"A PRISIONEIRA"

Quatro tiros mortais geraram consequências psicológicas na vida da então garota de 19 anos, Sônia. O crime aconteceu há exatos 17 anos, no dia 24 de junho de 1998. A gênese dessa tragédia foi o assalto à mão armada planejado, havia tempos, pelo malandro Marcelo na mansão do sogro dela. Na época, Marcelo era um policial expulso por corrupção que devia grana a um agiota. Sônia, a qual morava no bairro Rebouças, em Curitiba, havia descoberto as pretensões do bandido, residente da favela Vila Torres. Pois namorava Rossi, um jovem de 23 anos, filho do endocrinologista Otávio. Mas antes do crime mencionado, vamos nos ater aos fatos anteriores a esse acontecimento...

Otávio era chantageado por Marcelo, o qual sabia que ele escondia armamento pesado para traficantes da sua Vila, e, com isso, pedia dinheiro a cada semana, devido às pressões constantes do agiota. Rossi, no entanto, passou a suspeitar das remessas de dinheiro que seu pai enviava a um desconhecido, e, junto com Sônia, arquitetaram um plano de flagrante. Seguiram Otávio até a clínica onde ele residia, espiaram, através da fresta da porta, a consumação da chantagem de Marcelo, e não hesitaram em chamar a polícia. Otávio, encurralado, acabou entregando-se pelo crime de guardar armamentos ilegais, enquanto Marcelo, embora negando a chantagem, acabou sendo vítima da sua própria incoerência. Não obstante entregue pelo próprio filho, Otávio compreendeu a ação ética de Rossi. Marcelo, contudo, ao constatar a armação deste com Sônia, prometeu vingança.

Semanas depois, Otávio foi transferido pra uma ala de graduados na penitenciária estadual de Piraquara, sob vigilância constante. Marcelo, por sua vez, no momento em que ia de escolta ser levado da cela para uma penitenciária superlotada, contou com a ajuda de amigos traficantes para fugir.

Paralelo a esses acontecimentos, Martinha, a mãe de Rossi, voltou de uma viagem de Los Angeles, e, ao saber da prisão de seu marido, logo foi acusando Rossi de parricida, bem como questionou a índole de Sônia. Rossi, tentando abrandar a fúria de sua mãe, relatou os crimes do pai, e a chantagem. E, ainda por cima, a fez recordar que Sônia sempre morou há uma quadra da rua deles, ou seja, se conhecem há anos. Nervosa, Martinha expulsou Sônia de sua residência, mas esta não revidou. Compreendeu o desespero da mulher que havia descoberto ter sido enganada pelo marido a vida inteira.

No dia seguinte, a notícia da fuga de Marcelo já era notícia em bancas de jornais, imprensa midiática televisiva, e, sobretudo, meios de comunicação sensacionalistas. Sônia ficou sabendo da situação através de sua prima, Lídia. Esta, por sinal, tentou alertá-la sobre a vingança prometida por Marcelo. Pois, com certeza, ele consumaria o ato contra ela e Rossi. Assim, embora contra a vontade de Martinha, Sônia chegou até a residência dela juntamente de Lídia, com o intuito de avisar do perigo que eles corriam por conta de Marcelo. Assim, Martinha decidiu assumir as rédeas da circunstância, obrigando Rossi a ir embora com ela para a Califórnia. Desanimada, porém aceitando que essa seria a solução mais viável, Sônia deu um abraço de despedida no seu namorado. Martinha, notando que, de fato, o casal se amava, e, além disso, Sônia tinha um caráter corajoso e altruísta, deixou os preconceitos e as divergências de lado, e a convidou para viajar com eles. Todos ficaram alegres e aliviados com a decisão de Martinha. E Sônia, após agradecê-la, aproximou-se de Lídia e implorou que essa avisasse a tia dela, Carenina, sobre a situação.

Horas depois, na penitencíária, Otávio recebeu a visita de sua esposa, a qual desdenhou a vida dupla que ele levava. Ainda afirmou que iria embora com seu filho e Sônia, visando protegê-los de Marcelo. Consternado, e arrependido de seus pecados, Otávio pediu perdão e complacência à sua mulher. Martinha, confusa, relutou no começo, mas, após notar a exasperação de seu marido, o abraçou, e disse que, além de deixar o advogado cuidando do caso dele, sempre se informaria do seu cotidiano na cadeia.

