Mistério No Sol Nascente.

Cheguei no edifício de táxi. Assim que o táxi parou e eu desci percebi que tinha mesmo alguma coisa errada. Desde que dona Pompeia parou de sacar o pagamento na conta eu sabia que ou ela estava doente, ou havia algo acontecendo. Mas minha viagem a Europa durou mais do que eu imaginei.

Fui a Europa resolver um problema da empresa mas acabei transferido para lá. E o que era para ser apenas uma viagem de negócios se transformou em uma mudança. Acabei por montar um apartamento na França e morar lá por dois anos. Dona Pompeia ficara encarregada de cuidar do meu apartamento no edifício. Ela retiraria o pagamento todos os meses em uma conta que eu abri em conjunto com ela antes de partir. Assim evitava ter que mandar dinheiro de outra maneira. Manter a conta era fácil pois ela era muito esperta.

Quando completou um ano que eu estava dirigindo a empresa da França percebi que Dona Pompeia não estava mais retirando o pagamento. Tentei ligar pra ela mas ela não atendeu ao telefone. Tentei então ligar pra portaria do prédio mas ninguém atendeu. Procurei por mais alguns vizinhos e não encontrei ninguém.

As coisas foram se complicando e eu não consegui sair da empresa e vir para o Brasil. No final de Outubro pedi ao meu chefe brasileiro pra verificar e ele me respondeu que não encontrou ninguém lá.

Pedi dispensa do trabalho. Férias para que eu pudesse ir pessoalmente ver o que estava acontecendo. Estava a quase dois anos sem férias e ele não pode me negar.

O playground do prédio estava arrumado como se estivesse acontecendo uma festa. Bandejas sobre as mesas e toalhas penduradas nos cabides tudo coberto de poeira. Uma jarra de suco jazia sobre uma mesa com copos ao redor. Ela estava cheia de suco fresco. Mas eu resisti e não tomei. Tudo ao redor indicava para eu não beber. Estava tudo sujo, folhas secas pelo chão e a água da piscina suja e cheia de foco de mosquitos. Não havia crianças brincando no parque. Mas no momento em que pensei nelas apareceram e começaram a brincar. Mas nenhuma me viu ou me dirigiu a palavra.

Senti falta da dona Bita que servia lanches deliciosos quando tinha festa e a procurei com os olhos. Ela não estava ali mas no momento em que pensei nela apareceu e começou a andar pela borda da piscina. Comecei a ficar intrigado.

Lembrei da dona Lili e sua cadelinha poodle rosa. Eram dez horas da manhã e se ela não fosse tão pontual eu até admitiria sua ausência. Mas como nos outros casos la vinha ela e sua Fifi rebolando pelo meio das folhas secas e calçada suja. Também não me cumprimentou e nem me deu aquele sorrizo largo.

Será que mudei tanto assim ou estou ficando louco e imaginando coisas?

Sai do portão e fui caminhando em direção a portaria do prédio. De repente levei um baita susto. Um barulho tremendo me chamou a atenção. Quase corri, mas percebi a tempo que era o vento que tinha derrubado uma placa. Fui até lá e virei a placa. O contraste me fez chorar. Era a placa do nome do edifício. Edifício Sol Nascente. O sol desenhado na placa estava tão sujo que parecia a placa de algum castelo mal-assombrado.

Entrei no prédio pela portaria da frente. O Porteiro também não estava a postos. Assim que me lembrei dele veio caminhando do elevador de serviço e sentou se na sua cadeira. Mas também não me dirigiu a palavra.

Queria subir pelo elevador pra chegar logo em casa. Estava curioso pra ver como estavam as coisas em casa. Mas o elevador estava tão sujo que fiquei com medo. Subi pelas escadas e a cada apartamento que eu is encontrando tocava a campainha e ninguém atendia. Continuei a subir e no terceiro andar parei de tocar as campainhas.

Ah porque eu tinha que morar no décimo andar! Já estava cansado demais no quinto e ainda tinha outro tanto pra subir. Cheguei em casa aos frangalhos. A porta suja e a fechadura enferrujada me deixaram dúvidas mas a porta abriu ao girar da chave com a mesma facilidade.

