Coração de Jade
— Por que não colocam a imagem de um ornitorrinco nessa placa? — Pensou Jade, postada no banco do passageiro do seu calhambeque estacionado no acostamento da rodovia 153. A sua frente uma placa amarela com o que parecia ser a imagem de um veado congelado no meio de um salto advertia para o perigo de animais na pista.
Aquela não era a manhã de Jade, não havia acordado bem, sentia dor de cabeça em decorrência de uma sinusite infernal. Já havia acabado com duas caixas de lenço umedecido e seu nariz ainda parecia uma torneira aberta.
Mas não podia se dar ao luxo de se importar com isso nesse momento, já era quase dez horas da manhã e ela tinha o que fazer. Cuspiu no chão de terra do acostamento, bateu a porta do carro com força e pulou para o banco do motorista.
Não levou nem cinco minutos para encontrar a saída marcada no mapa, era uma pequena estrada de cascalho e terra batida. Aquela região era árida e o carro levantava uma espessa nuvem de poeira conforme adentrava pela passagem. Não demorou muito e ela chegou no que parecia ser um mosteiro budista abandonado, ervas daninhas cresciam sobre a imagem decrépita de um buda de madeira próximo ao portão de entrada do templo.
Outro veículo tão deteriorado quanto o seu estava estacionado próximo à escadaria de entrada, ela parou o calhambeque próximo e desceu conferindo se sua pistola estava firme na cintura.
O prédio era velho, ela mal podia imaginar quantos anos deveria ter e nem o que o teria levado a ser abandonado. Em seu interior, uma vegetação rasteira crescia entre brechas no assoalho de madeira. Uma camada de poeira cobria tudo por ali, mas estava violada e rastros levavam até um homem com uma lâmpada de querosene presa à mão esquerda.
— Ora, ora — falou o homem com voz de deboche — então você veio aqui para surrupiar a chave, não?
Jade não respondeu, levou a mão até a pistola e, com agilidade, a apontou para a figura postada do outro lado da sala.
— Você quer brincar? — falou mais uma vez o outro, mas sua voz agora vibrava mais séria.
Um tiro soou e a lâmpada de querosene foi despedaçada, a pouca iluminação que dava silhueta ao homem se foi deixando o fundo da sala às escuras.
— Não estou para brincadeira — gritou Jade. — Onde está?
— Você é muito tol...
Um novo tiro silenciou-o.
— Você não tem ideia de como estou irritada hoje!
Jade correu até o homem caído ao chão, o tiro não o havia ferido gravemente, mas, mesmo assim, ele estava inconsciente. Sem escrúpulos, ela o revistou e encontrou a chave, dourada e antiga, cerrada nos dedos da mão direita.
Um fio de coriza escorreu do nariz de Jade e ela o limpou com a manga. Levantou-se e seguiu até o altar de madeira. Estava escuro, mas a luz que entrava pela porta foi suficiente para que ela encontrasse uma pequena fechadura encrustada na madeira. Girou a chave e um pequeno clique ressoou por todo o templo.
A tampa de madeira deu lugar a uma pequena arca. Foi difícil, mas distinguiu uma pedra levemente esverdeada do tamanho de um punho.
— O coração-de-jade! — não se conteve.
Mas não apenas o som de sua voz reverberou pelas paredes rachadas. Olhou para trás, alguém a espreitava no arco de entrada do templo.