Após esse diálogo emocionante, ocorreu um incêndio na penitenciária. Otávio foi dado como morto, para desespero de sua mulher e de seu filho. Sônia, ao saber da notícia, sentiu-se culpada por ter participado do plano do flagrante, mas Martinha e Rossi a tranquilizaram e a incentivaram a focar na viagem à Califórnia, que aconteceria em três dias.

Contudo, à medida que se preparavam para a comentada ida sem volta aos Estados Unidos, Marcelo, planejava o famoso assalto à mansão.

Através de informantes residentes na quarteirão, Marcelo ficou sabendo que Sônia, Rossi e Martinha sairiam no fim de tarde da residência. Contudo, um desses informantes era namorado de Lídia, a qual, ao descobrir o plano de Marcelo, correu para avisar a sua prima da urgência do caso. Sônia, exasperada, sabia que, no momento em que ela dialogava em sua casa, Rossi e Martinha corriam riscos na mansão. Então, impulsiva e decidida, ela saiu correndo, andou pensativa pelas quadras do bairro e avistou a clínica de Otávio, interditada. Num átimo, ela invadiu o local, fuçou gavetas e encontrou um revólver calibre 38 do falecido endocrinologista. Tremendo, nervosa e reflexiva, ela não teve muito tempo para premeditar. Saiu silenciosa da clínica, andou por ruas desconhecidas e estreitas para ninguém espiá-la, e, seguindo a sua intuição, aproximou-se com passos lentos, porém ofegante e ansiosa, da mansão de Martinha e Rossi. Sônia encontrou um ponto estratégico, num morro do terreno no qual se avistava a janela enorme da sala da mansão. E, ao chegar, constatou que Marcelo já estava por lá, fazendo seu namorado e sua sogra de reféns. Além do bandido, dois comparsas - um deles o informante e namorado de Lídia - o acobertavam. E Sônia, embora receosa em se considerar uma assassina fria e calculista, não teve mais tempo para recuar. Com certo despreparo, mas contando com a sorte do momento oportuno, Sônia, primeiro descarregou um tiro nas costas do informante. Depois, atirou novamente no outro comparsa, atingindo também na mesma região. Marcelo, nervoso, porém esperto, mecanicamente virou na direção em que os dois tiros à queima roupa saíram. E, ao notar Sônia, não teve nem tempo de mirar a sua arma nela. Levou dois tiros certeiros. Um no tórax esquerdo. Outro no abdome.

Horas depois, Sônia, desesperada pela atitude, correu instintivamente na direção da clínica, tirou as suas impressões digitais e guardou o objeto do crime no mesmo local em que havia deixado.

Depois, ela chegou, junto com a polícia, na mansão, aproximou-se de Rossi e Martinha e os abraçou, aliviada. Contudo, ficou com a consciência pesada por ter consumado o ato.

Dois dias após o crime, descobriu-se a arma, e a chocante notícia de que as impressões digitais eram de um outro traficante que guardava as suas armas na clínica de Otávio. Ele acabou sendo preso no lugar de Sônia, a qual só gerou a desconfiança de Lídia e Carenina, que a viram sair nervosamente da casa delas antes do incidente.

Assim, após resolverem a questão do crime, Martinha, Rossi e Sônia foram liberados para irem embora do país. Eles viajaram no natal de 1998, felizes e empolgados para a construção de uma vida nova. Sônia, contudo, durante 17 anos de sua vida, guardou esse segredo, e, ao retornar ao Brasil com sua sogra, e, agora, seu marido, justo numa festa promovida por Lídia, recordou de cada passo premeditado daquele acontecimento. Inclusive, que, para salvar a sua família, foi capaz até de tirar a vida daquele que foi a grande paixão de sua querida prima...

Sônia, obviamente, durante todo esse tempo, tornou-se "A PRISIONEIRA". Prisioneira de seus receios, de suas angústias, e, sobretudo, da sua total constatação de consciência pesada. Até quando ela aguentará essa prisão interior?

CONTINUA...

(Renan Fernandes)
Enviado por (Renan Fernandes) em 24/06/2015
Reeditado em 25/06/2015
Código do texto: T5287657
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.