Entrei e tudo parecia na mais perfeita ordem. Tudo limpo e organizado. Dona Pompéia não veio me receber. Mas assim que pensei nela apareceu com um pano limpando os móveis e andou limpando aqui e ali mas não me viu e nem falou comigo apesar de eu tentar por três vezes lhe dirigir a palavra. Na última vez passei a mão direto por ela. Era algo parecido com um holograma. Assim que isto aconteceu a sala parece que se desfez numa nuvem de gás. Tudo ficou como realmente estava. Sujo e abandonado.

Comecei a chorar. Eu tinha morrido com certeza. E quando o desespero já tomava conta de mim eu ouvi a campainha tocar três vezes. Dona Pompeia não veio atender a porta. Eu atendi e um amigo meu que mora na cobertura se atirou em meus braços chorando de alegria por me ver.

Eu não tinha morrido então.

_Cara que bom te ver!!!

_Nem me fala meu irmão. Que saudades! Por que demorou tanto?

_O que aconteceu aqui?

_Calma que eu vou te contar tudo. Agora que você está aqui tenho certeza que vamos resolver isso.

_Fala logo!! Acho que vou enlouquecer! E aquelas imagens em forma de hologramas. O que são?

_Seja lá o que está aqui, consegue fazer essas imagens pra confundir a gente. Ou são as pessoas que fazem esses pensamentos quando a gente lembra delas, sei lá!!

_Bom. Tudo começou na última festa de fim de ano. A festa ia muito bem até que dona Pompeia resolveu nos servir um suco que ela recebeu pelo correio. Disse que era delicioso e que a gente gostaria. Realmente era delicioso. O suco tinha um sabor diferente e ninguém conhecia a fruta. A primeira vez que a gente bebia era só frescor. Mas dava uma vontade danada de tomar mais um gole e então a gente tomava um copázio cheio. Dava um torpor que a gente se sentia leve. A turma gostou muito do suco e começou a tomar muito. O estranho é que ela sempre tinha muito suco pra todo mundo. Nunca acabava. A jarra era despejada nos copos e logo estava cheia de novo. Logo o porteiro foi encontrado dormindo na cadeira. Tentamos acordá-lo mas ele não acordou. Pensamos que ele tinha bebido bebida alcoólica mas não tinha bafo. Levamos pra cama dele e o deixamos lá.

_Eu e o morador do 409 voltamos pra festa e encontramos mais moradores dormindo. Levamos pras suas camas, e quando voltamos, estavam quase todos dormindo. Nesta tarefa de fazê -los dormir em suas camas, não tivemos tempo de beber mais suco. Por isso escapamos de dormir também.

Quando acabamos de pôr todos na cama, ele estava exausto e com sede. Pegou o copo e foi direto pra jarra e bebeu mais uns dois copos do tal suco. Foi fatal. Dormiu na hora. Procurei por Dona Pompeia mas ela estava dormindo em sua cama. Depois de colocar o Tíde na cama dele peguei um copo do tal suco e levei pra um amigo meu examinar. Ele trabalha em um laboratório no centro.

A resposta dele me deixou intrigado. Vou te mostrar o resultado da análise. Venha comigo. Minha casa está um pouco melhor que a sua. Vamos comer algo e depois você lê a análise.

A casa do Tetéu estava realmente melhor. Tudo limpo e cheiroso. Ele trouxe algo pra gente comer e enquanto eu comia foi buscar a análise pra eu ver.

A análise dizia que o tal suco era feito de um ingrediente desconhecido. Mas abaixo da análise tinha um código em letras miúdas:

cpupipdpapdpop spupbpsptpâpnpcpipa aplpipepnpípgpepnpap

Se eu não tivesse estudado na escola do bairro não saberia ler este código. A gente brincava muito de falar em línguas inventadas. Essa mensagem foi escrito em língua do “P” e assim eu li a seguinte frase:

“cuidado substância alienígena”

Eu estudei química na juventude e sou aficionado por química e tenho até um laboratório secreto em casa. Chamei Tetéu e fomos até lá.

Na sala de casa empurrei o sofá e retirei o quadro da santa ceia da parede. Atrás dele estava um quadro com sinais eletrônicos. Digitei a senha e abriu se a parede . Entramos e tudo estava limpo e impecável. Ali não entrava nada. Nem poeira nem mofo.

Pus a mão na massa. O Tetéu pegou a jarra de suco que estava na piscina e despejei um pouco sobre a lâmina do microscópio. O material se multiplicou e logo as células pareciam dançar na lente.

