A Maldição sob a Pele
João era um típico paulistano, comum em todos os sentidos. Acordava cedo, andava de metro, tomava café e, é claro, reclamava da vida. Quando estava empregado, desejava estar dormindo, em casa. Quando estava desempregado, desejava estar trabalhando, sentia falta de estar trabalhando. Um típico paulistano.
João era recém casado com Juliana, eles moravam em um pequeno apartamento no centro da cidade. Eram felizes juntos, um era o amparo do outro. Quando estavam juntos, estavam completos.
Certo dia, João percebeu uma pequena irritação no abdômen do lado direito perto da virilha. Pensou ser só uma irritação e não se importou até que ela começou a crescer. Certo dia, quando ela tinha o tamanho de uma bola de tênis ele decidiu procurar um médico.
Ao analisar a protuberância, o médico, sem ter certeza, supôs que fosse um furúnculo. Informou ao seu paciente e sugeriu que ele operasse e tirasse a provável bola de pus. Saindo de lá, João entrou em contato com um cirurgião e marcou a cirurgia.
Os dias que se passaram até a cirurgia foram horríveis. João sentia como se suas energias estivessem sendo drenadas, sentia-se fraco, sujo enquanto a protuberância aumentava. Ele sentia as dores dela, era como se ela estivesse se desgrudando dele. Sentia sua carne rasgando por dentro e seu sangue escorrendo. Sentia-se sujo.
Sua mulher perguntava o que ele sentia, mas ele não dizia. João já não se sentia o mesmo, algo nele estava mudado. Era como se ele tivesse a maldade da humanidade sendo cultivada dentro de seu corpo. Ele não era esse cara.
Seu mau-humor aumentava a cada dia. Já não cumprimentava a esposa, nem, ao menos, conseguia olhar nos olhos dela. Chegava atrasado no trabalho, não porque dormia, mas porquê ficava perambulando pela praça da Sé, enquanto sentia prazer em ver os mendigos em decomposição.
Um dia antes da cirurgia João praticamente não dormiu, estava divido entre o estresse habitual, a ansiedade de se ver livre da enorme bola de carne que crescera em seu abdômen, com a esperança de se ver livre de todo aquele mau.
No dia da cirurgia, chegou ao hospital com o pior humor que uma pessoa poderia ter. Praticamente não olhou parar ninguém, não falou com ninguém. Foi direto para a sala de cirurgia, sem falar com o médico, deitou-se, foi anestesiado e dormiu.
Teve diversos pesadelos, em alguns ele estava no escuro e alguma coisa o perseguia. Noutro ele acordava no meio de uma cidade de pedras e ruas estreitas. Ele estava sozinho, mas sentia que algo o perseguia. Noutro estava em casa, tentava sair do quarto, mas não conseguia, então ele foi até o espelho do quarto e se olhou. Em outro, ele estava dentro do espelho, refletindo a imagem de um ser demoníaco, com o rosto desconfigurado.
No último sonho ele estava deitado na cama, tinha acabado de acordar. Ele se via, deitado e não conseguia levantar, estava imóvel. Aquilo parecia um Deja Vu. Queria levantar-se, tentava chamar a esposa, que estava deitada ao seu lado, mas não conseguia.
Por um momento, sentiu a mesma presença que o perseguia nos outros sonhos, aquele ser demoníaco estava ali, mas onde? Correu os olhos pelo quarto mas não viu nada. Até que por um instante ele olha no espelho e percebe que há algo refletido. É o ser demoníaco que ele havia visto no outro sonho.
Aos poucos a criatura começou a escorregar pelo reflexo do espelho, pingando no chão do quarto e a medida que pingava, crescia do lado de fora.
João, desesperado, tentava gritar, tentava chorar. Tentava acordar, mas não conseguia. Viu a criatura olhando para ele, depois para Juliana. Ela anda em direção a Juliana, passa a mão no cabelo dela, desce a mão pelo corpo dela. Depois olha para ele.
O demônio, então, contorna a cama de casal, levanta a camiseta de João e enfiia a mão em seu abdômen. Ele a sente rasgando sua pele. A criatura, então começa a entrar nele, como se o possuísse.
Assustado, ele acorda. Suado, mas leve. Ao seu lado estava Juliana e o Médico. Juliana tinha lágrimas e terror nos olhos. O médico estava nas mesmas condições. Assustado João olha para barriga, esperando encontrar um aferida mortal, mas, aparentemente, não há nada de errado.
Ele então pergunta o que aconteceu, por que eles estavam daquele jeito. O médico, sem saber como explicar, traz um pode de vidro e, sem mostrar o conteúdo, diz não saber o que fazer com aquilo, que achava melhor João levar para casa.
João estava confuso e ainda assustado com a noite anterior, não sabia o que esperar. O médico entrega o pote de vidro para João, dentro dele, ele se vê. Uma miniatura idêntica a ele, em carne e osso, estava sentada no fundo do pote, viva.