MEU SURFISTA MISTERIOSO - Final

Depois de algum tempo Joana despertou no sofá da gerência do resort. Dois paramédicos estavam ao lado dela, verificando seus sinais vitais. Mais atrás, Simone observava a cena muito pálida. A primeira pessoa que Joana procurou quando abriu os olhos foi pelo surfista.

— Onde… onde ele está?— ela olhou ao redor, ansiosa.

Simone se aproximou e segurou as mãos dela.

— Oh, Joana... você acordou. Por muito pouco uma tragédia não aconteceu. O que deu em você para entrar no mar em plena madrugada?

Parecia que todos estavam esperando por uma resposta dela.

— Eu… — ela decidiu não mencionar Pedro. — Fiquei com calor e resolvi tomar um banho.

Simone fez uma cara de quem não acreditou em nada, mas preferiu ficar em silêncio. Joana respondeu a algumas perguntas dos paramédicos e logo foi liberada. Não corria mais risco nenhum. Restaram na sala o gerente, Simone e ela.

— Que susto você me deu, Joana...

Ainda atordoada com todos aqueles acontecimentos, Joana sentou com alguma dificuldade no sofá e aceitou uma xícara de chá oferecida pelo gerente. Com um pouco de dor de cabeça, perguntou curiosa:

— Quem me encontrou?

— Um casal estava passeando pela praia e se deparou com você deitada na areia. O homem desconfiou que você tinha se afogado e prestou os primeiros socorros, enquanto a namorada acionou o resort.

Joana fechou os olhos, tentando capturar as imagens do rapaz. Muito vagamente, pôde sentir o seu perfume. Ele a salvara! Onde ele estaria agora? Teria algum motivo para que a deixasse na areia e fosse embora? Eram muitas perguntas e as respostas eram enigmas para ela.

— Joana, você está se sentindo bem?

— Sim... — respondeu ela, voltando ao mundo real lentamente.— Acho que eu já posso voltar para meu quarto.

Ajudada pelo gerente, Joana ficou em pé. Respirou fundo e se sentiu quase no seu estado normal. Para tranquilizar a ambos, afirmou:

— Estou realmente me sentindo melhor, gente. Pronta para pegar o avião para casa.

Simone riu.

— Falta um pouco ainda para você ir para o aeroporto. Vamos, eu ajudo você.

Antes de sair da sala da gerência, um porta-retrato sobre uma mesa chamou a atenção de Joana. Antes mesmo de se aproximar, ela já sabia quem era. Voltando-se rapidamente para o gerente, Joana perguntou quase sem fôlego:

— Quem é este rapaz?

Simone encarou Joana, tensa, e chegou mais perto para analisar a imagem de um cara jovem, aparentando 25 anos e segurando uma prancha. Parecia muito feliz.

Gentil, o homem explicou:

— Caio. Filho do proprietário da nossa rede de resorts.

Os olhos de Joana brilharam e Simone entendeu tudo. Finalmente agora ela sabia quem era o surfista que tanto procurava.

— Foi ele quem me tirou do mar e me trouxe para a areia!

Simone arregalou os olhos, igualmente empolgada.

— Não acredito! Foi ele quem a salvou? Que máximo!

Joana mal podia acreditar na sua sorte e tampouco percebeu a expressão esquisita do rosto do gerente.

— Onde ele está? Preciso agradecer.

O homem pigarreou. Estava bem constrangido quando respondeu:

— Talvez esteja havendo algum engano. Esta foto foi feita no dia em que Caio morreu, há três anos.

Tanto Joana como Simone empalideceram na hora.

— Como assim? Isto não existe. Foi ele quem me salvou esta noite!

Por um breve segundo Joana pensou que fosse desmaiar.

— Ele gostava de surfar à noite — revelou o gerente. Parecia triste em relembrar a tragédia ocorrida há tão pouco tempo. —Certa madrugada, depois de uma festa, Caio pegou a prancha para surfar. E nunca mais tivemos notícias dele. Caio nunca mais voltou.

Joana e Simone se encararam. A história era surreal demais. Pegando o cotovelo da amiga, Simone agradeceu, ansiosa por sair daquela sala:

— Obrigada por tudo. Agora minha amiga precisa descansar. Boa noite.

Pasmas, ambas saíram da sala da gerência caladas. Joana não sabia o que pensar e, Simone, o que dizer. Enquanto atravessam o corredor semi-iluminado em direção ao quarto, Joana finalmente conseguiu sussurrar:

— Só quero declarar que não fiquei louca.

—Calma, Jo. Está tudo bem.

