Passagem para o Oculto - Final
N.A.: Leia a primeira parte do conto antes! Se achar interessante, comente!
Às vezes um mero vislumbre é o bastante para transformar o tédio em excitação. Era assim que George se sentia no dia seguinte, tentando dormir enquanto pensava no estranho encontro da noite passada.
Decidiu montar guarda sentando fora da barraca e esperou. Esperou os minutos que pareciam horas, e as horas que pareciam a eternidade, até que acabou pegando no sono sem querer.
Acordou de madrugada com torcicolo, e tentou ver as horas com os olhos embaçados, mas percebeu algo de diferente à sua volta. Era como se estivesse respirando outro ar. Na vila, cada casa estava com um lampião aceso pendurado sobre a porta. Pensou ouvir vozes, e foi investigar. Caminhou lentamente até a casa que Lisbeth havia entrado na noite anterior, e ouviu barulho de mulheres conversando lá dentro, inclusive podia ver uma luz de vela através das frestas da janela de madeira.
Com medo, mas decidido, George deu três batidas na porta. Quem a abriu foi uma moça de longos cabelos pretos e vestido comprido, mas ele reconheceu Lisbeth sentada à mesa. Antes que pudesse falar, a mulher gentilmente pegou George pela mão e o trouxe para dentro, aonde havia ainda uma terceira mulher, mais velha.
Ele foi indagado pelas moças sobre quem era, de onde viera, e o que estava fazendo ali, e a explicação de George parecia fasciná-las, mas não muito. As três pareciam bastante amáveis, às vezes sorrindo, às vezes com um olhar curioso, e ele não demorou a se sentir totalmente confortável na presença delas, apesar de um pouco tímido já que todas pareciam muito bonitas. Havia vários vasos de cerâmica espalhados pela casa, e na parede uma grande faca ornamentada, fixada sobre um painel de madeira.
Quando perguntou por que elas só estavam ali à noite, elas sorriram e disseram que moravam na vila desde que nasceram. No meio da conversa, várias outras pessoas entraram na casa, todas mulheres, e a conversa animada prosseguiu por várias horas, até que a mais velha do grupo, que parecia ser a mãe de Lisbeth, disse que estava na hora de dormirem, e no mesmo momento os visitantes foram se retirando, enquanto as moças arrumavam a casa. Perguntaram se George voltaria amanhã, e ele disse que faria o possível.
De volta em sua barraca, ele sorria sozinho de empolgação, já torcendo pra que a noite seguinte chegasse logo.
Escreveu sobre o ocorrido em seu caderno, mais para passar o tempo que por amor à pesquisa. Antes que percebesse, o Sol já havia se posto, e ele viu pessoas andando pela vila. Não parecia haver nenhum outro homem fora ele. Muitas ele conhecia da noite anterior, e as outras já sabiam quem ele era.
Quando ouviu o sino tocar, George entrou na igreja e procurou por um padre, ao que encontrou Lisbeth, que explicou que o último padre falecera há muitos anos, e que na vila ela era a encarregada de tocar o sino.
Convidado para jantar, George foi com Lisbeth até sua casa, aonde as mulheres da noite anterior já pareciam aguardá-los.
Deveriam ter cerca de oito moças na mesa, e o banquete seria carne de carneiro, pães, vinho, e alguns grãos que ele não soube identificar; todos servidos em bandejas e pratos de madeira.
Após a refeição, enquanto bebiam vinho e a conversa fluía, George mencionou que não seria ruim viver ali para sempre. Nesse momento, todas as mulheres olharam para ele, e a mãe de Lisbeth perguntou se ele realmente queria isso. Lisbeth era a única que parecia um pouco preocupada, fitando o chão, mas George seguiu firme e disse que adoraria viver na vila com elas, e seu rosto avermelhou logo em seguida. Uma das moças levantou-se e começou a acariciar seus ombros por trás, o que o deixou ainda mais envergonhado. Quase como numa lenta valsa, Lisbeth pegou a faca decorativa que estava fixada na parede, e caminhou até George.
Seu coração palpitava, batia tão forte que ele achava que elas poderiam ouvir. Lisbeth sentou em seu colo e o abraçou. Lentamente usou a faca para fazer um profundo corte na garganta de George. Ele não sabia como, mas não sentia dor, e sequer se sentia ameaçado. Percebeu que a incisão era grande e profunda, e com certeza iria matá-lo, mas sequer esguichava sangue, como se fosse mágica ou um sonho.
Então, ambas as moças voltaram para seus lugares à mesa, e George perguntou como ele estava. Elas disseram “engraçado”, e ele se avermelhou, ao que elas riram juntas. As mulheres se levantaram e se despiram até ficarem todas nuas. Foram para as camas e começaram a trocar carícias. George notou que já não havia ferida alguma em seu pescoço, enquanto Lisbeth pegou-o pelas mãos e disse: “não vai se juntar à nós?”
No dia seguinte, acordou na cama de Lisbeth e ficou feliz em ver que era de manhã e tanto ela quanto ele ainda estavam lá.
Semanas depois, quando o instituto de ciência enviou uma equipe ao remoto vilarejo para descobrir o que se passava com seu pesquisador, encontrou apenas uma vila há séculos abandonada, com vários dos equipamentos de George espalhados. Sua barraca, ainda montada, não continha nenhum resquício de sua presença.
Foram encontrá-lo em uma casa próximo à antiga igreja. Estava sentado na cabeceira de uma mesa já destruída pelo tempo, com uma faca à sua frente e um enorme corte na garganta; mas em sua face, apenas um sorriso.