DEATH STORY

Naquele dia, Romeu havia acompanhado seu pai a um bairro distante. Foram entregar uma encomenda da pequena loja de consertos de aparelhos eletrônicos para um cliente que morava do outro lado da cidade. Ao passar em frente a uma sorveteria, ele os viu. Não quis acreditar no que seus olhos lhe mostraram de relance, mas sua reação foi rápida: pediu ao pai que parasse o carro. Deveria ter continuado, deveria ter esquecido ou ignorado, mas Romeu era do tipo que sempre queria ter certeza. Esse foi seu maior erro.

O pai não entendeu nada, mas encostou junto ao meio-fio. Por sorte, não era uma rua de movimento.

- O que houve?

- Alguém com quem preciso falar. Volto já.

Deixou o pai resmungando qualquer coisa, desceu como um raio, e voltou a distância percorrida quase correndo, sentindo o coração sair pela boca.

- "Não são eles. Não pode ser." - pensava.

Mas eram eles, sim. Infelizmente eram eles. André, seu melhor amigo... e Carlinha, sua namorada. O sangue lhe subiu à cabeça, e ele ficou ali, no meio da calçada, olhando para os dois, abraçados, a se fitar nos olhos, claramente apaixonados, enquanto os sorvetes derretiam nas taças.

Voltou cabisbaixo para o carro. O pai o olhava impaciente, mas não disse nada. Arrancou com o veículo, sem saber o que se passava na mente do filho. Talvez se eles tivessem conversado...

André era seu amigo desde a infância. Estudavam juntos há anos, eram amigos inseparáveis, companheiros de todos os momentos. Foram escoteiros, saíam com as garotas para ir ao cinema e à praia, jogavam no time de futebol da escola. Sempre se divertiam muito quando estavam juntos. Nunca haviam sequer discutido, eram como irmãos. Um sempre comprava a briga do outro, e quem se metesse com Romeu tinha de se haver também com André e vice-versa.

Já a Carlinha, era uma outra história. Eram namorados há seis meses, namoro firme, de portão e tudo. Os pais dela adoravam Romeu e seu irmãozinho caçula também. Estudava no mesmo colégio que eles, porém em outra turma. Conheceram-se durante as aulas de educação física, e como ambos eram atletas, ele da equipe de futebol, e ela da equipe de vôlei, começaram uma amizade que se transformou rapidamente em namoro. Saíram várias vezes juntos, os dois e mais o André e as várias namoradas que ele arranjava, pois sempre fora muito popular com as garotas. Achou engraçado quando lembrou que Carlinha dissera mais de uma vez que André não seria uma boa influência para ele, pois era muito namorador e acabaria por desencaminhá-lo também, já que não parava com namorada nenhuma. Opinião essa compartilhada por sua mãe, que não simpatizava muito com André desde que ele era uma criança e ia passar o fim de semana na casa do amigo. Quando ela reclamava que eles andavam juntos demais, Romeu se fazia de desentendido. Ele nunca entendera a implicância da mãe em relação a André.

E agora, isso.

Durante todo o resto do dia, Romeu não pensou em outra coisa: André e Carlinha abraçados, André e Carlinha se beijando, as mãos dele acariciando o corpo dela...

- "Ele me paga..." - pensava.

Em sua cabeça, a culpa era dele. Ele era o sedutor. Ela não tinha como resistir. Afinal, André sempre conquistava quem ele queria, sempre foi assim, desde que começaram a se interessar por garotas. Nem mesmo André sabia o porquê de tanto sucesso com elas, mas o fato é que em várias ocasiões Romeu teve que salvar sua pele, pois duas e até mesmo três garotas o esperavam ao mesmo tempo na saída da escola.

- André, toma jeito... - reclamava.

Ele sorria e respondia:

- Que eu posso fazer? Elas me amam...

Mas dessa vez ele havia extrapolado: era a sua garota, não qualquer uma, que ele estava pegando.

Na manhã seguinte, foi o primeiro a chegar ao treino. Estavam de férias, e teriam um jogo importante contra outro colégio no dia seguinte, válido pela seletiva para os jogos estudantis.

Em meio a algazarra que reinava no vestiário masculino, Romeu avistou André, pouco antes do treino começar, tentando passar despercebido.

- André, André! - chamou.

Ele se voltou, meio sem graça:

- Oi, Romeu, não tinha te visto.

- É?... Engraçado. Pensei que estava se escondendo...

Romeu o encarou, ele desviou o olhar para o par de chuteiras que trazia nas mãos.

- Escondendo? Não diga bobagem, Romeu. Por que eu me esconderia de você, irmão?...

- Não sei. - deu de ombros. - Diga-me você. Tem alguma coisa que queira me contar?

Ele continuava encarando desafiadoramente a André, que se esquivava do seu olhar. Mas por um instante seus olhos se cruzaram, e Romeu pode ver a culpa estampada no olhar do amigo.

