A NOIVA MORTA - Cap. 2

Getúlio só voltou ao trabalho um mês depois, longe de se recuperar do seu luto. Durante suas noites mal dormidas, não conseguia acreditar que novamente tivera azar no amor. Fora uma fatalidade, dissera o médico. Possivelmente Mariana sofria de alguma doença do coração e não suportara tanta emoção. Após a morte da mais bela mulher da cidade, a comunidade entrou em um período de comoção. Alguns casamentos foram adiados. Afinal, uma noiva morrera durante as palavras do padre e muitos casais acharam que a igreja era amaldiçoada. Enquanto o padre não benzeu a igreja, nenhuma união ali se formou. Alheio a tudo, Getúlio voltou ao trabalho, nem percebendo que a sua volta já pipocavam várias solteiras ansiosas em casar com ele.

Sem conseguir esquecer a noiva, Getúlio não se mostrou interessado em mais nenhuma outra mulher. Mergulhou no trabalho como um louco. Abria a farmácia às sete horas da manhã para fechar somente passando das oito horas da noite. Na hora do almoço corria até a casa onde viveria com Mariana, fazia um lanche rápido e voltada para a lida. Era a maneira que encontrara para tentar fugir da dor. Assim foi sua vida durante os primeiros meses após a partida dela. Casa-trabalho-trabalho-casa. Recusava todos os convites dos amigos para sair, beber uma cerveja ou jogar futebol. Foi quando o primo Josué, companheiro de infância, resolveu passar uns tempos com Getúlio. Tinha como missão fazer com que o amigo saísse daquela maldita depressão.

Josué chegou em uma tarde de quarta-feira. Tão boa pinta quanto o primo, o rapaz desceu do ônibus na rodoviária causando sensação. Até chegar à farmácia onde Getúlio trabalhava, de mala e cuia, meia dúzia de mulheres mais afoitas o seguiram cheias de risinhos e promessas. Getúlio o pôs para dentro e fechou a cortina de ferro antes que o local fosse invadido, rindo bastante. Aliás, era a primeira risada que o homem soltava em meses.

Depois de se cumprimentarem efusivamente, Josué segurou o primo pelos ombros e declarou em alto e bom som:

— Puxa, cara! Você está pele e osso!

— Bem… - Getúlio se sentiu envergonhado. — Não tenho sentido muita fome nos últimos tempos.

Josué se caracterizava pelos gestos expansivos e bom humor.

— Isto vai mudar a partir de hoje! De agora! Vamos sair daqui, comprar carne e fazer um grande churrasco! O que você acha? Não aceito “não” como resposta!

A proposta sacudiu o espírito triste de Getúlio. Ora, por que não?

— Ainda faltam duas horas para a farmácia fechar. Não posso sair agora.

— Deixe disso, pare de trabalhar, criatura! Está na hora de você se divertir um pouco.

Getúlio não discutiu. Em menos de 15 minutos os dois primos estavam no açougue comprando a carne para o churrasco. Depois passaram no mercadinho da Dona Maria onde levaram cerveja. A noite fechou animada. Os dois amigos comeram e beberam até depois da meia noite. Getúlio riu das aventuras e desventuras amorosas do primo, mas muito pouco contou da sua vida. Quando foi dormir já estava se sentindo melhor, mais leve. Levantou às seis horas da manhã bem disposto. Josué ficaria por lá algumas semanas e estava dormindo quando Getúlio saiu para trabalhar. Boa gente seu primo, pensou ele enquanto se dirigia assoviando para a farmácia. Pena que não chegara antes.

*

Josué se encarregou de fazer com que Getúlio voltasse à vida. Não demorou muito para que Getúlio começasse a encarar a vida com mais otimismo. Mesmo assim, não se sentia preparado para um novo relacionamento. Mariana ainda era a única mulher da sua vida. Guardava todas as fotos dela dentro de um baú que ficava em um cantinho do seu quarto. Não deixava ninguém chegar perto dos retratos, nem mesmo a moça que limpava a casa semanalmente. Sentia ciúmes. Nem mesmo Josué tinha autorização de chegar perto do baú.

Se Getúlio não queria namorar ninguém, com o primo era ao contrário. Josué, com toda sua pinta de galã, era a sensação da cidade. Já no primeiro mês de estada partira três corações. Josué sempre tinha algo novo e engraçado para contar para o primo.

Tudo aconteceu em uma noite fria onde uma chuva fina e persistente gelava até os ossos. Josué voltava do mercadinho encolhido dentro do seu casaco. Ninguém lhe avisara que na cidadezinha onde o primo Getúlio morava fazia tanto frio. Josué estava fazendo planos de dar uma passada na loja de modas da Clotilde no dia seguinte quando se deparou com uma cena estranha. Sentada no banco da praça uma moça vestida de branco parecia solitária e triste. Mas o que faria alguém, seja lá quem fosse, sozinha em uma noite fria ao relento?

Josué diminuiu seus passos, na dúvida se deveria se aproximar dela. Mesmo com a cabeça baixa, era possível reparar que a jovem possuía grande beleza. Encantado, o homem decidiu ir falar até lá. Talvez estivesse perdida, ora essa. Justo naquele momento, um amigo de Josué passou de carro buzinando para lhe chamar atenção. Ele levou um susto, quase deixou as poucas compras caírem. Josué acenou para o outro e voltou os olhos em seguida para a moça.

Ela não estava mais ali.

Josué deu uma volta em torno de si mesmo, praguejando. Bastara dois segundos distraído para que a moça se evaporasse. Frustrado, Josué voltou para casa. Encontrou o primo na cozinha preparando o jantar. Getúlio estranhou quando reparou a expressão esquisita de Josué. Nunca o vira tão sério.

— O que houve? A chuva deixou você mal-humorado?

Josué largou a sacola com compras sobre a mesa, com força. Encarou o primo e disse:

— Você nem sabe o que aconteceu.

Getúlio se surpreendeu com a atitude de Josué, tão tenso.

— Algo grave, pelo visto.

— Eu vinha caminhando pela rua debaixo desta chuvinha irritante. De repente olhei para o lado e vi uma moça. Cara, nunca vi mulher tão linda. Ela estava sentada no banco da praça, sozinha.

— Com este tempo? Esperando alguém?

— Não faço a menor ideia. Pensei se deveria me aproximar dela ou não. Quando decidi que sim, seu compadre Carlos passou buzinando e eu me distraí. Neste meio tempo ela sumiu.

Josué se mostrava inconformado.

— Sumiu como?

— Sei lá, de repente ela não estava mais sentada no banco da praça. Em meio segundo, levantou, foi embora e eu a perdi de vista.

— Quem será, hein? - Getúlio continuou remexendo na comida, intrigado. — Não deve ser daqui da cidade.

Josué sentou em um banquinho e aceitou o copo de cerveja que o primo lhe estendeu.

— Amanhã eu vou voltar. Talvez eu tenha sorte de encontrá-la.

— Quem sabe?

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 07/04/2016
Reeditado em 08/04/2016
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