O teste para Papai Noel - Ficção
O teste para Papai Noel - Ficção
O alvoroço estava formado na porta do shopping. Ninguém sabia explicar o que estava acontecendo. O que se via era um grupo de Papai Noel falando alto, puxando a barba e apalpando a barriga um do outro, para constatar se era natural, gritando Ho-Ho-Ho, até que chegou um gordo, se dizendo o responsável e pedindo que fizessem fila para o teste:
- Vamos acabar com essa baderna. Não adianta discutir, só quem tem um bom currículo, saúde de ferro e diploma de Papai Noel é que será aprovado. Só temos uma vaga e quem não preencher os requisitos será eliminado.
- Antigamente não pediam nada disso. Bastava ser velho, barrigudo e com barba branca. A gente só fazia o teste do ho-ho-ho e quem fizesse melhor era contratado. Agora com esse tal de currículo passa até travesti. Aqui mesmo tem um- disse o mais exaltado.
- Traveca? - gritaram todos.
- Isso mesmo. Mas não vou apontar, quero ver na hora do teste. A barba é postiça.
Dito isso todos riram e passaram a olhar e medir uns aos outros.
- Atenção, quem chegou primeiro? Disse o responsável dono da fila.
- Eu estou aqui desde as três da manhã, ficha número um.
- Muito bem, vamos entrar.
- O número 1 entrou e saiu depois de alguns minutos.
- Número 2! - gritou o responsável.
Todos queriam saber como foi o teste e ficaram a fazer perguntas ao número 1que acabara de ser entrevistado.
- Bem, me mandaram sentar numa cadeira de Papai Noel e, quando cruzei as pernas, ouví um baita grito "Não pode cruzar as pernas"-
Todos riram e disseram: então o traveco é você?
- Claro que não. Na hora do "ho-ho-ho" mostrei quem sou. Duvido que tenha alguém aqui que ganhe pra mim no ho-ho-ho.
-E o seu currículo? - perguntou o número 3.
- Ficou com eles. Sou experiente de muitos natais. Sei como me comportar e respondi bem às perguntas.
Por exemplo: que cuidados temos que ter com a criança na hora de tirar retrato no colo?
- Qual é?
-Não vou dizer. Você é meu concorrente. Ainda falei pra eles que na Inglaterra é proibido Papai Noel colocar criancinhas no colo. E eles nem sabiam disso. Tenho certeza que fui aprovado.
- Que mais eles perguntaram?
- O que fazer se a mamãe da criança também quiser tirar retrato com Papai Noel?
- E o que você respondeu.
- Bem, se for bonita pode até sentar no colo. Sorriram.
- Então, já perdeu no teste - falou o ficha 4.
-Engana-se, até minhas bochechas eles examinaram e disseram que são vermelhinhas e naturais. Ninguém aqui tem bochechas vermelhinhas como as minhas.
Só o número 5 ficava calado sem perguntar nada, aguardando a sua vez.
Saiu o 2 e entrou o 3
- E aí companheiro? todos perguntaram.
- Alguém aí sabe falar mais de uma língua?
- Por quê? Perguntou o número 4
- Eles estão querendo saber.
- Você sabe?
- Aprendi algumas palavras em inglês no curso de Papai Noel de fins de semana.
- E você falou em inglês pra eles?
- Falei, mas eles fizeram careta. Acho que não entenderam nada.
- Sai o 3 e entra o 4
- E aí companheiro? perguntou o número 1
- Quem tem menos de 60 anos aí?
- Acho que ninguém, por quê?
- Quando eu disse que tinha 65, eles disseram que o rojão era para alguém com menos idade. Não querem mais os vexames de levar velhinho para emergência no final da jornada de trabalho.
- Então, não vai haver mais Papai Noel em lugar nenhum. E que mais?
- Falei que fazia exercício físico todos os dias e que tenho uma saúde de ferro.
-Isso é por causa do Papai Noel que teve um infarto no ano passado - disse o 2
- Se eu não for aprovado vou tentar as lojas do centro da cidade. Pagam menos mas é melhor que nada - disse o sessentão.
Sai o 4 e entra o 5.
- Que cara é essa, n°4?
- Vou processar o shopping. Fui vítima de racismo. Disseram que sou afro-descendente e que não era teste para aprovar um Pai Tomaz. Me humilharam.
- Pensando bem, todo Papai Noel tem bochechas rosadas e você nem bochecha tem. Tá mais pra Jesus Cristo - disse o número 1 rindo e todo vaidoso com as suas bochechas vermelhinhas.
- E as cotas não contam? Vou convocar todos os papais noés para um manifesto de rua.
- Cota? Era só o que faltava. Isso, aqui, não é vestibular, companheiro - disse o número 3.
Retorna o responsável e avisa:
- Estão dispensados, o número 5 foi aprovado. Sinto muito, mas, quem sabe no próximo ano.
Desolados, todos queriam saber o que o 5 tinha a mais e melhor que eles. Ficaram esperando que o aprovado saísse e desse uma explicação. Em vão. Aí surgiram vários boatos: pistolão, cartas marcadas etc.
- Bem que eu achei aquele cara estranho. Não falava nada, sempre escondidinho atrás daquela revista de propaganda do shopping - falou desconfiado o afro.
- Temos o direito de saber a razão - falou o número 1 das bochechinhas vermelhas.Vamos entrar. Com certeza ele ainda está na sala do gerente.
Quando escondidinho percebeu que a turma estava entrando, saiu ligeirinho pelos fundos da sala com ajuda do gerente.
No outro dia lá estava o escondidinho bem disfarçado de Papai Noel, na área externa do shopping, discursando e afirmando que nunca na história desse país os pobres tiveram um natal tão farto. Ho-ho-ho