A Cidade do Nevoeiro - CAPÍTULO 3 - A GAROTA
CAPÍTULO 3 - A GAROTA
Alguns dias se passaram, Sylph andou conversando com algumas pessoas da cidade e acabou criando certa desconfiança a respeito do Moogie, alguns diziam para ele confiar mais em Um Olho, pois ele sempre tinha razão a respeito das pessoas, mas ele realmente parecia não ir nem um pouco com a cara de Sylph.
Para Sylph, Cynthia era a mais simpática de lá, ele gostava realmente muito dela, parecia uma pessoa equilibrada com senso de humor e muito responsável, ele ficava curioso em saber o que de fato se passava na mente dela mesmo que naquele mundo tudo ainda estivesse em retalhos. A Divane era muito estranha, uma palavra que foi lembrada algum tempo depois descreveu mais ela, bipolaridade, esta palavra se encaixava perfeitamente no perfil dela. Sorriso Sorriso já era completamente maluca, Sylph evitou todo e qualquer tipo de encontro com ela, evitou até mesmo passar por perto dela na rua, para não se irritar com a gargalhada exagerada que ela tinha.
Relógio era o mais tranquilo dos habitantes, sempre sozinho sentado na beira da calçada, ficava resmungando os números em voz baixa
Nada ali era de certa forma comum, uma sensação de estranheza oscilava no peito de Sylph, como ondas, esta sensação ia e vinha e assim ficava sem se estabilizar, algo até que estava acostumado, mas ele tinha dúvidas e incertezas, sempre se questionava a respeito daquele lugar, as pessoas, a cidade, como tudo aquilo parecia uma prisão para todos que ali viviam .
Sylph ficou intrigado quando a névoa que alcançava os céus, onde tocava as nuvens cinzentas, após um tempo perambulando de um lado para o outro em seu quarto ele decidiu que iria sozinho a névoa, que adentraria ela para tentar investigar , tendo isto em mente ele se trancou em seu quarto e até ignorou Cynthia que foi visita-la, apenas dizendo que estava ocupado, Sylph sabia que ela iria na certa tentar convence-lo a desistir da ideia, mas ele estava extremamente incomodado com o fato das pessoas daquele lugar, os nomes, o que faziam, era a mais pura loucura, eles tinham que tentar descobrir o por que estavam ali e qual o propósito de tudo aquilo e não apenas se acomodarem com meia dúzia de palavras bonitas que o Moogie certamente usava se vitimando pelo ocorrido com Um, Sylph pensava nisto.
Ele apenas se acalmou após um tempo, encontrou conforto em algumas ideias suas, tomou coragem, abriu a porta do seu quarto e saiu escondido cobrindo seu rosto pelas ruas lamacentas de pequena dor, o por que da lama no chão era algo estranho, enquanto andava lembrou do que lhe foi dito por um dos habitantes, que a um tempo atrás eles tentaram escavar por baixo da névoa e descobriram um mar de lava passando por baixo, um calor tão grande que ninguém suportaria andar por ali, disseram a Sylph que haviam escavado pouco menos de um metro e o calor já era insuportável.
Sylph iria sair da cidade escondido, ruma ao chamado “Local da Queda”, o lugar aonde ele chegara naquele mundo, também lugar aonde os corpos e pedaços de corpos caiam do céu.
Ao chegar próximo ao beco entre as duas casas, caminho por onde Um Olho o levou para Pequena Dor pela primeira vez, ele reparou uma multidão no caminho, havia pessoas ali em pé e estavam em roda de algo. Ao se aproximar ele ouviu as pessoas cochichando “É ela”, “Ela atravessou o nevoeiro”, “Como ela fez isto?”.
Parecia que tinha alguém no centro de todos e todos estavam olhando para este alguém, Sylph tentou se espremer entre a multidão para ver quem era, mas ele foi de certa forma expelido de lá e caiu no chão e ficou todo coberto por lama.
Ele ouviu alguns passos rápidos e olhou para o lado e viu que Moogie se aproximava, apenas dizendo “ saiam todos” a multidão se dispersou na hora, foi então que Sylph viu que no meio de todos estava uma garota, uma bela garota e ela era diferente, sua pele era bonita e não tinha nenhuma cicatriz, ela era completamente normal.
