O INESPERADO DO DIA

O inesperado do dia

O dia anterior tinha sido um desastre. À noite insone, abri pelo menos três portas de diferentes bares, e neles tomei todas. Na madrugada resolvi perambular pelo mundo.

Clareava quando cheguei à Praia da Almada e ninguém estava por lá, além de alguns pescadores que já trabalhavam lá longe na ponta da praia. Mas não me incomodei com isso, tinha muita coisa para pensar. Na verdade estava mesmo puto da vida! E ligeiramente bêbado.

O sol vermelho, que bronzeava loiras e morenas à beira mar, começou a aparecer. Naquela época o clima era quente durante o dia, mas amenizava no final de tarde, o que tornava as noites muito agradáveis. Acho que era outono.

Desencanei do terno e da gravata. Fiquei descalço, tentando talvez captar energias da areia. Embora não acredite nessas bobagens.

Deitei sobre a camiseta estendida, e deixei que o sol me levasse para onde quisesse.

O calor foi me soltando, uma névoa suspensa acentuava paz aos meus músculos. Relaxei, e adormeci. Já passava das dez quando acordei num susto com o rosto coberto por fina película de areia que o vento trouxe. Me apavorei quando me lembrei de como minha pele era sensível ao sol e ao vento. A boca seca embotava quando tentava umedecê-la com a língua grossa. Limpei do rosto e tratei de me levantar rapidamente. Nem sabia onde estava. Tentei reconhecer o lugar. Sentia-me estranho. Precisava também ter certeza de que ninguém além de mim estava vendo aqueles grossos vergões avermelhados no meu peito.

Foi quando a vi deitada bem perto de mim, sobre a esteira bem esticada, um arredondado travesseiro azul sob a cabeça. Um pequeno guarda-sol que estrategicamente aberto protegia seu corpo. Aliás, que corpo! Delicadamente moldado por um minúsculo biquíni verde, da mesma cor de seus brincos pingentes em forma de gotas. Os olhos pareciam estar fechados atrás das lentes escuras. Arrisquei olhar de novo.

Conferi se havia sinais de algum acompanhante. E não havia ninguém.

Ela estava bem perto de mim, e pelo respirar compassado dormia profundamente. Se alguém estivesse nos observando talvez pensasse que estávamos juntos, tal sua proximidade. Pensei em me apresentar, mas o fato de estar de ressaca me obrigava a manter distancia. Simulei mentalmente uma situação em que lhe dirigia a palavra, e ela parecia não corresponder. Podia ser casada, e deveria ser, afinal era tão deslumbrante para ainda estar solteira. Ao lado dela uma canga metodicamente dobrada, chinelos brancos, outros objetos não identificáveis, e a transparente bolsa de plástico que parecia conter: água para aspergir na pele, toalha, creme, bronzeador. Tudo extremamente organizado e limpo.

Os pensamentos vinham aos degraus em minha cabeça.

Espera aí, mas por que cargas d`água ela veio ficar aqui tão perto de mim quando há toda essa orla! Ah, claro, ela já estava com intenção de puxar conversa comigo. No mínimo ficou aqui me olhando, analisando meu estado ridículo enquanto dormia sob os quase 35 graus de sol de outubro, com calça social e sem óculos escuros, sem protetor... Hummmm... Sendo assim, se provocar uma conversa, ela vai aceitar numa boa, vai sim. Não, espera aí Humberto, ela sentou aqui perto para que você tomasse conta dela, pois estava certa de que adormeceria. É isso! Então devo manter esses dois metros de distancia e ignorá-la, desta forma ela sentirá mais confiança, mais segurança.

Ou quem sabe ela adormeceu ao meu lado para por em prática uma tara que ela guarda em segredo. Ela adormeceria na praia ao lado de um estranho, e quando despertasse estaria sendo admirada, acariciada, beijada até que não pudesse mais resistir e se entregaria ali mesmo diante dos aldeões.

Senti meu coração pular como se numa cama elástica. Aquela fantástica visão me levava a ter pensamentos eróticos, que imediatamente repudiava por parecer piegas e sem nexo.

Uma linda mulher esteticamente perfeita dormindo serena diante de mim...Isso me excitava.

Pensei em fazer algum tipo de ruído, tossir talvez, para despertá-la, mas tratei de me manter bem quieto, não desejava que esse sonho terminasse. Olhei para os lados com receio de estar sendo vigiado, mas não. Os pescadores não estavam mais lá, e na praia inteira havia apenas nós dois. E pensar que somente nós dois estávamos ali, me excitava mais. Esfreguei as mãos espantando pensamentos que energizavam minha cabeça e arrepiavam meus pelos.

— Quem está aí? – disse a moça levantando ligeiramente a cabeça, e cobrindo o corpo rapidamente com a canga.

Meus lábios se entreabriram para responder, mas me calei me afastando atônito ao ver que ela tirou imediatamente a bengala branca que estava sob a bolsa.

ANA MARIA MARUGGI
Enviado por ANA MARIA MARUGGI em 09/09/2015
Reeditado em 15/05/2016
Código do texto: T5375980
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