Pequenos Atos, Grandes Estragos (O Jornalista Bêbado)
Já era quase cinco da manhã de uma segunda-feira quando o irresponsável Donato virou a noite de domingo bebendo e se divertindo com os amigos até perceber que já se passara da hora de ir para o trabalho. Sem ao menos poder ir para casa descansar um pouco da noitada, saiu com seu opala metálico azul direto para o jornal qual estagiava. Com a corda no pescoço, Donato não podia se atrasar mais uma vez, e para tentar chegar a tempo na agência de noticiários locais, resolveu pegar um atalho cujo caminho não se via mais nada além de algumas humildes casinhas de madeira distantes umas das outras em meio a quilômetros de matos secos que emolduravam a estrada de terra deserta.
Em alta velocidade, do porta luvas do carro pegou um maço de Marlboro vermelho e retirou um de quatro cigarros que ainda restavam, e enquanto guiava o volante com a mão direita a outra já se ocupava com o cigarro que acabara de acender. Entre tragos e fumaças, como se fosse um braço dissolvido por ácido fluorídrico até o cotoco, Donato tragava o cigarro até sobrar a bituca, porém num momento de distração, o último trago que dera acabou queimando a boca de forma que instintivamente arremessou longe a bituca onde a mesma acabou caindo perto dos matos secos na beira da estrada. Continuou seguindo adiante, se queixando da ligeira queimadura nos lábios.
No jornal Donato era o redator, sendo assim, encarregado de produzir as noticias da manhã, e após supervisionado pelo editor-chefe era impresso e logo distribuído para toda cidade local. O jornalista bêbado chegou a tempo na agência de noticiários sendo logo informado das principais ocorrências da noite anterior e das mais recentes do dia. Donato ainda encontrava-se um pouco bêbado e com muito sono, e depois de notificar dois assaltos e uma tentativa de homicídio, a ultima notícia recebida acabou chocando e despertando o jornalista que começou a escrever sem hesitar e com grande pesar a mais nova e trágica do dia:
"Por volta das 5:00 dessa manhã do dia 13 de março, um incêndio ocorrido nos arredores da cidade de Bastos se alastrou por inteiro em uma área de 2 hectares tomando conta de todo o matagal do local. Vizinhos avistaram o fogaréu e logo chamaram a polícia, que consequentemente acionaram os bombeiros da região que não conseguiram chegar a tempo de conter todo o incêndio, onde o mesmo acabou causando uma grande tragédia. O fogo afetou por inteiro uma das casas de madeira que se instalava no local atingindo também duas crianças que morreram carbonizadas.
As irmãs Gabriela L. M. de 5 anos e Giovana L. M. de 12, permaneciam na residência dormindo sozinhas e provavelmente não notaram o fogo acontecer. Os pais Osvaldo P. M. e Maria H. L. M., respectivamente de 40 e 38 anos, já tinham saído para o trabalho deixando as meninas em casa como de costume aos cuidados da mais velha (Giovana) para logo irem de ônibus à escola.
Ainda não se sabe ao certo o que provocou o incêndio, mas a perícia especializada já investiga o local e a única certeza na qual acreditam é que o fogo se iniciou na beira da estrada. O velório das jovens irmãs será nesta terça-feira às 15:00 na capela Guadalupe.
Em breve informaremos mais detalhes aqui no Jornal da Manhã".
Devido a bebedeira da noite passada, a ressaca vinha em forma de fortes dores de cabeça, e com seu opala metálico azul Donato saiu do Jornal com a sensação de missão cumprida por mais um dia de trabalho e ao mesmo tempo comovido com o ultimo fato relatado. O jornalista bêbado chegou em casa, comeu algo, tirou as roupas e deitou na sua cama, mas antes de descansar do serviço e da noitada, já um pouco mais sóbrio prestou mais atenção nos detalhes do seu dia, desta forma ficando mais evidente o que bem lá fundo ele já sabia mas não queria acreditar, que o cigarro que tinha queimado seus lábios foi o mesmo que provocou o trágico incêndio. A partir daquele dia, Donato nunca mais foi o mesmo.