À direita do Pai
O Lázaro vivia naquela abjeta miséria, somada à pindaíba mais séria, a vagar pelas ruas. Não pouca gente cobria o rosto para evitar o encontro do olhar com aquela triste desfigura da desventura.
Já o ricaço, que tinha tudo o que não pedira a Deus, pouco ainda somava para os atos seus. Volta e meia ao ver o Lázaro passar pela rua o abuso virava a arma sua, lançando sem a menor compostura impropérios e vitupérios à infeliz criatura.
Um belo dia - coisa que para alguns ainda existia - enquanto o ricaço traçava um dourado faisão com os amigos da ocasião, o Lázaro, de fome varado, à porta assomado, suplicou por um bocadinho.
Qual não foi a revolta do ricaço a sentir invadido seu sacrossanto espaço da gula, da impudicícia e da luxúria, fazendo-o reagir com tamanha fúria. Armado de escárnio,e de um osso já descarnado, atirou-o na direção do pobre coitado - cuja salvação foi o próprio cão,
igualmente sarnento mas bem mais ágil, que abocanhou o projétil em pleno vôo.
Muitos outros episódios daquele naipe ocorreriam ainda, até que um dia, já ambos no além, o Lázaro, resgatado de seus infortúnios, na suprema bem-aventurança, ao lado do Pai, ouve gemidos doídos, aquele ai,ai, ai: era o ricaço nas profundezas mais torpes, padecendo nas labaredas do inferno, suplicando-lhe que se dignasse aliviá-lo daquele sofrimento e lhe implorando, com o corpo em carne viva, ao
menos o umidecesse com sua saliva. E o Pai, ao Lázaro, o priva.