Ela
Acordei suado esta noite, não lembro se sonhei. Saltei ao ouvir um grito estridente seguido de grunhidos horríveis como os de tortura e dor, quando me sentei na cama já não ouvia nada somente o silêncio que a escuridão traz. Levantei-me e fui até a janela, puxei um lado da cortina e vislumbrei a lua sendo encoberta por nuvens de tempestade, o vento começava a se levantar e as folhas secas do quintal rodopiavam ao sabor do vento formando curiosas figuras, como seres sem alma vagando sem direção. Uma lâmpada ainda acesa na varanda era a única luz naquele lugar que antes fora alegre e feliz.
Ainda posso ouvir sua voz me chamando, e seus braços entrelaçando-se ao redor do meu pescoço, sua doce voz e seu olhar carinhoso era a única coisa que fazia sentido na minha vida. Hoje, nada mais.
Fui até a sala com meu roupão xadrez de cor vinho que ganhara de aniversario de casamento. Sentei-me na poltrona, a solidão era tão grande que mesmo de luzes acesas um breu preenchia os cantos da casa, uma cena triste que corta o coração. Sem sono me entreguei a leitura, lia lento e triste tomos de ciências ancestrais, de ritos e crenças de povos que hoje esquecidos permanecem no passado, povos que buscavam no desconhecido uma forma de trazer paz a seus corações machucados pela realidade que friamente nos ensina a viver.
Minha alma abalada não sentia prazer em mais nada, e varias mulheres com quem me relacionei NUNCA substituiriam a presença daquela que hoje vive entre hostes celestiais, seu perfume ainda permanece em alguns cômodos da casa, os quais evito entrar. Pedia sempre aos céus uma maneira de trazê-la novamente aos meus braços, um único momento possível para ao menos me despedir, não é fácil para ninguém ver seu amor, sua inspiração e razão de viver morrer nos seus braços, ver diante dos seus olhos uma criatura magnifica e única definhar vitima de demônios que devoravam sua alma e corpo sob o nome de tuberculose. Seu sangue em meus lençóis, o som da tosse demoníaca ainda ecoa nos corredores. Minha alma enfraquecida não suportava a dor, e meu corpo sucumbiu à desgraça fazendo do álcool e do ópio meus únicos amigos íntimos.
A chuva caía, lavava as janelas e aumentava minha angustia, não sei por que a chuva me incomoda, seria das vezes que corria em seu socorro quando deitava sobre o tapete todo o sangue de seu corpo, e sob a chuva intensa e fria eu corria em busca de ajuda, ou seria pelas lembranças de seus olhos lacrimejando e sua mão pálida e gelada puxando meu braço pedindo em voz rouca e fraca uma chance de viver. Acho que minha angustia quando vejo a chuva é da lembrança do seu enterro, sob uma densa chuva no mês de agosto, onde somente eu estava de luto, ninguém mais veio lhe prestar homenagens.
“CARPE DIEM” é o que está escrito em sua lápide, aproveite a vida, enquanto a possui
Ainda vejo seu vulto vagando pela casa, a saudade cria sombras desiguais, tortura minha alma e joga-me na solidão.
[Conto Reeditado]