Moogie rapidamente a levou até a prefeitura, de modo que todos ali ficaram boquiabertos tentando entender o que tinha acontecido, nem mesmo Sylph terminara de pensar no que ouve ali, mas sua mente tentava formar as palavras “ela, atravessou o nevoeiro”.
Um olho que estava junto a multidão se aproximou de Sylph e como ainda estava sentado no chão ele agachou para falar em seu ouvido:
- Moogie, alguns dizem que foi encontrado vagando pelo nevoeiro pelo Um e ele o escondeu isto é misterioso para todos. – Terminou de falar e se levantou saindo de perto de Sylph.
Esta informação deixou Sylph inda mais desorientado, agora ele tinha muitas ideias na cabeça, mas nenhuma era tão clara, mas pensava se Moogie era realmente uma pessoa confiável, aquela situação toda acabara sendo estranha mais estranha do que viver naquele local.
Logo se ouviu um gripo, Relógio é quem havia gritado, ele estava olhando e apontando em direção ao beco que dava acesso ao Local da Queda e dizia:
- Olhem, vejam o nevoeiro está se aproximando. No mesmo instante em que todos viraram sua atenção para onde Relógio estava apontando.
Sylph se levantou rapidamente olhando na mesma direção e o que viu foi exatamente o que ele disse, o nevoeiro estava se aproximando lentamente da cidade, também não demorou muito para poderem ouvir os grunhidos dos DAIMON vindo de dentro da névoa.
As pessoas começaram a correr desesperadamente de um lado para o outro, algumas entraram nas casas, outras partiram em direção ao lado oposto da cidade, outras apenas agacharam e começaram a gritar, já o Um Olho se dirigiu a Sylph e disse:
- Me siga rápido. Disse isto cochichando em seu ouvido, certamente não queria que ninguém ouvisse.
Ambos foram até a prefeitura rapidamente, abriram e fecharam às portas as pressas, lá estavam reunidos Moogie, Um Olho, Sylph e a estranha garota, a porta também foi trancada para que ninguém entrasse desesperadamente na prefeitura nem mesmo procurando abrigo, o nevoeiro ainda se aproximava da cidade e era possível ouvir os gritos das pessoas vindos do lado de fora.
- Me diga garota de onde veio como chegou aqui. – Disse Moogie, nem tiveram tempo de respirar direito e ele disse isto com uma voz ofegante.
Sylph reparou que ela era realmente muito bonita algo que ele também reparou ali era que ela também segurava um lampião em uma de suas mãos e carregava uma bolsa de couro com alguma coisa líquida dentro dele. A garota olhou para Sylph e viu o que ele observou e disse em resposta a Moogie:
- Meu nome é Maia, eu vim de outro vilarejo, na verdade eu fugi de lá, pois os DAIMON nos atacaram, o que percebi é que vocês não sabem como evitá-los, parece uma cidade muito nova, mas podem usar isto. – Ela ergueu o lampião – O sangue dos DAIMON ele é inflamável, a luz que emana da queima do sangue deles faz com que nos tornemos invisíveis para eles.
- E como conseguiu o sangue? – Perguntou Moogie..
- Ora o importante é sabermos disto – Comentou Um Olho.
Sylph sentiu o clima do lugar, havia tantas perguntas na cabeça dele, viu que aquilo se tornaria uma discussão irrelevante e não levaria a lugar nenhum, então resolveu tomar as rédeas da situação pois o nevoeiro se aproximava e a garota já tinha lhes dado uma solução.
- Que seja, temos alguns lampiões no armazém do senhor Estoque, ela parece ter bastante sangue ou óleo nesta bolsa, ou seja, vamos usar para queimar em alguns lampiões e fugir pelo nevoeiro, ele está se aproximando rapidamente e não temos tempo a perder. – Disse Sylph.
Dito isto todos o olharam e ele completou dizendo “vamos” e todos começaram a se mexer, porém era um pouco tarde, o nevoeiro já estava sobre a prefeitura e ouviram algo muito pesado sobre o telhado, fazendo com que um pouco de poeira saísse das vigas de madeira. Logo as janelas foram encobertas por neblina, eles não podiam ver o lado de fora Maia então acendeu seu lampião e disse:
- Confiem em mim, fiquem perto do alcance da luz que eles nem irão se aproximar.