- Ô, para com isso, cara. Deixa de onda, vamos treinar, que amanhã tem jogo. - ele se virou para sair, mas Romeu o segurou pelo ombro, forçando-o a encará-lo. Ficaram assim por alguns instantes, olhos nos olhos, um ouvindo a respiração alterada do outro, em meio a confusão reinante no vestiário.

- Cê tá maluco, cara? O que é que tá havendo contigo? - ele retirou a mão de Romeu do seu ombro.

- Você sabe o que tá havendo...

Por um momento, pareceu que André iria dizer algo, mas se calou ao perceber que alguns dos rapazes pareciam estar percebendo que algo estava acontecendo entre eles.

- Depois a gente conversa. Vem, o treinador está chamando.

Dessa vez ele deu as costas e saiu rapidamente em direção ao campo. E Romeu foi logo em seguida.

Nessa noite, em meio à insônia que se abateu sobre ele, Romeu decidiu matar seu melhor amigo.

***

Romeu não jogou nada na tarde seguinte. Também, pudera, passou a noite em claro, elaborando o plano. Sim, ele tinha um plano. André não ia se dar bem para cima dele. Se fosse um outro amigo, talvez Romeu até perdoasse. Ele, não. Era seu melhor amigo, não podia tê-lo traído assim.

André parecia pressentir que era uma despedida. Literalmente, ele acabou com o jogo. Fez dois gols e ainda deu o passe para o terceiro. Um dos gols foi memorável: atravessou driblando toda a linha de zaga do adversário e, como diz a canção do Jorge Benjor, "só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol".

Quanto a Romeu, foi substituído no segundo tempo, o que foi ótimo para o seu plano.

Foi ao vestiário quando faltavam dez minutos para terminar o jogo e escondeu a bermuda de André em cima do armário. Ele sabia que devido à amizade, ninguém costumava fechar o armário com cadeado, eles ficavam apenas encostados, dando a oportunidade necessária para a execução do plano sinistro de Romeu.

Quando o jogo acabou, todos estavam eufóricos pela vitória e loucos para comemorar. Romeu foi um dos primeiros a se despedir, com a desculpa de ter combinado algo com a namorada. Era o álibi que ele precisaria para o que iria acontecer. Aos poucos todos foram saindo, e André não conseguia achar sua bermuda para ir embora. Quando o último jogador passou por onde Romeu havia se escondido, ele voltou, tomando cuidado para não ser visto por alguém que, por ventura, houvesse se atrasado também.

André, só de cueca, procurava a bermuda quando Romeu entrou no vestiário. Ele o viu e sorriu.

- Cara, eu não sei onde coloquei minha bermuda... será que alguém tá querendo me sacanear?

Ele olhava armário por armário, de costas para Romeu.

- Você não tinha ido embora?

- É. Mas eu esqueci uma parada aqui.

Ele pareceu não notar que Romeu estava agora bem atrás dele.

- Cara, que jogão... Arrebentamos com eles hoje.

A frase morreu na metade. Ele sentiu a pancada na cabeça e se voltou vagarosamente, olhos arregalados, enquanto o sangue espirrava em seu rosto tomado de surpresa.

O porrete ensanguentado estava ainda nas mãos de Romeu. André entendeu tudo perto do fim. Tentou balbuciar alguma coisa, não conseguiu, cambaleou duas ou três vezes, por fim caiu aos pés do agressor. Romeu ficou ali, de pé, contemplando o corpo inerte do seu melhor amigo, sem saber direito o que fazer em seguida. Mas qual era o plano, mesmo? Simular um roubo no vestiário vazio? Sumir com a carteira de André e com o cordão de ouro com a letra 'A' que ele sempre usava? Enterrar o porrete para que a polícia nunca encontrasse a arma do crime? Correr para a casa de Carlinha e conseguir um álibi? Sua cabeça girava, ele não conseguia se mexer. Queria continuar com o plano, mas... algo o impedia de tirar os olhos do corpo estendido no chão.

Percebeu que chorava. As lágrimas desciam pelo rosto e banhavam o corpo ensanguentado de André.

- Deus, o que eu fiz... O que eu fiz!...

O porrete caiu de suas mãos. Dobrou os joelhos, tomou o rosto do amigo nos braços.

- Meu Deus, o que eu fiz!!! - repetiu.

Olhou para o corpo em seus braços, o sangue ainda fresco... O rosto bem feito e bronzeado... E foi então que, horrorizado, percebeu toda a verdade que teimava em esconder. A verdade que sua mãe, com aquele sexto sentido que só as mães têm, percebera anos atrás, e tentara avisá-lo: não era por Carlinha que ele se sentira traído. Era por ELE. Era por André!... Não era Carlinha quem ele amava: era ELE. Todo esse tempo... era ELE...

- André, o que eu fiz contigo!... - e chorou como nunca antes em sua vida.

Quando a polícia entrou no vestiário horas depois, atendendo ao chamado das famílias, preocupadas com o desaparecimento dos dois amigos, encontrou Romeu em meio a uma poça de sangue, com os pulsos cortados, segurando em seus braços o corpo do melhor amigo.