Presa e predador

Lá vinha ela. Descia as escadarias do Colégio como a flutuar em nuvens. Os cabelos ruivos eram acariciados pelo vento, o olhar compenetrado na tela do celular. Jamais perceberia sua presença.

Ele, o predador, a esperava pacientemente por ela todas as tardes e esta por sua vontade seria a última. Com um pouco mais de esforço podia ouvir a vida pulsar no peito da moça, sentir o perfume adocicado que lhe saia da nuca, o morno sangue que lhe corria das veias. Era insuportavelmente irresistível. Era a vítima perfeita.

Seguiu-a pelas estradinhas do vilarejo. Esperaria pelo momento oportuno de tomá-la e dilacerar sua carne. O caminho que ela seguia com passos apressados era cercado pela vegetação densa e deixavam cada vez mais para trás qualquer vestígio de civilização. O animal dentro dele

crescia a medida em que as árvores se amontoavam mais e mais às margens do caminho.

Repentinamente a doce garota para. E num movimento inesperado olha fixamente para o lado esquerdo da estrada e como que hipnotizada seguiu em direção ao veio estreito de terra vermelha que brotava em meio a árvores seculares cobertas de musgos.

Ele sentiu o peito doer, o coração a bater retumbante parecendo querer delatá-lo. Onde vais minha menininha? Que importa. Lugares ermos podem oferecer os melhores banquetes. Continuou

a segui-la. Ela caminhava rapidamente, parecia estar feliz e entre um passo o outro saltitava como uma lebre as pedras e raízes que apareciam pelo caminho. Ele mantinha sua frieza e a espreita a

acompanhava tomando o cuidado para que não fosse descoberto. Trazia em seu rosto um sorriso estampado, era maravilhosa a tela que se pintava em sua mente, a linda em suas mãos em breve, ele,

a linda e a mata que se escurecia a cada minuto. Felicidade plena. A lua no céu começa a surgir, grande e brilhante. Onde?... Sumiu... Como?

No pequeno segundo após olhar para o céu a visão da garota some. Não consegue mais vê-la. Ele, fera esfomeada, seguiu a trilha de terra úmida agora sem preocupar-se em camuflar-se, rangia os dentes de desespero e balbuciava palavras desconexas. Caminhava perdido na mata e cada

vez mais deixava seu instinto de animal faminto tomar conta de todo seu corpo de homem. Onde? Onde?

Perdeu a noção do tempo. O céu estrelado girava em meio as sombras das árvores, num ímpeto louco, seus dedos fortes arranhavam seus próprios braços, suas unhas afundavam no rosto

deixando linhas de sangue a escorrer na face. Perdera a menina, perdera a noção de tempo. Um grito inumano saiu de sua garganta ecoando na escuridão. Tombou ao chão e enlouquecido rolou na terra

vermelha. Metamorfose. Era um monstro enfim. Onde...Onde...on...de. Tonto e agonizante de raiva desmaiou em sono profundo. Sono de decepção.

_ Olhe mãe, está acordando o pobrezinho!

A claridade machucava seus olhos, porém podia distinguir na sua frente a garota ruiva o mirando com um sorriso nos lábios acompanhada por outra mais velha de beleza semelhante, que

o olhava da mesma forma terna e feliz. Ao tentar mover seus braços e pernas, ele ouviu o tilintar de correntes. Abrindo mais seus olhos de espanto viu-se em uma grande gaiola.

_ Pobre bichinho!

Compadecia-se a moça ruiva.

Ao seu lado, o ser agora confuso, descobre acorrentado pelos membros, a presença de um homem imundo de cabelos brancos lambendo os dedos magros e feridos fitando-o com os olhos dóceis de um cão de estimação.

O predador feroz percebe-se na condição de cativo, olha para as duas e sorri aliviado com seu novo destino.

Jaqueline de Andrade Borges