O JORNALISTA

- Boa noite, detetive.

Thomas, ainda zonzo, levanta a cabeça e percebe que está amarrado à cadeira. Olhando para frente vê um jovem bem vestido e de aparência calma sentado em uma poltrona com um bloco de anotações e caneta.

- Eu sei quem é você. Diz Thomas.

- Duvido, você sabe quem você é?

- É assim que você começa sua entrevista? Ironiza Thomas.

- Eu faço as perguntas. Finaliza seu interlocutor.

- Me desamarre e eu te dou todas as respostas que você quiser...

- Temo não ser possível. Há quanto tempo o senhor tem me investigado?

- Oito anos, todo santo dia, tenho que admitir que você é bom... Um canalha, mas bom.

- Obrigado.

- Você é mais jovem do que eu imaginava...O jornalista – o grande assassino em série que tem aterrorizado por oito anos a nossa cidade, você se tornou bastante famoso.

- Graças à sua ajuda, detetive.

- Seu desgraçado, primeiro droga suas vítimas, então as amarra, entrevista, as envenena e deixa gravado e anotado as ultimas palavras da pessoa. Maldito sádico.

- Continuemos a nossa entrevista, por favor. Fala com voz tranqüila, porém firme.

- Vejo uma mudança, suas vítimas sempre são idosas, mas agora você atacou um homem mais novo, isso não é comum em psicopatas como você. O que aconteceu? Mudou de gosto ou eu estava chegando perto...

- Continuemos a entrevista, não tenho muito tempo e todas as suas respostas estão justamente em suas perguntas, detetive.

- Vai ser engraçado, mande suas malditas perguntas, meus colegas estarão aqui antes de você aplicar a seringa em mim, com certeza.

- Aparentemente o senhor não conhece, apesar de me investigar tão afundo, o meu modus operandi...Eu não aplico nada em ninguém, apenas pergunto. Fale um pouco sobre a sua família, detetive.

Thomas já está refeito da droga e começa a analisar o local, está amarrado em uma cadeira antiga, conhece aquele nó, é justamente o nó que seu avô lhe ensinou quando saíam para pescar, aliás, aquela casa, aquela sala, lhe era muito familiar, só não se lembrava muito bem onde a tinha visto. Parecia-lhe que já estivera ali antes, de qualquer modo, precisava ganhar tempo, sabia que seus colegas chegariam a qualquer momento e, portanto, responderia a todas as perguntas do assassino.

- Não sou casado, não tenho filhos. E você?

-Eu sei que você não é casado, mas tem parentes, certo?

- Sou adotivo. Meus pais adotivos morreram quando eu tinha 14 anos.

- E seus avós?

- Conheci apenas meu avô paterno, ele morreu quando eu tinha 13 anos, como não tinha mais ninguém fui adotado.

- Mudemos de assunto, quando o senhor descobriu que queria entrar para a polícia?

- Sempre gostei de armas, de ser o mocinho, sempre quis prender porcos como você...

- É uma pena, mas já ouço as sirenes, infelizmente terei que interromper a nossa entrevista...

- Você não vai ter tempo de aplicar a seringa, seu desgraçado, eu disse que eles chegariam...

- Foi um prazer, detetive Boanerges.

Boanerges, aquele não era seu nome, mas também lhe era familiar, na verdade, era o sobrenome de seu avô, quando fora adotado mudaram para Silva. Então nunca mais tinha ouvido aquele nome.

-Do que você me chamou?

- Este é seu sobrenome, Boanerges, correto?

- Como você sabe de tudo isso?

Thomas ouvia as sirenes, faltava pouco para a polícia entrar ali, o nó que dele era tão conhecido estava quase desfeito, estava perto de pegar o assassino.

-Encare este fato, você vai morrer na cadeia.

- “Não há fatos, apenas interpretações”.

Thomas se liberta do nó e avança contra seu interlocutor, sabe que pode dominá-lo facilmente.

- Pare!

Thomas fica paralisado, imóvel, não consegue nem mesmo piscar. Tenta levantar as mão, não consegue mexer sequer os dedos. Está confuso, com apenas uma ordem aquele moleque lhe paralisou, não conseguia pensar com clareza, tudo girava a sua volta, tentava entender o que estava acontecendo.

- Interpretemos a situação, detetive. Mova os olhos para o lado esquerdo e você verá seu distintivo.

Thomas consegue mover apenas os olhos o suficiente para enxergar uma vassoura velha.

- Há oito anos você trabalha no distrito central como faxineiro, todos os dias você sonha ardentemente a carregar uma arma, a aparecer na t.v. como um herói mas, o mais longe que você já chegou foi tirar o lixo da sala do delegado.

A cabeça de Thomas doía, parecia uma lavagem cerebral, de repente não se lembrava mais de nenhuma prisão que já tenha feito, apenas as inúmeras faxinas na delegacia, a frustração, o tédio, o ódio de ninguém notá-lo, nenhuma palavra amiga, apenas raiva e solidão...

- Toda esta raiva e solidão, de onde vem, detetive? Você se lembra como seu avô morreu? Você se lembra da forma que ele te tocava? Como ele fazia você ter que ver tudo pelo espelho?

- Depois, não foi doce vê-lo morrer? O reflexo no espelho dele morto te traz prazer até hoje, certo?

- Oito anos, oito anos e dia após dia, toda vez que você via aquele espelho você sentia vontade de encontrar alguém, alguém que você pudesse dominar, alguém que estivesse disposto a responder a todas as suas perguntas, alguém que se sentisse tão solitário que não veria problema algum em dar atenção a um jovem rapaz, mas isto é apenas a minha interpretação dos fatos. Olhe no espelho, você não tem idade para ser detetive, é bem mais jovem do que sua imaginação criou, venha, me pegue, estou bem aqui.

Thomas se sentiu livre podia se mover, atirou-se com toda a sua força contra aquele homem a sua frente, lhe agarrou pelo pescoço, lhe estrangulou com toda a força que tinha, com toda a vontade que ele sempre sentiu em estrangular todos a sua volta, a besta estava solta, havia sangue em tudo, flores, odores de velhos e as sirenes eram ensurdecedoras dentro de sua cabeça, palhaços e algodão doce entravam pela janela e...

Thomas acordou, estava amarrado, olhou para frente, viu o antigo espelho de moldura trabalhada verde, tudo estava claro em sua cabeça, ouvia a sirene, reconhecia a velha casa de seu avô. Sempre esteve ali, nunca se mudou, tudo fazia sentido, sentia algo em seu braço e, mesmo amarrado, conseguiu ver a agulha em seu braço, olhou novamente para o espelho e sorriu.

A polícia arrombou a porta, encontrou-o amarrado em frente a um grande espelho verde. Havia um bloco de notas perto do corpo. Uma entrevista como todas do serial killer conhecido como “o jornalista”. Aquele tinha sido a ultima vítima, passar-se-iam muitos anos e, sem nenhuma prova ou outros casos parecidos, a polícia parou de investigar.

Caso encerrado.

Daniel Medeiros
Enviado por Daniel Medeiros em 11/07/2007
Código do texto: T561065
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