O retrato oval
Ela era uma modelo muito requisitada na mídia, fotografava, posava para propaganda e arte. Desfilava, estava sempre na TV e no cinema, pois tinha inclinação para atuar, porém tudo em que se envolvia era por prazer e profissionalismo.
Realmente bela, destoava de suas concorrentes e por isso atingiu fama internacional, quase intergaláctica. Ela tinha olhos grandes, profundos e feitos de luz. Seus lábios lembravam às frutas mais suculentas e eram adornados por róseas maçãs e queixo perfeito. Os cabelos dela eram a representação do castanho mais puro e sua ondulação e comprimento remetiam ao infinito.
Seu corpo era delgado, não era magricela e possuía curvas, como uma mulher real. Era mais alta que a maioria das mulheres e homens, porém isso não a fazia posta em rejeição, visto que era cobiçada por homens e mulheres de todo tipo.
Por ser uma musa extremamente importante e reconhecida, passou a ser cortejada por um dos maiores fotógrafos de seu século, homem com uma visão para além do normal, que extrapolava a representação para o mundo poético da imagem.
Aconteceu por acaso, em uma festa de lançamento da nova linha de lingerie que nossa musa havia representado e este fotógrafo era convidado de honra, e fazia a cobertura da moça naquele evento, pois ambos foram contratados para desenvolver a campanha de outono/inverno dessa grande marca, logo em seguida. Eles recebiam muito por cumprir suas funções, eram ricos e famosos, e eram extremamente competentes naquilo que faziam.
Ela posava e ele a retratava poeticamente, sem se esquecer da visão comercial necessária. Ele não gostou de seu figurino naquele evento, e já cortejando a musa, propôs que ele mesmo desenvolvesse o figurino para a campanha. Ela aceitou com a condição de participar deste desenvolvimento de figurino.
Aquela marca respeitava os processos criativos de seus contratados, apenas pediram para que fossem o acompanhados pelo figurinista chefe, para terem um apoio especializado.
A campanha foi formidável, segundo a mídia, foi o auge da carreira daquele casal, que se envolveu emocionalmente e casou-se logo que concluiu-se todo o trabalho. Todos estavam felizes com a novidade e deixavam claro que eles deveriam manter-se abertos para mídia. Todos desejavam consumi-los.
Foram morar no país de origem do fotógrafo, o lar era um castelo gótico que ele decorou com ajuda de uma amiga, que viria a conviver com o casal mulher inteligente que prestava abertamente com nossa musa.
Logo o fotógrafo e a musa decidiram tirar umas férias, nas quais os registros de trabalhos dele se mantiveram fazendo com que o começo do casamento fosse midiatizado, e ganhasse uma grande exposição da vida deles para o mundo e uma do fotógrafo no museu federal daquele país boêmio. Intitulavam-se "A musa e seu fotógrafo".
Todos aplaudiram o olhar que transformava aquela mulher que era musa em humana, pois essa era a perspectiva da leitura do autor da exposição, desmistificar a fotografada. Aquilo não seria muito bom no futuro, mas quem poderia saber? Ela estava apaixonada, deixar-se ser registrada e exposta em seu íntimo não era muito profissional, mas seu marido a convencera. Sua vida latejava nas fotos desde a primeira até a última, que revelaria a bombástica novidade: a gravidez.
A decoradora era parte da família e passava muito tempo com sua amiga, já que como ela estava grávida não podia viajar pelo mundo com o grande fotografo, o seu marido que partiu pelo mundo expondo aquele momento todo de suas vidas, que já era passado. Elas se apoiaram neste momento. A musa se tornava grande, devido a órbita do seu ventre, mas ainda assim apoiava os trabalhos de decoração da parceira, sempre com o contato do fotógrafo e todas as suas preocupações com a sua gravidez: não faça isso, não faça aquilo, não aceite este contrato, você não tinha resolvido tirar férias?
Acabada essa fase, o seu marido não a fotografava mais, e com a maternidade avançando, recebia propostas diversas de marcas famosas, as quais recusava segundo as preocupações do marido e sua insegurança. Muitos diziam que a escolha era dela, mas ela não sentia dessa maneira.
Como ainda estava atuando bastante e as férias dele tinham acabado com a exposição anterior, o marido viajava bastante, assim como regressava bastante, e quando em vez fazia um ou outro registro, depois de muita insistência da nossa musa. As fotos mudaram, agora era pura e simplesmente a maternidade que era registrada, diferente do que ela estava acostumada. Não se fotografava mais o rosto, só a barriga, as mãos, as mudanças físicas, logo em seguida o bebê, a amamentação, os trabalhos das mãos como carinhos, trocas de fraldas e banhos no bebê.
Como estava mais sozinha do que nunca, pois era só ela, o filho nascido e o por nascer, sentia-se muito só, não recebia mais propostas, negara tantas e engravidar na dieta não foi muito bom para a sua carreira, seu corpo continuava delgado e belo, pois com tanto tempo ela podia se dedicar à dieta e aos exercícios, mas nada disso era para além de ela mesma.
Quando rebentou o segundo filho, já não havia mais registros por parte de seu marido, do fotógrafo ou do pai das crianças, precisou contratar outros renomados fotógrafos e aí pôde posar. Já que estava pagando por aquilo, incluiu à sua foto, posou como sempre fizera, com toda a competência, e teve vários resultados, mas a fotografia que mais gostou foi uma que fora feita de busto, aparecendo seu rosto, cabelos,ombros e seios. A ondulação de seus cabelos estava perfeita, sua pele e tudo mais, parecia a mesma mulher que sempre fora fotografada, mas não era a mesma.
Aquele retrato era muito importante para ela, mas ele tinha uma maneira que foi iluminado que parecia esvaecer a sua face esquerda, porém, todos diziam que era apenas a sua imaginação, então ela assumiu que estava vendo demais e colocou a fotografia em uma moldura oval.
Era para ela a representação da vida desvanecida. Pendurou-o num canto pouco iluminado de seu escritório, pois só desejava destacá-la quando duvidasse que estava morta.