Todos assentiram com a cabeça e começaram a segui lá, ela abriu a porta e todos se espremeram para ficarem perto um dos outros e ao alcance da luz. Sylph foi os guiando em direção ao armazém, ouviram gritos e mais gritos vindos do interior de algumas casas, logo após dobrarem uma esquina um corpo caiu bem em frente a Maia, o sangue respingou na roupa dela e um pouco na de Sylph que estava logo atrás dela, os pedaços dos órgãos se espalharam pelo chão, causando uma certa ânsia em todos, logo Maia desviou do corpo e seguiu caminhando.
Passando por mais algumas casas, puderam observar até mesmo sangue escorrendo por algumas janelas e mais gritos vindos do interior da casa, isto fazia Sylph ficar com um pouco de medo e ao mesmo tempo se perguntar de como era composto o corpo deles, de certa forma ele se sentia cada vez mais habituado com o som dos gritos das pessoas morrendo e o sangue que escorria pelas janelas, enquanto os outros tinham expressões de pavor.
Eles não encontraram nenhum DAIMON, a luz do lampião realmente não os atraiu, logo chegaram ao armazém e cada um pegou um para si.
- Agora temos que sair daqui. – Disse Moogie.
- Recomendo irmos em direção oposta de onde vieram. – Disse Um Olho.
Sylph era o que estava menos apavorado ali, ele conseguia pensar com mais calma.
- Vamos passar por aonde eles vieram, acredito que seja mais seguro, eles certamente irão continuar seguindo este caminho. – Disse Sylph.
Todos os olharam com uma cara de desaprovação, menos Maia que acenou com a cabeça concordando.
- Faz sentido, minha vila ou cidade, como queiram chamar, fica na direção de onde vieram, eu segui o caminho oposto e parei aqui.
- Mas talvez devêssemos procurar sobreviventes. – Disse Moogie.
- Logo um DAIMON maior vai vir e destruir todo o vilarejo, acredite em mim não temos tempo. – Disse Maia.
Todos pareciam pensar um pouco no que estava acontecendo, após um tempo se entreolharam e parecia fazer certo sentido para todos, todos acenaram com a cabeça em aprovação da ideia e resolveram seguir Um Olho que os guiou até o beco, rumo ao Local da Queda. Lá chegaram aos limites do vilarejo, pois viram as bandeiras colocadas para demarcar os limites, passaram por elas e seguiram nevoeiro adentro.
Andaram alguns metros e ouviram um grande estrondo e um rugido que fez todos se arrepiarem, um rugido mais forte que o som mais forte de um trovão, realmente um DAIMON monstruoso parecia estar destruindo todo vilarejo. Sylph se perguntava como algo deste tipo poderia existir.
Começou a chover dentro do escuro e denso nevoeiro, enquanto caminhavam sempre em frente em silêncio, eles não conseguiam sentir a chuva tocando sua pele, mas conseguiam ouvir o som dela caindo no solo e tornando-o lamacento.
Todos haviam morrido, Sylph sentia uma grande culpa, Cynthia estava provavelmente morta, era o que Sylph mais pensava, queria ter um pouco de esperança em sua mente dizendo para si mesmo que ela conseguiu fugir, mas Maia era a única que sabia da luz emanada pelo sangue dos DAIMON.
Divana, Relógio, Sorriso Sorriso, todos mortos, de uma maneira tão rápida, tão rapidamente ele fora jogado neste tipo de situação, mas de certa forma ele se sentia menos apavorado do que os outros, o silêncio era uma resposta de quão perdidos estavam.
Por quanto tempo teriam que andar ali, até achar quem sabe um outro vilarejo ou uma outra cidade, mas isto trouxe a mente de Sylph uma pergunta.
- Quanto tempo o sangue dos DAIMON queima? Uma hora irá apagar certo?
Maia parou de andar e se virou para responder:
- Não, nem mesmo a chuva pode apagar, somente se abafarmos o fogo ou deixarmos cair, se nada disto acontecer ele permanecerá queimando e até onde sei é para sempre.
Isto deixou Sylph um pouco mais confortável, afinal eles poderiam continuar andando ali até encontraram abrigo.
