"Chapéu Coco - Parte 1"

Caminhei rapidamente pelos longos corredores do prédio, situado numa das partes mais movimentadas e luxuosas da cidade. Lugar perfeito para uma pessoa como eu se esconder. Sou um escritor. Mudei há pouco tempo. Culpa de Paul. Ele sempre me dizia: “Jonas, não dê bandeira. As pessoas desconfiam de gente maltrapilha, enfurnada em flats sujos e escuros, caindo aos pedaços. Mas nunca de um garoto bonito, bem vestido, residente numa das avenidas supervalorizadas da cidade”.

Então, eu me mudei. Eu sempre escutava o Paul. Ele nunca me diria algo idiota, porque era inteligente. Ele sabia das coisas. E, além disso, ele era meu amigo. Talvez, o único.

Aproximei-me da porta de madeira, de onde pendia um número 22, em lataria dourada. Girei a chave na fechadura e ouvi uma voz açucarada ao lado. Era Vanessa. Ela morava no apartamento ao lado. Vanessa estava apoiada na parede, segurando um cigarro entre os dedos e me olhando como se fosse me comer. Literalmente, e não no sentido figurativo da palavra.

– Procurei você ontem à noite – ela murmurou – saiu outra vez?

Bati na porta, duas vezes, para desemperrá-la. A porta se abriu com um rangido de protesto, que ecoou pelo corredor escuro.

– Isso é da sua conta, por quê? – forcei um sorriso.

Ela se aproximou e soltou uma baforada de fumaça que rodopiou ao redor da minha cabeça. Tossi e afastei com as mãos.

– Vá procurar sua turma – rugi.

– Não é assim que se fala com uma dama – ela fez biquinho.

Fui até ela e arranquei o cigarro de sua boca. Joguei-o no chão e apertei com a ponta do meu tênis. Entrei no apartamento e bati a porta. Tudo estava silencioso. Olhei ao redor da sala escura, fechei meus olhos e relembrei a cena de horas atrás.

A garota. Seus pedidos. O sussurro ardido enquanto a ponta gelada da arma encostava-se a sua testa. O estampido do disparo e o grito rouco que cortou a madrugada, como uma revoada de pássaros assustados. Foi uma pena, penso, enquanto preparo um pouco de café.

“Jonas”

Sinto um vento gélido na minha nuca. A voz murmura em meus ouvidos. Minhas mãos estão trêmulas. Não era para ser assim. Era para ser fácil. Ele prometeu.

“Jonas. As coisas estão ficando perigosas”.

– Por quê? – perguntei ao vazio da sala, enquanto o som do café coando inundava tudo.

“Você está deixando vestígios demais”

Girei o corpo e encontrei Paul encostado ao arco que ligava a cozinha à sala. Sua silhueta elegante cortava o feixe de luz solar que entrava pelas janelas. Um cheiro metalizado inundou o ambiente. Paul levantou a cabeça, ajeitando o chapéu.

– A história depende disso. Preciso de organização – enchi uma xícara com café – Um escritor precisa saber onde começa um capítulo.

“Então escreva enquanto está fresco na cabeça”.

Paul conversava comigo, noite e dia. Noite e dia. Noite e dia.

“Faça isso. Escreva. Isso é perfeito. Uma obra de arte. Ninguém nunca irá escrever algo tão espetacular quanto a sua história. É genial. Nada se compara ao seu talento, meu jovem”.

Olhei no relógio. Duas horas escrevendo sem parar. Parei. Pressionei os dedos nas têmporas. Um golpe na porta me fez endireitar o corpo. Permaneci imóvel, em silêncio.

“Não abra”

– Mas quem é? – sussurrei por cima dos ombros.

“Apenas fique em silêncio”

– É a polícia.

“Polícia? Por que a polícia procuraria você?”

– Por causa da garota.

“Você não fez nada”

– Nada?

“Absolutamente nada”

– Ela está morta.

“Porque era uma drogada que não aguentava a vida miserável que levava e se suicidou com um tiro na testa.”

– E a arma? – falei, olhando para a mochila num canto do quarto.

“Não existe arma, Jonas. Você sabe disso”.

As batidas na porta cessaram. Voltei a escrever. A cena estava fresca na minha memória, iluminada em minha mente como um holofote. Os parágrafos fluíam rápido. As descrições não poderiam ser mais reais. Eu sentia o cheiro da pólvora. Eu via a cor do sangue. Eu ouvia os ganidos de dor.

"A garota levantou os olhos e encarou o cano da arma a poucos centímetros de seu rosto. As mãos de Pedro eram fortes, não se moviam. Ele destravou a arma e atirou. Um eco sibilante ressoou no pequeno espaço do banheiro. A história começava ali."

Ana Luisa Ricardo
Enviado por Ana Luisa Ricardo em 16/03/2016
Reeditado em 16/03/2016
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