A roda da fortuna.

Como alguém que acordasse de um sonho febril, ela se levantou do sofá em que estivera deitada; impelida por uma nova e repentina resolução. Vinha adiando isso por semanas sem fim. Evitou, a todo custo, fazer qualquer coisa que fosse resolver o impasse; no entanto, agora, a situação tornara-se insustentável.

Era preciso tomar uma providência, imediatamente, a urgência que agora tomava sua alma era como uma chama que de repente se acendeu na escuridão e, servindo-lhe de farol, não apagou mais.

Caminhou até o banheiro, olhou-se no espelho, passou algum tempo contemplando a própria face. Parecia-lhe o rosto de alguém a quem conhecera a muito tempo e que (agora) não se lembrava do nome.

-É estranho o quanto a gente muda em tão pouco tempo - pensou.

Despiu-se, entrou no box, que separava a ducha do restante do aposento, virou o registro, sentiu a água cair sobre seu corpo nu, primeiro fria e em seguida morna, como gostava. Milhares de gotas cálidas acariciando-lhe a pele suavemente; como era reconfortante, como era relaxante.

Desligou o chuveiro antes que seu calor apaziguasse seu espírito e a demovesse de sua nova decisão; era preciso ter muita força de vontade, pois necessitava lutar constantemente com seu instinto de "deixar tudo pra lá".

Vestiu sua melhor roupa: uma saia estilo executiva, que lhe caia justa no corpo marcando-lhe a cintura fina e as pernas torneadas; uma camiseta branca que, apesar de simples, combinava com o visual. Tornara-se um estandarte da própria decisão; a revolução que começara no sofá agora punha-se a marchar firme e resoluta em direção ao seu destino.

Atravessou o hall do prédio sem ao menos cumprimentar o porteiro, seu celular tocou e, enquanto o procurava, começou a atravessar a rua sem notar que o carro que viria a atropelá-la aproximava-se em alta velocidade. Ela voou como uma boneca de pano, atingiu o para-brisa do veículo e ficou presa nele como um títere macabro e sangrento; não sentiu dor, nem medo, apenas uma pequena decepção, nem chegou a perceber que morria; a luz se pagou lentamente como uma peça de teatro que terminasse.