Ligações do Além

Noite chuvosa, eu estava sentada no sofá com as pernas esticadas, com os olhos correndo rapidamente sobre as letras de um livro intenso. Eu movia os lábios suavemente e arregalava os olhos me surpreendendo com cada detalhe daquele lindo conto. De repente meu celular soltou um longo e profundo ruído quebrando meu silencio, joguei meu corpo para frente controlando o susto, meu coração acelerou, meus pelos do braço se arrepiaram, minha respiração pesou , senti um frio profundo subir por minha espinha. Agarrei o celular.

- Alô?

- Alex?

Antes que eu pudesse responder, a ligação caiu. Certamente é o Erick – meu namorado- talvez tenha se assustado com algum pesadelo. Retornei a ligação, porem não obtive sucesso. Voltei a sentar no sofá, joguei o livro diante dos olhos, mas desta vez não pude me concentrar. De repente o celular voltou a tocar, e eu voltei a sentir aquela estranha sensação.

- Alô Erick?

- Alex? – pausa para uma respiração pesada – Está quente.

- O que?

A ligação voltou a cair. Eu retornei desta vez irritada. Muitos toques e caiu na caixa postal.

- Erick, eu não estou gostando desta brincadeira idiota.

Esquento eu deixava recado na caixa postal ouvi o toque de uma chamada em espera, retirei o celular do ouvido e a chamada em espera estava em nome de “Erick”. Como isso é possível? Interrompi meu recado e atendi a chamada.

- Alô?

- Esta quente.

- O que esta quente? – gritei.

- Esta quente. Muito quente.

A ligação voltou a cair. Saltei do sofá, e me dirigi à casa de Erick. Alguns minutos de rua completamente vazia, logo avistei meu destino. A casa dele estava completamente escura, o carro não estava na garagem, eu gritei no portão, bati palma, e enfim tive certeza de que meu namorado não estava em casa. Liguei para a mãe dele.

- Senhora Mariah – fiz uma pausa controlando minha respiração ansiosa – Erick esta?

- Não minha filha, ele esta na casa dele.

- Não. Ele não esta.

- Como? – ela gritou – então onde ele está?

Erick é um rapaz muito caseiro, ele preferia ficar em casa o dia, já tivemos muitas discussões sobre isso.

- Vou ligar para a policia, você procura ele nos lugares que ele costuma ir.

Ela desligou me deixando sozinha na linha. Desci o celular e fiquei observando a tela, de repente o nome do meu namorado apareceu. Eu estava recebendo outra ligação.

- Erick, onde você esta? – gritei desesperada – eu estou preocupada.

- Esta quente.

Senti meus pelos do braço arrepiarem. A ligação cortou e Dona Mariah voltou para a linha gritando.

- Meu Deus, onde estará meu filho?

Eu entrei no carro, quando bati a porta o radio ligou.

- O acidente da estrada 51 ainda está parando o trânsito, se você puder evitar será o melhor a fazer. As buscas continuam pelo carro desaparecido que teria entrado em baixo do ônibus e descido o penhasco.

Meu celular vibrou.

- Alô?

- Está quente – ele gritou, senti o frio subir pela espinha e explodir em minha nuca.

Eu não sei por que, mas eu segui em direção a estrada 51, em alta velocidade, o celular vibrava e o nome de Erick me causava arrepios, eu sabia que deveria chegar a este acidente. Estacionei o mais próximo que pude, e corri até o acidente. Um ônibus estava tombado sobre a pista, sua lateral escorria sangue, tinha muitos corpos espalhados e os bombeiros trabalhavam arduamente para retirá-los, Mais para frente havia outro ônibus, mas este não tinha mais corpos. No centro havia uma marca de freio e de impacto, partes de um carro preto fora arrancados e lançados para os lados. Meu celular vibrou e solou um terrível ruído.

-Erick?

- Está quente – ele gritou – quente.

Senti um vento frio passar por mim, girei meu rosto e avistei o penhasco, caminhei até a ponta dele. Joguei meu olhos para baixo. Havia marcas de descida, mas o carro não estava lá em baixo. Senti um impulso e desci o penhasco me segurando nos ganhos, escorregando no barro. De repente senti cheiro de queimado, corri em direção ao cheiro, escorreguei e rolei parte do penhasco. Quando alcancei certa altura o penhasco revelou um buraco escondido por arvores, eu cai sobre ele e me choquei contra o capô do carro.

- Erick – gritei desesperada.

Alguém surgiu atrás de mim e me puxou para longe do carro que explodiu em questão de segundos.

- Ele está vivo, me solta, ele esta vivo.

- Ele não esta- o bombeiro sussurrou em meu ouvido tentando me deixar de costas para o carro em chamas – fique calma, vou te tirar daqui.

Eu o empurrei e corri em direção ao carro, me joguei no capô e bati as mãos no vidro, ele não estava lá dentro. O bombeiro me pegou pela cintura e me puxou para longe do carro, então eu avistei Erick embaixo da do pneu direito da frente, esmagado e queimado. Ele estava com o rosto voltado para o chão, com a mão esquerda amputada, a cintura havia deslocado e sua perna esquerda estava apoiada em seu ombro. Arregalei os olhos e cedi à tentativa do bombeiro. Ele me jogou para longe do carro que voltou a explodir. Fui retirada de maca, eu estava pasma, me levaram para uma ambulância onde eu fiquei por horas sentada olhando para meu celular. Eu não recebi mais as chamadas. Um bombeiro se aproximou e me disse que haviam retirado o carro, e o corpo foi levado também.

- Vocês encontraram o celular dele?

- Não Senhora. Não havia celular no local.

- Ele me ligou a noite toda, ele estava tentando me trazer aqui.

- Senhora eu recomendo que faça um acompanhamento com um terapeuta.

- Por quê? – gritei – Por encontrar meu namorado?

- Senhora – ele fez uma pensa pensativa – É impossível seu namorado ter te ligado hoje. O legista garantiu que ele esta morto desde ontem.

Eu agarrei meu celular e mostrei o histórico de chamadas, ele ficou estático.

- Isso pode ter sido um trote – Ele gaguejou.

Eu não respondi sua suposição, as ligações e eu segui sua recomendação sobre a terapia. Alguns dias depois recebi alguns documentos daquele bombeiro. Duas páginas estavam marcadas em vermelho, a primeira continha a data e horário da morte de Erick, que batia com o dia anterior das ligações, ou seja, não tinha como ele ter me ligado. E a segunda página havia o resultado das investigações sobre as ligações, que comprovaram que as ligações foram feitas após a morte de Erick e dentro do carro dele. Como isso é possível? O celular dele nunca foi encontrado, e a linha foi desabilitada. Hoje eu sou formada em psicologia e trabalho com pessoas que passam por situações semelhantes. Ainda procuro respostas para as ligações, mas entendo que a mente humana vai até certo ponto, depois disso ou você acredita ou busca resposta para o resto da vida.

Ashira
Enviado por Ashira em 20/08/2015
Reeditado em 04/04/2016
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