Alicia
Durante a metade do ano Alicia ingressava no 10 semestre do curso de Letras, a reta final para a conclusão do curso superior.
Ao decorrer de sua formação acadêmica, Alicia encantou-se estudando literatura, tendo adquirido um pouco mais de apresso pela literatura estrangeira, mesmo assim, não ausentava-se a literatura nacional de sua cabeceira. Dormia sempre repousando a vista nos poemas de Fernando, Byron, Espanca, Paplo Neruda ...
Com isso, não seria espanto Alicia tornar-se gradativamente a aluna modelo do curso, seguindo a rotina exclusiva de estudos, que é estabelecida em todas as universidades. Dedicava-se inteiramente e unicamente as salas de aulas e rodas de estudos.
Para que a entendam e a reconheçam, caso a encontrem, descreverei fielmente sua rotina e lugares de peregrinação.
Alicia mora no 7 andar do Bloco C da moradia estudantil, um belo prédio que fica dentro do campus da universidade, de frente a praça central das moradias, marco zero para as rodas de músicas no final da tarde.
Nessa pequena região habita Alicia, que já encontra-se em sua moradia quando as pessoas começam a aglomerar-se na praça. Dorme sempre muito cedo, levantando as 8 da manhã do outro dia, ao acordar despe-se ao lado da cama, as vezes olha rapidamente para o armário de três portas, que possui um espelho na porta central. Entra no chuveiro,ao passo e 15 min desliga-o, enxuga-se rapidamente para vestir-se com seu roupão rosa, desce para preparar o café da manhã, puxa alguma frigideira para cozinhar torradas e coa o café, deixando-o negro como o petróleo, como sempre seu paladar exige.
Devo salientar que o uso do roupão tornou-se permanente, após a saída de suas duas companheiras de alojamento no início do 1 semestre, antes Alicia ia para o café da manhã preparada para ser mestrada na própria cozinha. Realizando todo esse processo, encaminha-se até as salas de aula, regressando somente as 6 da tarde.
Embora mantivesse um rigorosos hábitos de estudos, Alicia encontrava-se aflita com sua tese final, não sabia sobre o que seria, mas por meio da insistência de um professor, encontrava-se agora no emaranhado mundo dos processos gramaticais. Trabalhava com a tese de gramatica e fala, mesmo longe dos poemas que acalentavam seus sonhos aceitou o pedido, dedicando-se arduamente.
Começou com o estudo de livros gramaticais, destrinchando a sintaxe, a fonética, fonologia. Em suma estudou todo o universo físico e metafisico da linguagem, para que no período de 3 meses conhecesse todo o campo do mundo da fala. Agora possuindo as ferramentas Alicia provaria sua tese, que por meio do campo gramatical estimularia a fala, não meramente a repetição dos sons, mas os sentidos.
Estudara Vygotsky e suas recentes teses de condicionamento, interessou-se instantaneamente e com as teorias de Vygotsky encontrou a espinha dorsal de seu trabalho.
Vygotsky utilizou cães para suas experiências, logicamente Alicia esperava resultados mais gloriosos que seu companheiro acadêmico, pretendia provar a superioridade da gramatica sobre a fisiologia. Não foi difícil recrutar o animal necessário para os experimentos, um simples papagaio, por volta dos seus 2 anos com penas vermelhos no topo da cabeça, garras e pico fortes igual a qualquer ave saudável. Até esse momento não existe nada extraordinário, papagaios falam em todos os lugares, porém o que seguiu-se foi inimaginável.
Alicia batizou o papagaio de Fred, pois só reconhecendo a sua própria existência alcançaria a consciência necessária para a fala. Chamo-o de Fred em homenagem ao um grande amigo da época do colegial.
O papagaio começou repetindo palavras únicas, passando posteriormente por verbos, substantivos, adjetivos, preposições e após o domínio exclusivamente das palavras passou a flexiona-las e por último, uniu todo o conhecimento para a elaboração de frases simples, com sujeito e verbo.
Eu quero
Eu posso
Mesmo o papagaio apresentando resultados positivos na maioria dos testes realizados, Alicia propôs questionar o entendimento real das palavras, visto que a parte gramatical estava perfeita em sua execução.
Para isso utilizou substantivos abstratos, colocando-os em frases que explorassem o entendimento e a elaboração nas respostas.
A primeira Frase era “Alicia ama Fred, Fred ama ...’’, porem o papagaio não repetia o nome de Alicia e após vários dias de tentativas e com a data de entrega do trabalho aproximando-se, viu-se forçada a mudar seus métodos. Parou de alimenta-lo, trancou-o em uma gaiola coberta por um pano preto, barrando a luz e por fim mudou a abordagem das perguntas
-Alicia ama Fred, Fred ama...
E toda a vez que não ecoava-se a resposta a gaiola era abalada por tremores contínuos de 5 minutos. Mesmo com todas essas mudanças promovidas pelo desespero nada dava resultado. Como era possível ele não responder uma pergunta tão fácil como essa?
Alicia indignava-se, pensando como fora acabar nisso, com um papagaio inútil que não...
Amar um verbo transitivo, um verbo universal presente em toda a criação.
Enquanto perdia-se em devaneio ouviu uma voz rouca chamando
-Alicia, Alicia
Reconheceu e correu em sua direção, pegando-o em suas mãos e dizendo:
- Fred estou aqui, agora diga que ama-me
Mas só escutava-se um arrastado “Alicia’’
Já estava fraco mal movia-se e quando acontecia era por espasmos.
Alicia começou a dizer mais forte:
-Diga que ama Alicia
-Diga que ama Alicia
Junto com sua voz as mãos que abraçavam o papagaio acompanhavam a intensidade.
Imitando-a o papagaio gritava desesperadamente o nome de Alicia, talvez com a mesma força e empenho que exprimia seu corpo. Após alguns minutos só existia dois punhos cerrados e o silencio.
Mesmo com todo cuidado e zelo, Alicia esqueceu a condição irrefutável do animal, que desprovido de razão nunca amaria quem o amou.
Quando terminou de secar as mãos ligou para o orientador, desistindo da pesquisa, pegou um livro de contos e descansou a vista.