O Duende (parte um)
Todo país tem suas florestas, todas as cidades tem seus parques, todos os bairros tem suas praças, todas as praças tem suas árvores, todas as árvores tem seus segredos, suas histórias e seus moradores. Alguns moram no alto delas, outros ao seu redor e alguns poucos em seu interior. Todas estão conectadas através da terra e todas servem de entrada e saída para um mundo subterrâneo desconhecido de quase todos nós seres humanos. Um mundo dominado por pequenos seres maldosos que de tempos em tempos veem ao nosso mundo por essas passagens para fazer suas maldades e levar com eles o que lhes convém. Eles são conhecidos por vários nomes, mas por aqui nós os chamamos de: Duendes.
Já havia se passado dez anos desde que a vida de Lucas e Amanda tinha virado de cabeça para baixo. Às vezes eles ainda choravam escondidos um do outro ao se recordarem daquela noite terrível no final de Outubro de 2005.
Eles sobreviveram aos julgamentos da justiça, da população e dos próprios parentes. Todos achavam que eles haviam matado o próprio filho, Matheus, de apenas oito anos. A “justiça” nunca conseguiu provar nada contra eles, porque nunca encontraram o corpo do menino, mas por outro lado, ninguém conseguia acreditar na história que eles haviam contado sobre como o menino havia sido raptado. No final, eles se afastaram de todos que conheciam, mas nunca deixaram de procurar pelo filho somente com o apoio um do outro, até que um dia uma carta poderia mudar o rumo das coisas.
O casal continuou morando na casa onde tudo havia acontecido dez anos atrás. As lembranças eram muito dolorosas, porém eles ainda tinham esperança de que o filho poderia voltar para casa.
A casa ficava em frente a uma praça que era muito bem cuidada e que tinha grandes arvores muito antigas, brinquedos para crianças, aparelhos de ginastica para adultos e pista para fazer caminhada. Porém, depois que a noite caia, a beleza da praça se transformava. Mesmo com a nova iluminação com luzes LED, não conseguia deixar a praça completamente iluminada. Era como se houvesse algum tipo de campo invisível que não deixasse a luz penetrar completamente. Poucas pessoas ficavam até tarde na praça e nem mesmo mendigos dormiam por ali. Nas noites de calor, o pessoal da rua costumava ficar até um pouco mais tarde por ali, mas não até tarde da noite. Parecia que sempre havia alguém ou alguma coisa observando as pessoas de dentro da praça, em cima das árvores ou por trás de algum arbusto.
Hoje em dia, Lucas passa várias horas da noite, sentado em frente a sua casa observando a praça. Nessa noite, depois do jantar, enquanto se preparava para sair de casa, ouviu três batidas na porta da casa. Amanda olhou assustada para Lucas que se levantou e foi na direção da porta. O casal não recebia visitas há muito tempo e para se chegar até a porta da casa era preciso passar pelo portão da garagem que tinha 2,60m com lanças nas pontas.
Ao chegarem perto da porta, notaram que havia um envelope no chão. Antes de pegar o envelope, eles olharam pela janela da sala, mas não havia ninguém na garagem. Amanda pegou o envelope que tinha uma aparência envelhecida, como se tivesse ficado guardado em algum lugar úmido por muito tempo e essa umidade deixou o envelope com várias manchas amarelas. Não havia remetente, somente destinatário. Para: Lucas e Amanda.
Sem se darem conta, um leve cheiro de maça começou a circular pela casa.
Os dois se olharam e sem precisar falar nada, somente pelos olhares, eles concordaram em abrir o envelope. A carta foi escrita em um papel velho e amarelado como o envelope, Amanda começou a ler em voz alta:
“Do seu mundo eu não sou, mas aqui eu estou
Da minha raça eu cansei, mesmo eu sendo um rei
Já fiz muita maldade, mas sei que eu errei
No caminho do bem, já cruzei o mar além
Preste muita atenção no que vou lhe contar
Se não adivinhar não poderei ajudar
Precisa falar alto para eu escutar
Já bati em sua porta quantas vezes precisar
Já fui um rei, hoje sou caçador
Adoro bons jogos, mas magia é meu dom
Pego a magia dos maus e transformo no bem
Falem meu nome agora e ajuda eu darei!”
Lucas e Amanda ficaram se olhando tentando entender o que estava escrito.
- Vamos tentar decifrar esse enigma por partes amor – disse Lucas.
- Você acha que é um deles? Ou será alguém tentando brincar com a gente?
- Eu acho que é um deles, mas porque um deles nos mandaria isso é um outro enigma.
- Os duendes devem saber que estamos atrás deles. Por duas vezes quase pegamos um. Você acha que pode ser algum truque para nos pegarem Lucas?
- Vamos ter que correr o risco amor.
Olhando novamente para carta.
- Na primeira parte da para perceber que é um deles. “Do seu mundo eu não sou, mas aqui eu estou”. Depois ele continua, “Da minha raça eu cansei, mesmo eu sendo um rei”. Provavelmente ele era algum duende importante, mas alguma coisa aconteceu e ele largou tudo.
Amanda pegou a carta e leu: “Já fiz muita maldade, mas sei que eu errei” – aqui ele confirma sua teoria e continua: “No caminho do bem, já cruzei o mar além” – ele deve ser de alguma das famílias tradicionais de duendes vindos da Europa. Ele provavelmente é velho e deve ter muitos poderes - completou Amanda.