Mas não estava. Joana sabia que Simone acreditava que estivesse delirando. Ou ainda atordoada pelo ocorrido. Quando entraram no quarto, Joana trancou a porta e começou a falar quase sem pausas:

— Eu me acordei às três horas da manhã e o vi surfando. Fui correndo para a praia e quando cheguei, já tinha desaparecido. Perguntei por ele para o funcionário de um quiosque e o homem garantiu que não havia estado ninguém por ali.

Simone não sabia o que dizer. Não era possível que tudo fosse imaginação de Joana. Algo realmente acontecera.

— Então Pedro apareceu. Ele estava bêbado. Tentou me estuprar e eu fugi em direção às ondas. Pedro foi atrás, tentou me afogar e realmente quase conseguiu. Quando achei que estava morrendo, Caio apareceu e me carregou até a praia! — Joana finalizou com lágrimas nos olhos, sentando na cama. As pernas não lhe sustentavam mais. — Eu senti o perfume dele me envolvendo... Um perfume conhecido, acho que já conhecia de outros tempos...

— Joana, calma. Eu sei que não foi imaginação sua...

— Ele me disse uma coisa... — Joana olhou para amiga, aos soluços. Precisou de um tempo para poder recomeçar a falar. — Caio disse que ainda não era tempo de ficarmos juntos outra vez. Depois me deixou deitada na areia e foi embora — Joana fungou um pouco antes de perguntar. — Será que ele foi embora para sempre?

Agachando-se frente a Joana, Simone acariciou os cabelos dela.

— Não, ele não foi para sempre. Um dia vocês irão se encontrar em outro plano. Por algum motivo, não será nesta reencarnação o encontro de vocês. Agradeça ao Universo por você ter tido a sorte de vê-lo. E aguarde o tempo certo.

Joana chorou mais um pouco, tentando absorver as palavras da amiga.

— Ninguém achou o corpo dele... Será que Caio...morreu mesmo? Talvez ele...

— Não alimente esperanças, Joana. Agora está mais do que explicado porque somente você enxergava seu surfista misterioso.

Joana ficou olhando para suas próprias mãos, desalentada. Seu peito parecia estar oco.

— Acho que agora posso ir embora daqui tranquila. Já sei quem ele é e onde está. Sei também que Caio está acompanhando meus passos. E me protegendo também.

Simone murmurou:

— Que história incrível, não é?

— Sim, é sim... — Joana sentiu as lágrimas escorrerem pela face. Tinha a impressão de que iria chorar para sempre. —Por que ele se foi tão jovem? Por que não me esperou? Agora passarei toda minha existência sabendo que só vou encontrar o amor da minha vida em outra dimensão.

— E você pretende debater estes mistérios comigo? — Simone sorriu e acariciou o rosto de Joana. — Só Deus sabe porque as coisas são assim. Não tente entender, garota. Você vai se cansar e não chegará a conclusão alguma. Tente descansar agora.

Joana balançou a cabeça concordando. Esticou-se na cama sem dizer mais nada e fechou os olhos. Não queria dormir. Receava que o sono lhe levasse embora a sensação que ainda tinha do toque das mãos de Caio. Chegou-lhe às narinas o perfume suave dele. A brisa estava balançando as cortinas do quarto quando Joana finalmente pegou no sono.

Ela caminhou lentamente pela areia da praia, tendo como companhia apenas as estrelas e a lua. Os pés descalços a levavam ao encontro de um homem que estava mais adiante, de costas para ela. O mar, violento naquela noite, fazia com que as ondas quebrassem na areia com força. Antes, porém, que ela se aproximasse do seu amado, ele olhou para trás e a viu. Balançou ligeiramente a cabeça como estivesse se despedindo. E entrou no mar. Ela tentou chamá-lo, a voz não saiu. As pernas travaram e não conseguiu mais sair do lugar. Angustiada, viu quando ele desapareceu entre as ondas para nunca mais voltar.

Aquele sonho se repetiu por vários meses até Joana finalmente conseguir acalmar seu coração. Não foram poucas as vezes que Joana teve a impressão de ver Caio rapidamente em alguma esquina, no meio de uma multidão, observando-a de longe. Era como se ele a protegesse de todo o mal. Aquilo lhe fazia um bem enorme e também aquecia seu coração que por tanto tempo ficara vazio.

Passados dois anos daqueles fatos, Joana conseguiu criar coragem e retornou ao resort. Foi sozinha, não quis a companhia de ninguém. Quando a madrugada da primeira noite chegou, ela foi até à praia. Caminhou devagar pela areia em direção ao mar revolto. Tentou enxergar o amor da sua vida enquanto as ondas fortes molhavam seus pés. E finalmente o viu. Cenas vividas entre os dois em alguma época passaram pela mente de Joana. Ela sorriu, emocionada. Caio lhe estendeu os braços, chamando-a para um longo abraço.

E Joana nunca mais voltou.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 17/08/2015
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