A Cadeira Assustadora

O sonho era o mesmo. O sol de repente se apagava, e por cima dele, uma nuvem densa de cor avermelhada surgia, tornando o dia antes de céu azul, um dia avermelhado, e com gritos de desespero ao fundo. Ele não conseguia abrir os olhos. Apenas tentava reconhecer os gritos. Por fim, a forte luz clara.

Então, ele acordava.

Dessa vez, ele pensou ter escutado algo além dos gritos. Estava deitado no sofá, de bruços, e todo mal ajeitado. Sua mão esquerda ficara por baixo de sua barriga, e parecia dormente. Seus olhos, ainda embaçados, puderam enxergar a cadeira giratória da mesa do computador. Ela estava de frente para ele, e parecia terminar sua última volta... Sozinha. Ele sorriu, e pensou estar assistindo filmes demais.

Chegou do trabalho um pouco mais tarde que o normal. O trânsito estava cada dia pior, e o fato de ter se mudado para outra casa não estava ajudando. Agora morava sozinho, e em um bairro ainda mais distante do centro. Não havia estações de trem, nem metrô, apenas ônibus, dois para ser exato. Odiava fazer baldeação, mas o salário compensava. A sensação de liberdade de se morar sozinho também.

A madrugada estava fria, e isso o acordou. Fora até a janela, e observou a rua. Ninguém. O frio era cortante até mesmo para o inverno. O tempo no Rio de Janeiro não era mais o mesmo. Parecia ainda mais esquizofrênico. Ainda mais louco. Desarranjado.

Abriu a geladeira e retirou uma garrafa de iogurte. Tirou a tampa e cheirou o conteúdo. Tinha medo de morrer pelo estômago. Ainda mais após a última infecção intestinal que o fizera perder trinta quilos. Estava magro desde então. Sua dieta estava cada vez mais simples. As pessoas na rua o encaravam. Era algo cadavérico... Mas seus pensamentos se perderam ao ouvir um rangido vindo da sala.

Sentou-se no sofá e ligou a televisão. Seu filme favorito dos anos 80 estava terminando. Trazia-lhe boas lembranças. Bebeu o resto do iogurte de uma só vez, de olhos fechados. E então adormeceu no sofá novamente. Por uma hora apenas. Até acordar com o barulho de um rangido.

Ao abrir os olhos pode perceber que a cadeira estava novamente virada na sua direção, e não para o computador. Então se sentou. Era engraçado, mas tivera a impressão de que havia uma presença ali. Impressão essa que aumentou, quando sua televisão ligou sozinha. Mas não lembrava de tê-la desligado.

Levantou-se e foi até a cadeira. Ficou encarando-a. Até que se irritou, e girou-a com toda sua força. Ela ficou ali, girando até que parou. Porém, de supetão, foi empurrada por algo invisível, com força descomunal, para o centro da sala. Então, ele se assustou.

Correu para o quarto e pegou sua Bíblia. Enquanto revirava sua a gaveta procurando o livro sagrado, pode ver ser reflexo no espelho da cômoda. Um reflexo assustador, pálido, e ao olhar minunciosamente, pode perceber três silhuetas humanas surgirem ao fundo.

A porta do quarto bateu com a mesma força descomunal. As luzes se apagaram. Ele pode ouvir lamentos, lamúrias e ladainhas. Era como se almas ou espíritos tentassem comunicar algo. Suas pernas foram ficando cada vez mais fraca. Chegou a pensar estar sonhando. Esperava apenas pela luz branca que ao final de tudo o fazia acordar. Contudo, a luz não veio.

Ele então adormeceu.

Ele então acordou no hospital. Seus olhos estavam pesados. Sentia fortes dores no estômago. Virou a cabeça para seu lado esquerdo, e pode notar seu reflexo na mesa de metal. Um reflexo distorcido. Ao seu redor, várias cadeiras. Todas vazias. Todas viradas na sua direção.

Levantou-se no susto. Começou a derrubar mesas, copos, cadeiras. Seu acesso de fúria engasgado por dias. Não aceitava estar enlouquecendo daquela maneira. Sentiu algo o puxar de volta para a cama. Porém, ao se virar para o leito, tivera a impressão de ter se visto. Deitado.

Ele então acordou.

Ele então percebeu.

A presença na casa, na verdade, era... Ou melhor, sempre fora ele.

fim

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 12/08/2015
Código do texto: T5343521
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