Ninguém Sabe - Capítulo I

I

Eu estive na janela da minha sala, o som do lado de fora me esfaqueava centímetros a centímetros, um a mais para cada segundo que aquele silêncio se permutava em sentidos. Era madrugada, mas os lobos não uivavam, as ovelhas dormiam e os pastores já tinham subido ao céu. Não era pouco caso com o sentido da vida, mas eu conseguia me ver ali. Parado no meio da rua, olhando-me bem nos olhos. A escuridão vinha consumindo-o e eu só conseguia imaginar os sonhos que aquelas pessoas estavam tendo naquele momento. Os sonhos daquele parado no relento se pareciam com os meus, mas ele não parecia se preocupar em alcança-los. Ficar parado na rua era o suficiente. Quem dera saber a verdade.

Decide fechar as persianas e procurar algo para fazer, mas logo lembrei que tinha trabalho logo cedo. O sono teimava a chegar. Certa hora me peguei pensando em quem iria ao meu enterro, tentei montar uma lista na mente, mas logo perdi a vontade e decide parar. O fato da lista não comportar nem um punhado de pessoas não foi influente na decisão. O relógio marcou duas horas da madrugada e o seu som me retirou a atenção, percebi o quanto gostava de observar o seu ponteiro passar de um lado para o outro, cavando pouco a pouco a minha cova. Sou só um ser, só, e mórbido. Desde quando nasci, obrigado a entrar numa roleta russa em que o relógio escolheria meu ultimo segundo.

Nesta alvorada de pesares, me imaginei no pós vida com as coisas que mais amo. E isso me interrompeu. Não me importara quantas ou quais pessoas iriam ao meu enterro, mas o que levara comigo, se pudesse, para a terra. Mas também cansei ao pensar nisso, decide ir dormir, então. Toquei o dedo no topo do abajur que com algum tipo eletromagnético de mecanismo desligou as luzes. Dormir aconchegado no calor da minha coberta durante toda a noite, pensando na imagem que vira na rua. Do modo que me reconhecia.

Acordei, simplesmente, três horas depois. Ainda era cedo para tomar um banho e me aprontar. Olhei o computador sobre a mesa e todas as coisas que poderia fazer nele até a hora chegar; rodando as paginas para cima e para baixo, a televisão pendurada na parede forrada, e, infiltrada, todos aqueles canais, o controle me chamava com força, mas meu corpo não respondia. A nada, alias. Continuei, como um morto-vivo, marchei até a sala, espiei pelo canto da cortina; Eu não estava mais lá. Fui até a prateleira de livros procurar o que ler e parei antes mesmo de ultrapassar a cadeira no meio do lugar. Alguma coisa me prendera, segurando as minhas mãos e pés, impossibilitando de prosseguir. Os livros eram muitos, assim como era vasta a internet e a lista de canais da televisão.

Sempre amei aqueles livros colecionei-os ao longo dos anos, sempre os devorando ao gosto do tempo livre. Eram poucos ali que ainda não lera, mas algo tinha me afastado daquele prazer, como fez outrora com a rede, a mídia e outras coisas mais. Aquilo tudo se tornou um peso que tinha de segurar, com minhas costas já curvas e com apoio na bengala, toda vez que me arriscava a agrada-los com minha atenção. Aquela carga histórica era uma bomba que nunca explodiu, e nunca ira. Sua missão não era essa, mas a pressão que o estopim cria sobre a casca quando inflamada não fazia a cabeça explodir, mas se contrair. Ainda mais naquele mundo. Isso era visivelmente reconfortante.

Um cheiro familiar se alastra e chega ao meu sentido. Não queria acreditar quando vi, mas não fiz nada para deter: O fogo consumia minha estante, queimando todas as linhas, páginas, capas, historias e regras. A chama parecia viva e pulou com a brisa para o quarto, incendiou a cama e tudo que havia no quarto, como palha. De uma hora para outra, sem avisos, cessou. Fui lá ver o estrago. De alguma forma um riso teimava em querer sair da minha garganta.

Com exceção do relógio tudo havia sido queimado. As cinzas, cinzas, se atumultuavam no chão e o relógio pairava no mesmo lugar em que esteve, intacto.

O ponteiro não corria mais com o tempo, mas ao contrario dele. Voltava atrás tal como um suicida arrependido tenta voltar para o topo do prédio enquanto cai. Formoso. Um brilho intenso surgi do chão; vejo meus pés ardendo em fogo. As chamas eram totalmente azuis, diferentemente das outras, laranjas, elas iam subindo meu corpo queimando minha pele, minhas roupas, minhas cascas. As cinzas se tornariam minhas vontades. Fechei meus olhos esticando meu pescoço ao teto e esperei o processo terminar, era irreversível e renovador.

Abri os olhos novamente, não estava morto, nem queimado; Meus livros ainda jaziam tranquilos nas prateleiras de madeira. Minhas mãos seguram a cortina e vejo minha imagem na rua sucumbindo à escuridão. Sumindo por completo. Neste momento me tornei a tela e o pintor. Meus olhos se regulam e vejo minha face refletida no vidro. Parecia cansada. Agora vou dormir.

Capítulo I de VI.

Cometem suas opiniões e Críticas.

L S Marco
Enviado por L S Marco em 18/07/2015
Reeditado em 01/08/2015
Código do texto: T5315349
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.