminência da invasão da Cúpula pelo Ele, fazem-se ouvir estalos de coisas quebrando violentamente, como ossos esmagados por poderosa mandíbula. Um assobio pueril e monstruoso percorre os ouvidos de todos, revelando que o Paliativo fora aplicado. Sons de mastigação desordenada se seguem, e o ambiente acalma-se.

Finalmente, silêncio).

4 - Pronto. Está feito.

1 - SEU MISERÁVEL!

2 - Senhor…! Senhor, acalme-se, pelo amor de Deus… O Quatro fez o que podia ser feito, os relatórios não apontam condições.

3 - Sim, Senhor, sou forçado a concordar. O Quatro tem de ser comemorado. Ele voltou a salvo, e fez o que havia de ser feito. Não há como negar.

4 (Fechando a porta atrás de si, exausto e resoluto) - Sim. Não havia… outra forma. Mais uma vez... nos safamos.

1 (Abaixando os ombros, joga-se na cadeira, resignado) - Até quando, até quando…?

(Todos abaixam seus olhares, visivelmente sem saber o que fazer. Na sala, agora retornada ao seu estado de normalidade, ouvem-se os mesmos sons de mastigação e assobios decrescentes, seguidos por um lento atrito no solo, como se algo grande se arrastasse para longe dali, cada vez mais longe, diminuindo à medida que se afasta…

Até a próxima vez).

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 20/07/2016
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