Lucas concordou e continuou lendo. “Preste muita atenção no que vou lhe contar, se não adivinhar não poderei ajudar” – precisamos descobrir algo sobre esse texto para que ele se mostre para nós e nos ajude. – “Precisa falar alto pra eu escutar, já bati em sua porta quantas vezes precisar”.
- Quando descobrirmos precisamos falar em voz alta – disse Amanda.
“Já bati em sua porta quantas vezes precisar” – você se lembra de quantas batidas ouvimos na porta antes de encontrarmos a carta? – perguntou Lucas.
- Três vezes amor. Tenho certeza de foram três.
- Ok. Então quando descobrirmos o que ele quer, precisamos falar em voz alta três vezes.
- Vamos continuar para descobrir então amor. – disse Amanda segurando em uma das mãos de Lucas.
- Nessa última estrofe deve estar o enigma que precisamos descobrir.
“Já fui um rei, hoje sou caçador” – aqui ele diz que é um caçador atualmente.
“Adoro bons jogos, mas magia é meu dom” – ele é bom com magias.
“Pego a magia dos maus e transformo no bem” – ele rouba a magia de duendes ruins e usa para o bem.
“Falem meu nome agora e ajuda eu darei!” – ele quer que adivinhemos seu nome! – disse Lucas terminando de ler a carta.
- Como vamos adivinhar o nome dele? Nesse texto podemos criar várias combinações! Isso é mais uma pegadinha de um desses malditos! – disse Amanda desanimada.
- Calma meu amor. Nós vamos descobrir. Vamos pegar o que descobrimos e juntar tudo.
- Ok amor, mas vai ser muito difícil.
- Ele era um duende importante, provavelmente de uma família importante no meio deles. Ele também diz que veio de outro continente, eu arriscaria que ele veio da Inglaterra ou Irlanda. Continuando, precisamos falar o nome dele em voz alta e por três vezes.
- Agora vem à parte difícil – disse Amanda.
- Ele é um caçador, adora magia e pega magia de duendes maus. – completou Lucas.
Amanda olhou para Lucas animada e disse - Eu sei o que ele é! Ele é um caçador de magia!
- Isso mesmo amor! Você descobriu!
Logo depois da empolgação Amanda deixou os ombros caírem em desanimo.
- O que foi amor? Porque você desanimou? – perguntou Lucas.
- Como isso vai ajudar a descobrir o nome dele? Só descobrimos o que ele faz, mas não seu nome.
- Você esta enganada amor. Os duendes não usam nomes como os nossos. Normalmente os nomes deles são combinações de algumas coisas, como por exemplo, Pésligeiros ou Troncofino. Nosso “amigo” deve ter um nome que combine alguma dessas palavras que deciframos do enigma.
- Isso mesmo amor! – disse Amanda se levantando da cadeira onde havia se sentado. – Como naquele livro que conseguimos sobre aquele duende maldoso chamado Monoeyes, que era chamado assim porque só tinha um olho.
- Exato amor! Então nosso duende amigo deve se chamar: Caçadordemagia.
- Sim! Tudo indica que é isso mesmo amor!
- Então vamos juntos falar o nome dele em voz alta.
Os dois deram as mãos e ao mesmo chamaram pelo duende.
- Caçadordemagia, caçadordemagia, caçadordemagia!
Durante alguns segundos eles ficaram esperando em silêncio, mas nada aconteceu.
- O que fizemos de errado amor? Será que não é esse o nome dele? – perguntou Amanda sentando-se novamente com ar desanimado.
- Não pode ser! Eu tinha certeza de que era isso! Onde nós erramos?
Enquanto Lucas quebrava a cabeça olhando para carta novamente, Amanda teve um estalo e rapidamente todo o texto da carta passou por sua cabeça captando um trecho que eles deixaram passar ao resolver o enigma.
- Amor. – chamou Amanda. – vamos tentar novamente.
- Mas já tentamos e não deu certo.
- Nós nos esquecemos de que no começo ele disse que veio de além-mar certo?
- Sim.
- E chegamos até a supor que ele poderia ser de um ou outro país da Europa certo?
- Sim, mas... ahh! Você é um gênio amor!
- Como ele parece ser antigo, vamos tentar chama-lo de uma maneira não tão moderna. – e escrevendo em um pedaço de papel, mostrou o nome para Lucas que junto com ela repetiu em voz alta:
- Huntingspell, Huntingspell, Huntingspell.
Alguns segundos de silêncio e de repente as luzes começaram a falhar levemente, uma risada abafada e sinistra veio da direção da sala.
De mãos dadas, Lucas e Amanda foram até a porta que separava a cozinha da sala e no canto mais escuro da sala que agora estava fracamente iluminada, eles podiam ver uma silhueta de uma pessoa sentada no canto do sofá, que deveria ter aproximadamente a altura de uma criança de uns cinco anos, usando uma grande cartola, fumando cachimbo e com as pequenas pernas balançando fora do sofá.
As luzes se apagaram de vez e então a luz do abajur ao lado do sofá se acendeu, revelando um pequeno duende que usava uma cartola roxa, combinando com sua roupa também roxa, de sapatos pretos com fivela de ouro, barba e cabelos compridos da cor do fogo e um longo cachimbo de madeira escura soltando uma fumaça que parecia brincar em frente aquele rosto redondo e carrancudo.
Agora o cheiro de maça estava muito mais forte e Amanda sentiu calafrios ao se lembrar desse cheiro.
Continua...