Ninguém sabe - Capítulo II
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II
Meu dia iniciou juntamente com uma forte dor de cabeça, todo aquele barulho, aquelas vozes todas na minha cabeça, indecifrável. Com o travesseiro tentei, debalde, abafar os barulhos. Gritos desesperados me acordaram. Aquelas vozes são do vizinho, do porteiro, dos inquilinos, vem dos carros na rua, de lá as pessoas, das charretes, gritam por algo que somente eu consigo ouvir. A minha. Estou ficando louco? As suas vozes, por mais desesperadoras, por mais alto que gritem, debatem e relutem, não chegariam a mim através destas paredes. A arquitetura medieval fez um bom trabalho nessas grossas paredes de pedra. Em qualquer lugar, por estarem no centro da cidade, seriam demolidos, mas esses casarões continuam aqui, e luxuosamente desejáveis.
Desistir de me debater, seja quem for. Levantei-me e andei até o banheiro, totalmente enjoado vomitei na pia. Há algo de errado com meus ouvidos, estão zunindo como a expulsar um residente indesejado, estalava e tapava ainda mais a cada deglutir. Fiquei um momento me olhando no espelho, o calor azedo do vomito ainda na pia subia até minhas narinas, mas não sentia. Neguei os sentidos ao resto do meu corpo e me concentrei no meu rosto; meus olhos castanhos movimentavam-se rapidamente entre a fixação em uma ou outra pupila no espelho. Aos poucos fui me concentrando apenas na minha voz, na minha cabeça, e todas as outras voltaram ao silêncio. Não demorou. Tirei a roupa enquanto a torneira levava o vomito ralo abaixo, desliguei-a ao terminar, e tomei um banho frio.
O tormento só piorou quando sai de casa. Era como se eu pudesse ouvir os pensamentos das pessoas. Eu olhava para o fruteiro na esquina e ouvia sua frustação com a barraca, aquela voz agoniada pleiteava comer uma daquelas maçãs, faria se não faltasse no final de dia; sua alma rondava as frutas, o cheiro das folhas das arvores chegava das plantações até ele, a sombra da arvore; Consumia o sonho de um descanso naquelas sombras; os cantos dos pássaros eram vivos em seu pensamento, porem apenas ouvia motores, apitos e sua própria voz chamando os clientes.
A cada passo sentia mais, um turbilhão de pensamentos: A moça dos jornais questionava as informações que vendia. O padre, os sermões que aforava – Os jornalistas lhe arranjavam crianças –. As crianças queriam mais esta brincando no parque, mas estavam no taxi indo para a igreja. O taxista não queria pagar aqueles impostos ao policial, queria ser um. O policial odiava o parceiro, planejava mata-lo, ele não o deixava extorquir alguns. O parceiro odiava a mulher, servia-a como um pequeno cachorro; tinha medo de não conseguir outra se a deixasse. A mulher o traia com o encanador, a casa sempre tinha alguma coisa vazando. O encanador devaneava jogar as suas ferramentas fora e mergulhar de vez no esgoto do contrabando. Os contrabandistas queriam uma vez na vida sentar-se em sua casa e admirar os quadros sem temer a policia. O pintor temia que sua obra prima terminasse nas mãos de algum mafioso na coreia. Os mafiosos só conseguem ser temido, imaginava seu filho o cumprimentando por respeito. Seu filho não se via comandando os negócios do pai, apenas queria vender frutas na rua.
Resolvi parar na doceira e tomar um café. Fiz meu pedido. Enquanto isso a voz viajava da cabeça da atendente até a minha, atrapalhava-me até. “O que ele pensa que esta fazendo com este palito neste calor. Arrogância.”, pensava ela. Olhei para meus pés, pernas e braços sem terminar o pedido e pensei: Porque estou com esta roupa mesmo? Eu realmente preciso disso para trabalhar? Sabia que estaria mais confortável com minha calça de lã e minha camisa de seda, muito mais arejada. Não importa, pequei meu copo e sai bebendo. Entrei no taxi e fui para o trabalho.
O taxista andava por toda a cidade o dia inteiro, aquilo me parecia muito agradável. Eu podia ouvi-lo reclamar da dor nos joelhos, mesmo que não tenha me dado nem um bom dia. Mas imaginando viajar por todo o país, todo o continente ou o mundo. Imaginei as paisagens, todas lindas; montanhas com riachos quentes e gelo no cume, campos de rosas, de tulipas, caminhadas entre os girassóis, mulheres lindas, russas, italianas, brasileiras, japonesas, os diferentes ares, os diferentes pensamentos, culturas, pessoas, o quanto não poderia ser agradável. Custaria um bom montante de dinheiro, mas apesar deste não sem um problema, e além de poder ir mesmo a pé, acharia mais carnal, nunca fui. Mas poderia ir agora! Aquele calor subiu pelas minhas veias, trazendo um gelo que remexeu a barriga e revirou os olhos. A mão chega a tremer.
“Porque ele esta sorrindo, miserável de sorte”, pensava o taxista antes de chegarmos ao meu trabalho. Como eu poderia saber disso? Eu consigo ler suas mentes? Logo busquei uma resposta.
— Pense em um numero! — Eu gritei meio sem jeito, não era minha intenção falar daquela altura, mas a voz saiu na mesma vontade em que pensava.
— O que? — O taxista perguntou desconfiado e meio assustado.
— Pense em um numero qualquer. — Completei. Um furacão de números apareceu na minha mente, mas um, em escarlate, vibrava no fundo de minha psique: 49.
— 49... — Falou ele entusiasmado. Tomei um susto antes de ele terminar a frase. — O Custo da viagem.