TERROR NA RUA DA PASSAGEM

I.

Quando chegamos à cidade de Alujar, já se passavam das dez da noite. O negócio era chegar até o hotel que havia sido reservado, uma pequena hospedagem com quartinhos pequenos e mofados bem próximos à rodoviária para tentar comer algo. Estava com uma leve tontura, e a dor de cabeça. O restaurante junto ao hotel era provavelmente o único estabelecimento aberto àquela hora, mesmo que fosse uma noite de sexta-feira, happy hour quase em todo mundo. Mas nossa vinda até aqui não era para assuntos agradáveis. Entramos no restaurante para tentar arrumar um jantar. Eu e Miguel sentamos perto da entrada, para em caso de uma má recepção ou comida não apetitosa, escaparíamos junto a saída.

Chegamos com poucas informações sobre esta pequena cidade. Vimos que em Alujar viviam cerca de sete ou oito mil pessoas, era uma cidade pacata ao pé das montanhas e existiam duas escolas, um pequeno hospital e nenhuma universidade. Um evento sinistro aconteceu há três dias, e tudo indicava que ele haveria de mudar a história da pequena cidade.

Um rapazote de cerca de dezesseis anos de idade, um loirinho de calças surradas e que fazia parte da turma que dava mais dor de cabeça na vizinhança, e que estudava no segundo ano da única Escola Municipal daquele fim de mundo, sumiu repentinamente. Desapareceu numa tarde cinzenta de terça-feira no horário do pôr do sol. O superintendente do setor de Inteligência e Criminalística da Polícia tinha nos enviado aqui para dar conta do caso. Era um suposto sequestro. Eu e Miguel, meu colega da Agência Federal de Segurança, fomos obrigados a sair da capital federal nessa sexta-feira de muito calor a contragosto. Tínhamos uma longa lista de recomendações e avisos, tudo deveria ser tratado com urgência extrema. O tal do menino, Johnny, é sobrinho do atual governador do Estado, por isso, tudo tem que caminhar depressa.

Miguel na minha frente tentava ruminar o sanduíche de calabresa que o tinham servido na mesa há poucos minutos. Era duro e frio. Ele estava irritadíssimo com a possibilidade de perder seu final de semana com a esposa e seu primeiro filho que há pouco havia nascido.

“Só que me faltava ficar nesta porra até segunda! Não dá, Jim. Podiam ter me trocado, escalado o Oscar”, ele passa na testa que reluzia de suor um lenço de papel numa lambida.

“Migué. Você é o único parceiro que eu tenho que é insubstituível. Lembra da menina que estava presa no sótão da casa do diretor da Escola. Foi você quem resolveu. Só você que consegue seguir as pistas, as melhores...” Tentei dar uma palavra de ânimo para meu parceiro de empreitada, o agente do setor de Buscas e Apreensões Miguel Teixeira da Luz. Um moreno escuro da cor de pinho, de olhos rasgados de ascendência oriental, e cabelo pixaim. O recém-nascido de Miguel, que brilhava na tela de seu smartphone numa foto tirada logo ao sair do hospital, era a cara do pai, não havia suspeitas.

“Não vai comer nada Jim?”, Miguel mais uma vez me interroga.

“Não vou não. Estou com uma leve dor no estômago, uma sensação de enjoo”, avisei.

“De novo esta porra. Não acredito que você passou o dia todo sem comer nada com esta de estômago”. Miguel me reprimia sempre que podia, era chato.

Eu sou o Jair Rosa Marques. O inspetor Jim. Não sei muito bem como meus amigos me colocaram este apelido que nada tem a ver com o meu nome. Se não me engano era de um seriado daqueles do meio da tarde de adolescentes, que você fica horas na frente da tevê como se estivesse hipnotizado por aquela besteira, ainda comendo largas colheradas de leite condensado roubado da dispensa e com as meias encardidas da aula de educação física da Escola em cima do sofá. Tudo aquilo que Johnny, nosso rapaz problema, provavelmente não estava fazendo quando deu chá de sumiço na tarde da última terça-feira. Ele voltou da Escola, deixou sua mochila em cima da cama e saiu para não mais retornar. Mas há algumas suspeitas, é claro.

“Vamos Jim. Não vou mandar tudo, este sanduíche é muito ruim”, Miguel falou tão alto que eu fiquei enrubescido com a possibilidade do atendente ter ouvido.

Levantamos da mesinha da lanchonete, e eu fui acertar as contas. O dono do estabelecimento não deixou pagarmos a conta de um sanduíche, uma água e uma coca-cola. Tudo por conta da casa, para os ilustres investigadores.

“Os senhores sejam bem-vindos a Alujar. Esperamos que tenham sorte com a investigação. É uma cidade tranquila, não costuma ter este tipo de coisas. Não sabemos o que pode ter acontecido, mas estamos assustados com o que passou com este jovem. É melhor que fiquem pouco tempo e que resolvam logo esta coisa que aconteceu. O que depender da gente, podem contar”, o comerciante muito simpático tentou se mostrar disponível. E sabemos que lá teremos boca livre.

Rumamos para o hotel ao lado. Era de uma simplicidade bastante exemplar. A recepção acuada entre papeis de paredes gastos, quadros e pinturas de naturezas mortas, e um corredor com um assoalho de madeira que dava um tom de precariedade. Era o único hotel na cidade, em frente ao pequeno posto de venda de passagens que eles chamavam de rodoviária. Eu teria alguma dificuldade de assim a chamar. Eu e Miguel ficamos em quartinhos separados um de frente ao outro. Cada quarto tinha uma cama de solteiro simples, um pequeno bidê de madeira, um ventilador de teto enferrujado e um pequeno banheiro ao fundo sem portas.

Eu estava acabado. Desabotoei a camisa, e quando fui tirar os sapatos me abaixei, e uma forte fisgada no estômago novamente me fez urrar baixinho de dor. Atirei-me para trás e os ferros da cama reclamaram do meu sobrepeso ao rangerem intensamente. Será que estou muito doente? Chequei minha temperatura, não parecia ter febre. Em cima do bidê joguei minha pasta de couro e tirei algumas das anotações e das instruções que recebemos. O rosto do rapaz desaparecido não me saía da cabeça. Tirei da pasta um retrato do menino. Ele me parecia tão familiar e ao mesmo tempo com olhar tão distante, inanimado e ingênuo de um jovem rapaz do interior em busca das primeiras experiências da vida. O que pode ter acontecido no Beco dos Sete, o lugarejo da cidade quase na zona rural onde o menino foi visto pela última vez?

O próximo dia seria cheio. Começaremos pelos pais do garoto, e logo depois iremos à casa de Júlia no Beco do desaparecimento. Ela era a namoradinha do rapaz. Ela terá que falar algo que a gente talvez já saiba.

Ulisses Duarte
Enviado por Ulisses Duarte em 01/06/2015
Reeditado em 15/06/2015
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