- Mais uma coisa, por que seu corpo é diferente do nosso? - Esta foi uma pergunta aleatória que veio a mente de Sylph.
- Bem, já que perguntou, venham comigo eu vou mostrar o que aconteceu. – Respondeu Maia.
Ela parecia ter chegado a um ponto do caminho que ela reconhecia, viraram por entre algumas árvores mortasm caminharam durante um bom tempo até chegar em um lago cristalino.
- É aqui, apenas mergulhem ai e seus corpos irão voltar ao normal. – Disse Maia.
Sylph, Moogie e Um Olho, não demoraram a entrar dentro do lago, que por mais que seja estranho ter um lago bem ali, eles sentiram certa confiança nas palavras de Maia, os três apenas afundaram até a cabeça dentro do lago.
Sylph subiu primeiro e viu seu corpo completamente diferente, totalmente normal, sem as cicatrizes e marcas, até mesmo tirou sua máscara e pode ver no reflexo que sua aparência não era muito diferente do que já estava.
Moogie levantou em seguida e sua aparência mudou um pouco, parecia um senhor de aproximadamente trinta anos com um mustache, seu porte físico era médio e tinha um cabelo ruivo.
Por fim Um Olho, que foi o grande choque para todos, ele agora era uma mulher de meia idade, com cabelos loiros longos e um e um rosto muito bonito para a idade, mas isto deixou todos boquiabertos.
- Bem, esta é a verdadeira forma de vocês, alguns mudam pouco, mas bem... Outros mudam muito. – Disse Maia.
Todos puderam ver as sobrancelhas de Moogie se mexendo como se a mulher ali o chamasse a atenção, ele estendeu a mão a ela e ajudou-a a sair do lago.
- Uma dama como você então não precisa ser chamada de Um Olho. – Disse Moogie.
- Acredite estou tão surpreso... Digo surpresa quanto vocês. Disse o Um Olho.
- Tudo bem, vou chama-la de Lady. – Disse Moogie e este nome soou brega para todos, fazendo Maia dar uma pequena risada.
Antes que pudessem pensar mais naquela situação embaraçada que se encontravam, ouviram galhos se partindo no meio da floresta, logo pegaram os lampiões que estavam em torno do lago para iluminar a região enquanto mergulhavam e viraram suas atenções para a floresta de árvores mortas logo atrás deles.
Alguém estava caminhando ali, de um lado para o outro, se fosse um DAIMON pelas luzes ele provavelmente não iria conseguir enxergar eles, então era melhor eles ficarem parados ali.
- Fique atrás de mim Lady. – Moogie disse isto para Lady que antes era chamada de Um Olho enquanto passava na frente dela para a proteger.
- Mas que diabos você esta fazedo? – Disse Lady.
- Estou sendo um cavalheiro. – Respondeu Moogie.
- Ora parem os dois. – Disse Sylph.
- Esta se aproximando. – Disse Maia.
Um ser emergiu das sombras, um homem alto de aproximadamente um e oitenta de altura, longos cabelos prateados e uma belíssima armadura negra que cobria praticamente todo seu corpo, em seu rosto uma máscara branca, mas que não possuía nenhuma expressão e sim a forma de um rosto de forma bem simples, em sua cintura uma longa espada com uma bainha dourada e belíssimos detalhes encaracolados e vermelhos, também uma longa capa vermelha que dava um ar ainda mais elegante para este estranho ser.
- Almas perdidas vagam por estes locais, sempre em busca de uma resposta para tudo que as cerca, atrás de vocês um lago criado por uma bruxa traidora que antes servia um ser extremamente diabólico, um ser que domina este mundo de forma cruel, eu vejo aqui três criaturas das mais frágeis, perdidas e desoladas, mas olhe eu já não possuo um propósito ou sentido para dar a minha vida, mas posso lhes dar uma direção, sigam por entre aquelas duas pedras rosadas. – Aponta para as pedras o estranho ser. – Sigam por entre elas e em breve irão chegar a casa da bruxa cinzenta, ela provavelmente irá os ajudar, ao contrário de mim.
O estranho ser se virou, adentrou a floresta e desapareceu em meio à escuridão da névoa.