Umas células se desprendiam das outras e se uniam. Assim juntas pareciam formar alguma coisa mas ficava incompleta. Despejei mais um pouco de suco e logo outras células se juntaram as primeiras, formando um pedaço a mais da coisa. Despejei mais um pouco de suco e a coisa foi ganhando forma. Assim, quanto mais eu despejava o líquido mais a coisa ia tomando a forma de um ser diferente.

Tetéu ficou eufórico com a nossa pesquisa. A coisa que se formou tinha a forma de uma ameba verde gigante. Mais ou menos o tamanho de uma aranha. Tentou se fixar em mim mas eu me defendi pois estava com minha roupa a prova de bactérias e ela não conseguiu penetrar. Depois de uma hora a coisa foi ficando murcha e acabou morrendo. Apodreceu logo.

Eu precisava de uma cobaia. Ali não tinha nenhuma pois o meu laboratório estava abandonado há muito tempo. Fomos até o depósito de material de limpeza do zelador. Abandonado, o local certamente teria uns roedores. Havia uma ratoreira especial no laboratório pra pegar cobaias A arapuca funcionou rápido. Um rato e depois outro e muitos outros vieram comer. Subimos com seis ratos bem fortes e escolhidos. No laboratório eles foram colocados na gaiola e separei um deles para começar.

O camundongo era bem esperto. Assim que a criatura ficou completa colocamos ela em contato com o bichinho e ela penetrou nele bem rápido. Ele brincou uns trinta segundo e depois caiu em sono profundo. Retirei o sangue da cobaia e pus na lente. Ao observar vi que as células estavam normais mas estavam como se estivessem anestesiadas. Tentei ver se a cobaia reagia mas ele parecia não sentir nada ao ser furado ou tocado. Esperei algum tempo e retirei novo bocado de sangue da cobaia. Na lente as células do sangue não mostraram nenhuma evolução. Com mais umas duas horas o sangue que estava na lente apodreceu. Rápido como a criatura.

Tentei neutralizar o desenvolvimento do sangue com alguns produtos químicos. Sais do tipo sulforosos ou sulfitos que são utilizados como antioxidantes na indústria alimentar faziam ele reagir mas logo em seguida apodrecia. Lógico. Sulfatos não podem ser combinados assim. Tentei outras substancias usadas como conservantes que retarda a alteração dos alimentos provocada por microrganismos ou enzimas, o sorbato de sódio e o nitrato de sódio mas ambos conseguiram fazer o sangue do ratinho durar apenas um pouco mais e depois ele apodreceu. Tentei o flumazenil na cobaia mas ele reagiu um pouco e depois morreu. Porque ele reagiu assim eu não consegui entender.

Resolvemos visitar as vítimas nos seus apartamentos. O elevador estava funcionando muito bem segundo o Tetéu. Todas as vítimas dormiam tranquilas e estavam com a pressão sanguínea normal. A vítima do apartamento 23 a senhora DeVerli, que era muito idosa, estava com a pressão sanguínea muito baixa, quase em zero mas estabilizada. Achei que ela morreria logo e por isso a levamos para o laboratório para observá-la de perto. Ao retirá-la da cama, porém , havia uma cor esverdeada nos lençóis e resolvi verificar o que era aquilo.

Examinado o lençol se mostrou uma colônia de seres iguais aquele que tinha no suco. A pessoa se tornava uma colônia desses seres. E depois falecia por que a pressão ia caindo. Foi a minha conclusão. Bem que a minha mãe dizia para a gente não tomar conclusões precipitadas. O que se sucedeu foi uma lição que jamais esqueci.

A pressão da senhora DeVerli não caiu mais e após examinar seu sangue verificamos que ela estava se transformando por dentro. Seu sangue não estava vermelho eu achei que ela estava anêmica mas ao contrário disto foi se recuperando rápido e levantou no terceiro dia. Foi muito sorridente pra casa e agradeceu a nós dois pela ajuda.

Tetéu me alertou pra um comportamento estranho da velha que era sempre muito rabugenta não importando o que lhe fizessem.

_Como ela poderia mudar da água pro vinho assim? Nunca tratou ninguém com carinho e respeito assim?

_É eu mesmo nunca a vi ser gentil com ninguém.

Jogamos o ratinho no lixo da rua e voltamos pro laboratório. O sangue da velha estava fora da lente. Havia se multiplicado rápido demais. Visto através da lente era uma teia de amebas gigantes.

Corremos pra casa dela e vimos que a porta estava aberta mas ela não estava lá. Suas pegadas eram esverdeadas e seguindo-as chegamos até o 202. A porta também estava aberta e a dona dele não estava na cama. As pegadas davam pra cozinha e nos levaram até os apartamentos seguintes e logo as pessoas que estavam dormindo estavam acordadas. Interceptamos a velha no apartamento seguinte e vimos o que ela fazia. Chegava até a pessoa que dormia e colcava sua mão esverdeada na boca da pessoa. E a pessoa saia andando como se fosse um zumbi. Soltas pela cidade, foram andando em uma multidão, sem sabermos onde andavam.

Voltamos ao apartamento e o sangue estava muito maior que antes. Colhemos em uma ampola especial e colocamos em um tubo de ensaio.

Ainda havia sangue sobre a mesa mas o Tetéu trouxe limão e jogou sobre ele. O sangue desapareceu na hora.

Então resolvemos utilizar as bases na pesquisa. O ratinho cobaia contaminado em seguida se mostrou completamente curado quando lhe era injetado uma solução com flumazenil e suco de limão puro. Tínhamos que tentar em um ser humano. Mas como capturar aquelas pessoas que não estavam ali agora. Resolvi ver as notícias e relaxar um pouco.

Deitado no sofá que eu mesmo limpara vi com horror a notícia de que uma multidão de zumbis estavam marchando pela cidade em direção ao mar. Olhamos um para o outro e corremos para o laboratório. Preparei uma poção a base de flumazenil enquanto Tetéu foi a todos os mercados localizados abaixo na rua do Ouvidor, conseguir a maior quantidade de suco de limão que ele pudesse achar. Quando ele voltou juntamos os ingredientes e colocamos em um pulverizador. Eu achei que bastava pulverizar o rosto deles e o resultado seria o mesmo.

O trânsito no Rio continuava o mesmo. Foi difícil chegar a praia de Ipanema onde os zumbis andavam numa marcha bem lenta em direção ao mar. Saltamos do táxi uns dois quarterões antes e seguimos correndo para lá em direção a eles e começamos a pulverizar os rostos mas nada aconteceu. Nem se defenderam e cheguei a conclusão de que teríamos que fazê-los beber ou injetar a substância neles.

Uma pessoa tropeçou e caiu. Logo que ela caiu entrou novamente em sono profundo. Aproveitei e borrifei a substância na boca dele. O efeito foi imediato. Ele acordou e ficou uns instantes abobado mas em alguns minutos acordou de vez. Então enquanto Tetéu derrubava as pessoas eu ia borrifando o líquido na boca deles. Fazia o efeito dominó. Derrubava uns em cima de outros e logo derrubou todas. Eram milhares de pessoas e é claro que o líquido não dava pra todos. Explicamos aqueles que estavam curados que tínhamos que derrubar os outros pra eles dormirem e assim logo estavam todos que ainda eram zumbis no chão. Trouxemos para o edifício aqueles que não puderam ser curados por que o líquido tinha se acabado e cuidamos de todos. Logo estavam todos curados e festejávamos a volta das pessoas. Todos cuidaram de limpar suas casas e festejar como podiam. O edifício Sol nascente voltou a brilhar e o sol nunca parou de nascer todos os dias. Cada um retomaria sua vida como pudesse.

O resto de suco que sobrou foi armazenado em uma estufa adequada para que não pudesse se reproduzir novamente.

Eu resolvi não voltar para a França. Fiquei aqui e fui eleito por unanimidade o Síndico do Edifício Sol Nascente.

Mas, uma pessoa não apareceu. Era o porteiro do prédio. Onde ele teria ido parar?

Deitei no meu sofá que a dona Pompeia acabara de limpar e acabei cochilando. Estava tão cansado que não ouvi a reportagem na TV em que jornalista dizia:

_ "Agora a tarde, a Guarda Costeira localizou um barco pesqueiro a deriva no mar com cinco pescadores dormindo a bordo. Eles não apresentavam sinais de insolação ou desidratação. Tentaram de tudo para acordar os marinheiros mas nada que fizeram pode acordá-los. Aparentemente não estavam drogados. No convés da embarcação havia apenas pegadas com um líquido verde que não foi identificado pela polícia..."

FIM

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 18/12/2015
Reeditado em 04/12/2017
Código do texto: T5483958
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